segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Bobo Amor - Volume I


Falar em amor nunca é fácil. Tão mais complicado ainda é conviver com um sentimento sem ao menos compreendê-lo. A vida exige muito do coração das pessoas. É um bate-bate sem ritmo normal, altos picos de hormônios sendo distribuídos pelo corpo em conseqüência de um celular tocando ou um e-mail recebido. É estar trabalhando e pensar naquela pessoa. É bobo e é bom.

Lembro do "João, o Apaixonado". Era um verdadeiro Don Juan! Levava flores na saída da escola. Aprontava diversas surpresas para a Jaqueline. Ela ficava boba! Mais boba que seu estado de espírito quando o João aparecia. O João estudava no Joana d’Arc e ela no São Francisco, ambos em Rio Grande. O tempo foi passando, tudo estava tranqüilo e o sentimento cada vez maior. Ambos concluíram o ensino médio e chegara a hora de escolherem qual cursinho pré-vestibular iriam cursar. Para não haver problema de grude e de possíveis brigas por estarem sempre juntos, resolveram matricular-se em turmas de turnos diferentes. A Jaque pela manhã e o João à noite. O ritual continuava o mesmo. Ele a buscava, ela o buscava. Ele cheio de idéias, como sempre. Quem chegava perto podia ouvir o meloso diálogo quando ele a buscava na porta de saída do cursinho:

- Oi amor! Como foi a aula hoje?
- Foi boa! Tive matemática e biologia.
- Qual matéria o Daner deu hoje na aula de matemática?
- Ele deu algumas formas de trigonometria e fez uns exercícios.
- Será que ele vai dar o mesmo conteúdo na aula da noite?
- Não sei, ele disse que a nossa turma está um pouco adiantada. Por que queres saber?
- É que eu pensei em matar a aula para sairmos para jantar lá naquela pizzaria que tu gostas. O que achas?
- Ahh amor, vontade não falta. Mas não quero que fiques matando aula! Ainda mais aula de matemática que tem um monte de fórmulas para aprenderes.
- Uma vez só amor! Vamos? Por favor!
- Fazemos assim então! Tu assistes às duas aulas de matemática e depois matas as duas de biologia, já que tens tanta facilidade para aqueles nomezinhos difíceis!
- Perfeito!

Ela sempre tinha o meio termo com ele. Conseguia tudo o que queria com aqueles olhinhos estalados e sempre confortantes. O diálogo foi a base do namoro deles. Sempre conseguiam achar uma saída para algum desejo ou situação embaraçosa. Um era o vício do outro, mas que sabiam dosar na quantidade certa para que o sentimento não se tornasse uma obsessão.

A Fernanda, secretaria do curso pré-vestibular invejava o namoro dos dois. Sempre se debruçava no balcão de atendimento e ficava ali, babando, analisando cada movimento do João e da Jaqueline. O jeito que ele pegava na mão enquanto simultaneamente fazia um carinho na nuca dela. Ela adorava. Sorria. Arrepiava-se com aquele gesto. Certamente viveria algum problema em seu relacionamento – ou a falta de um – e tentava com base naquele exemplo tirar proveito ao menos pelo belo momento. Ou nem isso. Talvez tivesse orgulho de ver os dois juntos, já que ela sempre o ajudava nas surpresas que aprontavam um ao outro, especialmente o João. Sempre que aprontava alguma, a Fernanda acabava ganhando um drops ou um saquinho de chiclete. Recompensa doce, tão doce quanto o sentimento daqueles futuros acadêmicos.

O tempo foi passando e o vestibular de inverno havia chegado. Porém, nenhum dos dois fizera inscrição para no edital da Fundação Universidade do Rio Grande. Ficaram tristes, pois estudaram muito – mesmo que na metade do curso – para realizarem a prova que, na última hora, a FURG cancelara a inserção de medicina veterinária (pretendida pelo João) e cortara o curso medicina (sonho da Jaque) por poucas vagas disponíveis. Até nisso eram parecidos. Sem contar nas manias que os dois tinham de cumprimentar a todos na rua e nos lugares em que entravam.

Tinham manias diferentes também. Vontades que o separavam, por exemplo, na hora de torcerem por seus times. Ele gremista, ela colorada. Ele adorava baurus, ela preferia torradas. Ele churrascos e carnes bem temperadas. Ela seguia à risca vegetarianismo. O amor é feito de diferenças. De lados opostos que se atraem. Pólo negativo e pólo positivo. Um vértice de um ângulo de 90° graus para Jaqueline e uma relação de 50% dominância de AA (azão de amor) para João.

O pretendido e sonhado vestibular de verão chegara. Os dois muito nervosos, mas no fundo preparados. Jaque faria vestibular na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e na Universidade Católica de Pelotas (UCPel) para o curso de Medicina, além de ter feito inscrição na FURG. Já o João, teve de contentar-se apenas em realizar a prova na UFPel devido também a não inserção de Medicina Veterinária na FURG no vestibular de verão daquele ano. A maratona de provas começara e eles mal tinham tempo para namorarem. Todo o santo dia era aquela correria pela manhã: acordar cedo, tomar banho, café reforçado, trânsito engarrafado nos locais de prova. À tarde, o bom sono estendia os músculos e relaxava os neurônios dos dois. Preferiram não se ver durante a realização das provas. Apenas telefonemas e mensagens de texto para matar a saudade. Na verdade, quase nenhum telefonema, apenas mensagens, meigas e bem bobinhas:

“Oi amor! Tudo bem? Achei as provas de matemática, biologia e histórias boas. Mas não gostei muito da de Física. Tô com muita saudade tua, sabia? Te amo! João.”

“Meu fofinho! Eu também tô com muita saudade tua! Nem quero falar da prova, estou estressada e cansada. Mas acho que me sai bem! Vamos torcer pela gente e depois comemorar muito! Beijinhos, te amo! Tua Jaque.”

E assim foi até o final dos vestibulares. O João ficou só esperando os vestibulares da FURG e UCPel acabarem para correr até a casa da Jaqueline e aprontar as surpresas que tanto adorava fazer. Foram 15 dias sem comunicação ao vivo. João gastou quase R$ 30 reais em créditos apenas com mensagens para ela. Saiu esperançoso do seu único vestibular, enquanto ela se pendurava nos livros para repassar as fórmulas e macetes ensinados no cursinho. Ela sempre gostou de ter tudo definido. Já para o João, bastara apenas dar uma lida e uma rápida revisada no conteúdo.

Os listões com os nomes dos aprovados saíram quase no mesmo dia. Talvez uma boa jogada e um presente de Natal antecipado para os vestibulandos (ou não). Foi uma alegria só! E somente uma mesmo. O único a passar no vestibular foi o João. 5° lugar em Medicina Veterinária, pela UFPel. Jaqueline passou longe de qualquer classificação e suplência das três listas de aprovados. Foi um choro só.

Chegou o Natal, as festas de virada de ano e nenhum carinho conseguia levantar a moral da Jaque. O “víspora”, um cão de raça boxer a fazia carinho, dava a pata e nada de um sorriso. Era do sofá para a cama. Da cama para o sofá. Não comia direito, tinha vontade de sumir e fazer sumir todos à sua volta. Principalmente o João, agora um acadêmico. Ele preparava mil surpresas, tentava tirar um sorriso a todo custo do rosto dela. Sem sucesso. Os pais de Jaqueline já começavam a preocupar-se com seu estado. Provavelmente já estivera uns três ou quatro quilos mais magra. Pálida. Branca. Talvez anêmica pela má alimentação. Dava pena. João quieto, sem saber também o que fazer decidiu ir para a casa comemorar com sua família o resultado e começar a decidir como seria sua rotina no próximo ano, já que a UFPel era em Pelotas e ele morava em Rio Grande.

O verão não foi o mesmo. Ela não o procurara mais. Ele acabou distante, confuso, cabisbaixo. Depois de quase dois anos de relacionamento, de paqueras, namoricos, e todas aquelas coisas bobas magníficas, como cinemas regados à bibs e pipoca, tinha chegado a hora de sua partida. A hora de perceber que a vida toma novos rumos. Novas experiências são inevitáveis e, além disso, mais do que necessárias para o crescimento e amadurecimento do ser humano. João foi morar em Pelotas e levar em frente o sonho de ser um Médico Veterinário. Alugou um apartamento, conheceu os colegas da faculdade, se aproximou de alguns, repeliu outros. Fez novos amigos, conheceu novas gurias, enfim. Ficou com algumas, se apaixonou por duas ou três. Namorou. Namorou com uma delas durante três anos da faculdade. Milena. Quem? Sim. Nada de coincidência. Milena. Aquela secretária no curso pré-vestibular onde João estudara. Tudo muito rápido. No quarto ano, ele a pediu em casamento, ficaram noivos no penúltimo ano de faculdade. Combinaram de casar em seguida que acabassem a faculdade. Tinham bons empregos e condições para isso. Jaqueline nunca mais deu notícias. Não ligou, não enviou mensagens de texto nem e-mails. João casou com Milena no ano seguinte e foram morar em São Paulo. Ele é professor-mestre na USP. Milena, dona de uma clínica veterinária de animais de pequeno porte. Jaque ainda tenta passar em Medicina. Solteira dos homens, divorciada dos amigos. Casada com os livros: unida às fórmulas e fiel às teorias.

Um comentário:

Jennifer Azambuja de Morais disse...

É mesmo, o bobo amor tem magias inexplicáveis. Às vezes, os rumos tomam caminhos diferentes, mas isso não significa que os sentimentos também tomaram. E quando isso acontece é ruim, e tudo por motivos bobos, idiotas e que podiam ser superados pelo amor. Só que o amor não tem receita, não tem dicas, não tem explicações e muito menos lógica; e quando as pessoas não estão preparadas para os sentimentos tudo fica mais complicado ainda, podendo prejudicar um "grande bobo amor". Não sei se estou preparada ou se sei superar questões bestas do relacionamento, mas sei que devemos vivê-lo com intensidade e sem magoas. João era o que mais demonstrava amor e soube conduzir a situação, Jaque era mais centrada e não soube viver as oportunidades. Então é tudo questão de "como viver a vida e saber amar as pessoas". Espero que um dia Jaque possa reconhecer os erros e corrigí-los. Besos Marquinhos, amei o texto.