sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Bissexto

De quatro em quatros é a mesma história: fevereiro ganha um dia a mais. Vivemos um dia a mais a cada quatro anos? Sim, mas torna-se um dia normal. Fazem disso um feito. Tudo culpa e balela dos historiadores, dos matemáticos e dos reis apaixonados. Por isso que gosto do Einstein. Para ele o tempo não passa de uma mera invenção, em que o espaço e o tempo são apenas modos pelos quais o homem pensa o mundo, e não as condições sob as quais ele vive.

O nosso calendário é proveniente da invenção dos romanos. Tudo começou lá na antiga Roma. Senhores de barbas cumpridas, ouvidos entupidos de cera e parte íntimas fétidas pela falta banho de mais de semanas. Eram eles. Preocupavam-se em fazer contas e esqueciam-se das mulheres italianas, as quase primeirinhas da civilização. Enquanto elas, virgens, quase intocadas, desfilavam em trajes cumpridos provocando-os. Repito: eles preferiam ficar calculando e inventando regrinhas para definir o tempo. Pobres maledetos!

O culpado de o nosso calendário ter um dia a mais em fevereiro foi do tal Numa Pompílio (715-673 a.C), o queridão era o rei da cocada preta. Segundo o historiador latino Tito Lívio (c. 59 a.C.-17 d.C) o Numa foi um sabino eleito o segundo rei dos sete da história de Roma. Além do calendário reformulado, ficava dando leis à cidade, tipo um prefeito em época de eleição, enquanto a pobre Théris o cercava, fazendo de tudo para ele a notar. Sem sucesso.

Numa nunca. Sim, nunca. Ele era um religioso, aliás, um agricultor religioso. Conversava com as sementes que plantava fazia preces para que a chuva chegasse, trazendo abundância não só para os mais de 300 homens de seu mando, mas para todos que podia e conseguia ajudar. Era bondoso o Numa. Menos com a Théris.

Quando Numa assumiu, ainda estava em vigor o antigo calendário criado por Rômulo (753 a.C. - 716 a.C.)o fundador de Roma, aquele mesmo que fora amamentado por uma loba – que era baseado no calendário lunar grego. Apenas dez meses. Decerto, era por isso que àquele povo envelhecia mais rápido e morria tão cedo. É óbvio, ao menos psicologicamente. Mas o Numa, querendo mostrar serviço para seu querido povo e ainda mais para os desconfiados sacerdotes, resolveu criar um novo calendário. Dois meses a mais com possíveis variações de tempo, de quatro em quatro anos.

O novo calendário romano fora inaugurado no réveillon. Um réveillon humilde, apenas comemorado com uvas e vinho. De quebra, os novos dois meses já iniciariam no dia seguinte: Ianuarius e Februarius. A partir daí, a vida de Numa não seria mais a mesma. Depois de muito vinho na mente de todos, especialmente na de Théris, a moçoila ninfeta apaixonada pelo barbudo do Numa.

- Vem cá, eu sou muito feia para ti? Porque não me olhas? Não me desejas, caspita? – intimou a embriagada virgem. Numa, sem saber o que fazer, numa sinuca de bico respondeu:

- És bela Théris! És tudo que um rei gostaria de ter, mas...
- Mas? És tão somente bom com os números e leis? Esqueces das palavras e das mulheres?
- Deixas-me sem ar. Sem fôlego, Théris...
- Deixo-te assim e não tens coragem e ousadia de possuir-me?
- Vontades aparecem de repente, Théris. Mas, preciso dar tempo ao tempo para com minhas decisões.
- Então far-lhe-ei uma proposta, sem relutas e sem choramingos: tens estes dois meses novos para decidir se me queres ao teu lado, caso contrário, esquecer-te-ei e entregar-me-ei ao primeiro ousado homem em qualquer arruela de Roma. Tenho dito. – propôs Théris com o fura-bolos apontado para o rei Numa. E ainda ressaltou:

- Dois meses! Se de ti partiu esta idéia, de mim partiu este acordo. No dia 1° de março quero a tua resposta. Não quero mais ser qualquer uma nesta Roma. Desejo-te dia e noite. Quero ser a tua rainha! Numa ficara intimidado, paralisado com os braços retraídos para trás. Como forma de proteção apenas balançou a cabeça, vendo Théris virar as costas e sair em passos firmes em direção à festa de réveillon. Théris era objetiva, uma mulher à frente do seu tempo.

Numa havia criado um problema dos grandes. Quis inventar uma nova forma de prolongar o tempo, modernizar alguma coisa e pelos seus cálculos malucos, dar mais vida aos próximos romaninhos já que em Roma a expectativa média de vida não passava dos 50 anos naquele período. Mexer com uma mulher e fazê-la tomar a iniciativa não era muito comum. Mas, Numa Pompílio, o segundo rei de Roma, podia honrar-se desse feito. Homem tímido, com o cabelo comprimido, assaz ensebado pela falta de banho, lambido para trás e preso com um trançado de plantas e com hábitos de higiene contestáveis. Tão igual aos outros homens do reinado. Théris, gostava daquele cabelinho e do olhar tímido de Numa. Gosto é gosto, não se discute.

18 de fevereiro do ano novo, o primeiro mês de fevereiro da história já passava da sua metade. Faltavam 11 dias para o primeiro ano bissexto da história. Clima de suspense! Que nada, o Numa não saía de suas contas intermináveis e da criação de novas leis para Roma. Nem sinal de Théris. Depois do réveillon, sumira. Talvez quisesse fazer Numa sentir saudade ou ficar com vontade de vê-la. Apenas mandava recados pelos corneteiros do rei. Mulheres fazem isso e fazem muito bem, sempre surte resultado. Os números e o lado politiqueiro eram os amigos inseparáveis de Numa. Perdia noites e dias apontando tudo que lhe vinha à cabeça nos seus diversos alfarrábios - ou não.

Durante mais um dia de muitas escrevinhadas, estava lá, debruçado sobre seu púlpito, preparando mais uma solenidade regada a vinhos e muito pão. Seria uma comemoração alusiva ao primeiro ano bissexto da história – véspera do prazo de Théris a resposta de Numa quanto ao futuro dos dois. Numa nem pensava nisso aparentemente. Estava mais preocupado em acertar os últimos detalhes para seu discurso em praça aberta.

Aos poucos o povo se aglomerava lá embaixo, enquanto os corneteiros sopravam toques de aviso de que o rei se aproximaria em breve para começar o discurso. A população idolatrava Numa Pompílio. Era um rei sabino, jovem e sabido. 38 anos. Gostava de ajudar o próximo, bastante solidário. Fazia de tudo para agradar o povo, não tinha aquele ar fechado e carrancudo dos líderes. Cumprimentava a todos pelo nome. Mas, tamanha bondade para com os outros não seria recompensada pelo tempo, tempo que Numa havia tentado alterar.

Depois da décima cornetada o povo calava-se. Esperavam a entrada triunfante de Numa Pompílio. Quando os quatro corneteiros abandonavam suas posições e recolhiam-se ao lado do trono do rei, era uma espécie de sinal: todos começavam a bater palmas. Incessantes palmas para que Numa avançasse, dessa vez de banho tomado devido à circunstância, estufasse o peito e pronunciasse:

- Povo de Roma! Estive, estou e estarei sempre com vocês!
E uma multidão respondia em sabino, com os dois braços levantados em direção a Numa:

- Nós estamos com o rei! Numa, Numa, Numa, o rei de Roma!

Era afinado, muito bonito de ouvir e ver aquela manifestação. Numa agradecia batendo com o cajado no chão por três vezes, fazendo reverência em seguida ao seu povo e começava a falar:

“Povo de Roma! Hoje é um grande dia para nós. Estamos vivendo pela primeira vez um novo modelo de calendário. Mais dias foram adicionados. A lua nos guiará até o sol, que brilhará mais em nossas vidas e nos trará mais saúde. Será visto pelos nossos rostos, pela nossa aparência. Hoje, também estamos vivendo um dia a mais no mês de Februarius, dia 29, o qual sempre acontecerá a cada quatro anos para suprir a perda de seis horas anuais! É motivo de festa saber que os tenho ao meu lado, por isso, hoje o dia será diferente das outras comemorações anteriores. Haverá bebida e comida para todos!” – anunciava Pompílio, já sendo aclamado pela multidão:

- “Numa! Numa! Numa!”

- “Acalmem-se todos! A comemoração não pára por ai!” – interrompeu o rei. “– Far-lhe-ei-os um comunicado muito importante para o futuro de Roma: Irei casar!” E a multidão batia palmas em som crescente, que aos poucos seria um som ensurdecedor, por saber que o rei iria ter uma companheira, uma rainha.
- “Peço à moçoila que há dois meses intimou-me com a promessa de entregar-se a mim que suba aqui para ser apresentada ao povo como a nova rainha de Roma!”

Uma decepção. Théris parecia não estar na multidão. Numa chamara os corneteiros para perguntar se sabiam por onde andava àquela moça que vivia pelos corredores do reino atrás de Numa, nenhum dos três sabia do paradeiro de Théris. Eu disse três? É falei e o sabido do Numa também havia notado...

“- Três corneteiros? Onde está o número quatro?” – perguntava o rei aos outros restantes. Olharam-se entre si com as cornetas escorregando das mãos suadas pelo questionamento do rei e um deles tivera a coragem de dizer:

- “O número quatro fugiu com a Théris, Rei Numa. Peço perdão pela ousadia de falar-lhe a verdade.” – disse o corneteiro número dois.

Théris havia fugido com o corneteiro número quatro enquanto Numa fazia o discurso do primeiro ano com o mês de fevereiro e bissexto da história. Fugiu para outro lugar, cansada de esperar pela timidez e exatidão do comportamento de Numa. O tempo havia passado a rasteira no pobre coitado do rei Numa, de apenas 38 anos. Havia feito cálculos intermináveis. Diminuiu, somou e conseguiu criar mais dois meses e até um dia a mais a cada quatro anos por causa do sol e da lua. Numa morreria quatro anos depois, com 42 anos, antes de 29 de fevereiro, mas morrera na sua própria criação, talvez por desilusão da fuga de Théris – óbito que talvez fosse confirmado mais tarde em apontamentos descobertos nas últimas folhas rabiscadas de um alfarrábio e divulgado por Túlio Hostílio (673 a.C. - 641 a.C.), sucessor de Numa, o terceiro rei de Roma:

“Uns acham que passo as noites a contar números e realizar contas. Outros acham que sou indeciso por não me entregar a qualquer moçoila apaixonada. Sou tímido. Este é meu jeito. Ainda acharei melhor solução para isso. (...) Vou inventar uma maneira de estender o tempo para criar coragem de declarar-me a Théris. (...) Ainda me faltam números querido e amarelado alfarrábio, mas hei de conseguir fazer o tempo prolongar-se. Por hoje é isso, entregar-me-ei aos braços de Morpheu por hoje e retomarei amanhã o cálculo de novos tempos, de novos dias, dias de amor ao lado de Théris.” – palavras de Numa Pompílio (716 a.C. - 673 a.C), um rei soberano, tímido, apaixonado, desiludido, mas que conseguiu estender o tempo por causa da crença em um futuro e tranqüilo amor. De certa forma, fevereiro ter um dia a mais a cada quatro anos é culpa também das mulheres, mas só um pouquinho.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Guarda-Roupas

Falar de saudade é como se traçássemos um paralelo com o passado. Cruzássemos uma ponte longa, extensa, com tudo aquilo que ficou para trás por circunstância da vida ou por escolhas bem pensadas. Saudade é a certeza de o passado ter significado alguma coisa. Saudade da infância, saudade do amigo do colegial, saudade de um tio legal que foi morar fora do país. Saudade é a existência de um sentimento puro, tão puro quanto às nossas mentes quando damos o nosso primeiro choro neste mundo - e é aí que o nosso guarda-roupas começa a ser preenchido depois desse primeiro chorinho.

“Para sempre é muito tempo. O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo” – disse Mário Quintana. Sábio escritor e pensador, boa citação. A saudade não tem hora vir à tona e fazer o tempo brecar. Ela pode vir num engarrafamento por causa daquele carro vermelho ao nosso lado, parecido com o do nosso primeiro amor, aliás, segundo, porque o primeiro é o amor-próprio. Ela pode aparecer quando toca uma música no rádio, uma trilha de algum momento vivido com alguém especial – ou nem tão especial.

A saudade é o único sentimento que nos faz voltar no tempo. Todos os outros sentimentos giram em torno dela. O amor, por exemplo, é um dos mais dependentes da saudade: o amor-amizade por um amigo que foi morar em outro estado; o amor-paterno do pai ou dos avôs que nos deixaram por questões aleatórias; o amor-materno da mãe, das avós e até das tias quando não estão por perto por decidirmos morar em outra cidade por causa do nosso futuro; o amor-relação por àquela namoradinha ou namoradinho do passado, entre tantos outros.

O amor é apaixonado pela saudade, não adianta. A saudade funciona como um bom tempero no prato cheio que possuiu ou possui uma relação amorosa. Se estivermos perto da pessoa, até brigamos, mas depois bate àquela saudade imensa de sair correndo pelas ruas em desespero até a casa dela para pedir desculpas, abraçar, beijar e nos sentirmos aquecidos pelo calor do amor que é concedido pelo perdão, pela desculpa divina de perdoar o próximo. Tudo questão é de tempo.

No guarda-roupa de sentimentos que temos dentro de nós, as gavetas transbordam de boas intenções em viver grandes e prósperos momentos ao lado das pessoas que convivemos no dia-a-dia. Seja no colégio, na faculdade ou no trabalho. São as relações do dia-a-dia que nos fornecem um vínculo muito próximo com as pessoas que lidamos, pois é com elas que passamos a grande parte do nosso dia, bem mais tempo do que passamos com nossas famílias. São essas pessoas os catalisadores de fazerem a nossa saudade aumentar, mesmo que ela seja pequena – brigas na hora do almoço com os pais e irmãos ou um desentendimento por telefone com eles. Mas, o importante é saber que quando chegarmos em casa, depois de um dia puxado e estressante, eles nos receberam como se nada tivesse acontecido. De braços abertos, cada um com o melhor sorriso de 32 dentes e com a mesa do jantar prontinha. Mesmo com os desentendimentos do dia-a-dia, ambas as partes sentem saudade do bom trato, de uma boa relação, com toda a certeza.

Chato falar em saudade, não? A saudade cutuca as emoções! Certamente os mais diversos momentos do passado já lhe vieram à cabeça e você deve estar pensando: “Que saudade do(a) fulaninho(a) que foi embora e nunca mais me mandou notícias!” ou então: “A mãe tinha razão na hora do almoço, eu não tenho dado bola para ela e nem para o meu pai! Que saudade que eu sinto do carinho deles e nem demonstro!”. Aí entram outras situações muito presentes nas rotinas: o tempo e a falta dele.

O tempo é o melhor juiz do mundo. Decide as coisas conforme a saudade se comporta. Não existindo ou ainda atuando, ele desaparece com ela e com os momentos determinantes do passado. Tristes ou felizes. A falta de tempo faz o tempo entrar em cena – redundante lingüisticamente, nada redundante psicologicamente. Vai ocupando-se a cabeça com outras atividades, curso disso, aula daquilo, festas acolá e, depois de algum tempo, a saudade consegue fugir de onde o tempo, o tal juiz, a prendeu e traz tudo de volta. Tudo à tona. Remexe passados, pedidos de desculpas, reata relacionamentos, um tornado de emoções confusas e perdidas em meio a tanta ventania.

Com o tempo, todos os tipos de amor vão sendo guardados em nossas gavetas e pendurados em nossos cabides. Nossos guarda-roupas virtuais começam a ficar lotados com o passar do tempo. É como acontece com o guarda-roupa da vida real: é preciso esvaziar, doar as roupas velhas – nem todase fazer uma geral no que é útil para seguir usando no futuro. Àquela camiseta antiga, quase rasgando, pode ser útil para alguém necessitado. O tênis furado pode ser o melhor presente de Páscoa para uma criança abandonada do que um ovo de chocolate.

As lembranças nunca serão apagadas da nossa memória. O passado sempre valerá a pena ser lembrado. Nostalgia não faz mal. Seja por causa daquele tal carro vermelho ou da música que nos faz lembrar algum momento vivido. Dê mais atenção à sua família, aos seus amigos. Perdoe-os e peça perdão por algum erro cometido, deixe o orgulho de lado. Cumprimente o seu porteiro e pague até mesmo um lanche para aquele seu colega carrancudo. Não guarde mágoas. Evite-as. No futuro a saudade baterá e a melhor lembrança virá do sorriso resultante desses pequenos gestos de carinho para com as pessoas. Não tenha medo de voltar atrás.

A saudade é o melhor abraço que podemos ter, não físico, mas tão caloroso e emocionante quanto um. Se abrace quando quiser, mas nunca se esqueça de se vestir bem e proteger o seu guarda-roupa. Empreste algumas roupas dele como forma de ensino, se possível, troque-as por outras boas durante um bom tempo. Preserve-o. Afinal, ele é o melhor protetor das roupas que vestimos a cada amanhecer: a camiseta do amor, a calça da saudade e o sapato do tempo.




p.s.: Hoje o blog teve mais 45 visitas e chegamos em menos de dois meses a mais de 1000 visitas! Muito obrigado a todos pelo prestígio, pelo futrico dos visitantes fantasmas e, é claro, pelos comentários! :-)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Marcação Feminina


Ela levava a sério e ele só disfarçava como se não fosse com ele. Era um malandro, do tipo guri sabido, que só queria aproveitar a vida e não queria se prender tão cedo. 21 anos, a flor da idade masculina, mulheres e guriazinhas o disputavam acirradamente, não aos tapas, mas o disputavam. O Ricardo era concorrido. Mas, Fernandinha era insistente. E não desistiria nunca daquele malandrão até ele ceder e dar uma chance a ela.

Era na saída do colégio, era no término do treino do futebol. Marcação nas mensagens de textos e toques no celular dele e mais marcação cerrada, sobretudo, nas festas noturnas. O Ricardo não podia dar um passo, porque além da Fernandinha, todas as outras gurias estavam de olho nele, guiando cada passo e melando qualquer conversa com alguma outra concorrente da festa. O time da Fernandinha marcava o time do Ricardo com um 3-6-1 e ia para cima com um 3-4-3 ou um 4-2-1-3 dos mais atacantes.

Mulheres são persistentes quando querem algo para si. Ainda mais quando o produto pretendido não é um sapato ou uma bolsa, e sim um homem. A persistência, às vezes, avança para o estágio da obsessão. Obsessão essa que iria até ajudar àquela moça persistente, de quase 1,78m de altura, olhos verdes, boca carnuda e um longínquo cabelão até a cintura. Uma morena daquelas de levantar a torcida. E o Ricardo? O Ricardo era um gurizão normal, igual aos outros, nada de muito diferente, exceto um temperinho: ele tinha charme, muito charmee se aproveitava demais disso.

O Ricardo sabia o quê falar, em que hora falar e o jeito que falaria com as gurias. Era do tipo analista, de analisar até as mãos das moçoilas. Era bem seletivo, garantia três, quatro até cinco gurias ou mulheres em cada festa que aparecia. A fórmula dele era simples: tinha um jeitinho tímido, engraçado, mas era podre de esperto o marmanjão. Cabelos cacheados nos trinques, perfume no cangote e colar de prata no pescoço. Uma camisa pólo, um jeans desbotado e um tênis. Nada muito sofisticado além da prata no pescoço. E não havia guria que resistisse.

A Fernandinha ficava louca quando ele chegava à festa. Nunca haviam ficado ou conversado ao vivo. Apenas via internet e por mensagem de texto. Ele sempre a deixava em banho-maria. Ela tremia as pernas, bamboleava a cintura na pista de dança junto com as amigas para ver se o Ricardo olhava. Nada. Ele não gostava de gurias muito dançarinas. Preferia as mais calmas, as quietinhas, que preferiam ficar tomando uma água, especialmente uma água, ou um drinque numa rodinha de amigas fora da pista – até porque ele não bebia nada que levasse álcool. Plano errado o da Fernandinha. Mudou de tática: começou a chegar perto, ir onde o Ricardo estivesse como se fosse um detetive. E foi na fila do bar que aconteceu o primeiro diálogo, ao vivo, e direto, sem envolvimento ou interrupções das amigas e de outras concorrentes:

- Oi Ricardinho! Tudo bem?
- Fala Fê! Tudo beleza! Queres que eu pegue alguma bebida para ti?
- Claro! Pede para mim uma água sem gás bem gelada? Sem gás! –
foi ai que a conquista iniciou, o Ricardo não gostava de beber e nem de gurias que bebessem.
- Pega aí Fê, bem geladinha!
- Obrigada Ricardinho!
- De nada... E ai, curtindo a festinha?
- Claro, fui dançar um pouco com as amigas, mas dançar não é o meu forte! Prefiro uma conversa bem tranqüila só ao som da música!
- És das minhas então! Pensei que eras da tribo da música eletrônica. Passei por ti mais cedo e te vi dançando na pista...
- Era só para fazer uma social com as amigas, prefiro mesmo uma música mais calma e, ainda mais, com uma boa companhia!
- Companhia, é? Isso eu posso te fazer e acho que faço muito bem!
- Posso entender como um convite?
- Entenda formalmente então: Vamos lá para o mezanino, o em cima do Bar do Flash, sentar naqueles bancos na frente balcão?
– apontou o malandrão, enquanto a Fernandinha nem acreditava no que havia escutado, apenas disse com uma afável e desacreditada voz:
- Vamos...

Foram os dois em direção ao mezanino. Os dois com duas águas sem gás nas mãos a ponto de terem, de verdade, o primeiro encontro, a primeira conversa ao vivo. Mãos trêmulas, geladas e mais geladas por causa da garrafa d’água. Foi lá em cima, sentados frente a frente nos bancos, depois das fortes investidas de Fernandinha que o Ricardo notou o quão especial aquela guria, quase mulher, era. Entre papos e confissões, águas e pernas ainda um pouco bambas, aconteceria o primeiro beijo, o primeiro sumir de chão dos dois.

Ricardo aprenderia ali que nem sempre é a quantidade que faz a diferença. A qualidade havia se tornado o seu item principal de seleção – e talvez a última seleção. Não eram necessárias muitas gurias, apenas uma com tudo o quê ele procurava. Divertiu-se com as erradas até achar a pessoa certa. Já Fernandinha descobriu que as mulheres podem e devem tomar iniciativa. Aprendeu também que uma garrafa d’água é tão importante não só para a saúde, mas para conquistar aquela exceção de guri. Ela havia derrubado o charme de Ricardo e todas as suas outras armas de conquista, porque agora, o Ricardo seria só dela, não apenas na festa, mas nos dias seguintes e depois e depois. Enquanto lá embaixo do mezanino todas as amigas dela os espiavam com olhos torcedores de um futuro bom para os dois; as concorrentes mordiam-se: porque agora o Ricardinho, o malandrão, havia cedido para compartilhar momentos com uma só pessoa e, de quebra, ganhado a possibilidade de descobrir e viver o significado da paixão e com o tempo, talvez, do amor. Uma boa marcação faz o ataque ser produtivo, nunca se esqueçam disso. A Fernandinha não esqueceu, marcou bem, ajustou a tática, jogou um bolão e honrou a bandeira do time feminino.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Lodomania


Para toda a ação existe uma reação, correto? Andar de carro, à noite, em uma praia seria a ação. Uma ação um tanto quanto perigosa, tudo bem. Agora, a reação mais aceitável seria falta gasolina ou até atropelar um tuco-tuco – aqueles bichinhos que atravessam a praia correndo e se enterram nas dunas. Mas, não. Consegui a proeza reação de atolar o carro. Normal? Normal se fosse na areia solta e na parte onde há civilização na da praia. Pior, atolei o carro, no lodo, na parte inabitada da Praia do Cassino.

Um final de semana que começou muito bom. Na sexta, o retorno para minha casa. 70 km e lá estava eu filando uma janta caprichada da Dona Mariza. No sábado, almoço com a família, com aquela avó contando histórias dos tempos primórdios e as priminhas correndo na volta mesa. Depois do almoço, lá pelas 15h da tarde, nada melhor ir à praia, encontrar os amigos, fazer uma social. E até pegar um bronzeado. Perfeito.

Depois de algumas ligações combinei de encontrar uma pessoa às 15h30 e a pegaria para rumarmos em direção ao navio encalhado, cerca de 20 km à direita da Iemanjá. E lá estava eu, atrasado cinco minutos, mas ali. A pessoa embarcou e lá fomos nós em direção ao tal navio. Um ponto turístico dos mais visitados na Praia do Cassino. Durante os 20 km que percorremos até chegar nele, um ou outro carro parado; lá, mais de 30 carros parados em frente ao navio, com direito a farofadas e muita música alta.

Jogo do colorado no rádio – já estava ganhando de 1 a 0 do São Luiz de Ijuí pelo Gauchão 2008, um sol escaldante e uma bela visão. O mar, as dunas e os pequenos riachos formados pela subida no mar durante a noite. Um relaxante natural, um ansiolítico dos mais eficazes. E, de quebra, uma ótima companhia que voltava nostalgicamente no tempo junto comigo, lembrando histórias e momentos vividos. Perfeito também.

O tempo passou voando. Os amigos não chegaram e talvez tenham se perdido pelo caminho – o que realmente depois foi confirmado pela preguiça da festa do dia anterior – ou não tiveram paciência de chegar até lá. Entre histórias e banhos de mar, o tempo foi passando, o jogo do vermelhão rolando, acabando, acabou. Inter 3 a 0, assumindo a liderança do grupo. Que notícia boa, perfeita também. Mal sabia eu do que haveria de me sujeitar horas depois.

Lá pelas 20h resolvemos ir embora, já estava escuro e dirigir 20 km em velocidade reduzida se tornaria difícil e deveras paciencioso. Na ida, levamos meia-hora para vencer os obstáculos da areia, buracos e riachos que desembocavam no mar. Na volta, mais de três horas para nos livrarmos de todo o caminho que já havia sido alterado devido à subida da maré, do vento invertido a direção e mais o que não esperaríamos: o lodo na beira da praia.

Mantinha os 40 km/h constantes, uma reduzida por causa de algum buraco e seguia. Luz alta ligada driblando alguns crustáceos, tartarugas e botos mortos por causa das fortes correntes que os trazem para a beira da praia e que acabam ficando presos às redes dos pescadores. Não matei, mas passei por cima de um boto. O carro deu um solavanco espetacular. Minha cabeça bateu no teto, enquanto do meu lado falavam:

- O que era isso? Furou um pneu?
- Não! Passei por cima de um boto, não deu tempo de desviar
– respondi.

Segui no caminho e depois de uns cinco quilômetros percorridos, avistei uma moto que vinha dando sinal de luz. Suspeitei e não segui o seu sinal. Talvez quisesse ajuda ou alguma informação. Fiquei com medo. Homens ficam com medo e tremem as pernas, sabiam mulheres? Depois de passar pela moto e a seguir pelo retrovisor, o carro foi perdendo velocidade e quanto mais eu acelerava nada de resposta, mais ele parava. Mais de meio tanque de gasolina, nenhuma luz de emergência no painel. Estranho. A areia não era atolável, o chão de areia parecia normal. Engano meu. Era lodo. Muito lodo. O carro não andou porque o lodo já estava na altura do chassi.

Abri a porta e não acreditei no que vi. Coloquei o pé para fora e tentei pisar. Quando pisei, o lodo me sugou a perna até o joelho. Lodo, lodo, lodo. Gelado, tão chumbo quanto a cor do meu carro. Era lodo. Muito lodo. Lodo para dar e vender. Como eu sairia dali à noite? Claro, ligaria para um guincho ou para a Secretaria Especial do Cassino. Celular! Claro, o celular! De que adiantaria? Sem sinal algum. Nem um tracinho, nem nada. Nem emergência funcionou. Não era a parte civilizada da praia. Era a parte do lodo. Lodo, lodo e lodo.

O lodo parecia aquelas argilas artísticas que o Érico Gobbi ainda usa para construir suas brilhantes obras de arte. Para ele, talvez o lodo fosse um sinal dos Deuses da Arte. Para mim, o lodo era algo tão desprezível e inútil naquele momento, que nem castelinhos de lodo seriam agradáveis para passar o tempo. Eu fiquei fulo, fulo da vida. Enquanto do meu lado, em imenso escuro apenas quebrado pela luz da lua e da luz do carro, alguém me dizia:

- “O mar está enchendo, a maré vai subir daqui a pouco”.

O desespero havia começado a tomar conta de mim. Contei até 12. Contei até 24. Contei até 36, enquanto batia com a cabeça no volante para pensar em uma boa idéia de nos tirar dali daquele lodo. Lo-do. Palavra curta, mas complicada. Tão mais complicado seria eu sair daquele logo pelas nossas próprias mãos – minha e da tal pessoa – ou pela força mecânica do meu carro. 6 km de extensão de lodo. Puro lodo. Aliás, não tão puro. O lodo da Praia do Cassino é fétido. Tão fétido quanto à fralda suja de um bebê ou daquele boto morto que passei por cima, sem querer, com o carro. Especialistas da Fundação Universidade do Rio Grande disseram que o tal lodo seria uma espécie de sedimento vindo do fundo do mar, trazido pelas ondas. Para mim, mais parecia um extenso mangue, assaz fétido, mas um mangue.

Dez minutos parados ali. Nada de sinal nos celulares, nada de nada. E o mar subindo. E nós estancados no lodo. Resolvi descer do carro e me atolar junto com o carro. Grandes coisas o carro sujo, eu queria é sair dali antes de ser engolido pelo mar. Caminhei cerca de 20 metros em direção às dunas para avistar se alguma alma viva me dava uma luz. Luz! Eu vi uma luz. Era uma moto, longe ainda e que vinha se aproximando rapidamente. Salvação! Ou ao menos mais uma cabeça para pensar junto conosco em como nos tirar dali do... bem, você sabe de onde.

- Amigo, eu dei sinal de luz para você tentando avisar! – disse o motoqueiro sem capacete.
- Pois é amigo, pensei que fosse por causa da luz alta do carro.
- Capaz! Na praia à noite eu já estou acostumado com luz alta dos carros!
- Atolei ali e não é na areia é no lodo!
- És mais um em uns cinqüenta que já tirei dali só neste verão!
- Qual o seu nome?
- Danilo, prazer!
- Marcos, prazer e muito obrigado por ter retornado!
- Vou ligar para um amigo meu que tem um caminhão e em uns 15 minutinhos ele já vai chegar.
- Seu Danilo, não tem sinal para fazer pegar o celular aqui!
- Tem sim, o meu aparelho pega aqui. É dos antigos olha! –
mostrava o Danilo um celular tijolão, daqueles pré-históricos, dos extintos TDMA’s.

Enquanto ele falava ao telefone com o tal amigo para vir nos resgatar, voltei ao carro para acalmar a minha companhia. Tudo bem vou começar a chamá-la de mulher. E que mulherão... Pois bem! Falei que o tal Danilo iria conseguir ajuda. E que ela não precisaria ficar mais preocupada com a situação. Peguei da carteira R$ 30 reais para recompensar o esforço do seu Danilo e voltei para conversar com ele, fazendo tempo enquanto o caminhão não chegava.

Nada de dez quinze minutos. Mais de uma hora e meia. Enfim, surgia uma luz ao norte em direção ao molhes da barra. Era um caminhão que se aproximava rapidamente, não sendo páreo para os botos mortos e buracos à beira da praia. Havia chegado a salvação depois de horas. Um caminhão daqueles para arrastar qualquer cegonha de carros.

- Atolasse aí, é? – chegou perguntando o dono do caminhão
- Pois é, não vi o lodo, parecia areia normal.
- Normal. Não és o primeiro. Já fiz em um dia R$ 900 reais resgatando os carros atolados.
- Ah, é? Poxa!
– enquanto pensava quanto ele iria me cobrar para tirar o carro dali. Será que os R$ 30 reais seriam suficientes?
- Ainda bem que achasses o Danilo aí, senão o mar iria subir e chupar teu carro. Aí sim tu terias um prejuízo maior!
- Maior? Vou ter algum?
- Por R$50 reais e tiro daí rapidinho.
- Poxa R$ 50 reais agora é difícil. Estou desprevenido. Vim à praia apenas com um dinheiro para comer e tomar alguma coisa.
- Quanto tens aí?
- Tenho R$20 reais, mas acho que consigo mais R$ 10 reais com a minha mulher ali no carro.
- Fechado. Só vais ter que ajudar os guris a cavarem na frente para prender o cabo no eixo.
- Sem problemas!

E lá fui eu, de joelho e mãos no lodo. Uma beleza. Preto, preto, pretinho. No lodo. L-O-D-O! Mas tudo bem, meu carro era mais valioso. Eu tomaria um banho e aquele pretume já sairia rapidinho. Cavoucamos e nada de achar o gancho para o carro. O odor desagradável nem era mais sentido. As narinas já haviam se acostumado com ele, infelizmente.

- Ali ó, puxa mais um pouco que vai! – apontava um gurizão que veio no caminhão.
- Beleza, puxa mais aí também irmão! – dizia o outro para mim.
- Ok... – concordava eu.

Lodo retirado depois de quase meia hora na frente do carro, um dos guris grita para o dono do caminhão:

- “O Marquinho, me joga a corda para gente amarrar!”

Mais um pesadelo: o cara do caminhão tinha esquecido a corda. Veio com o caminhão e não veio com a corda, só matando um cabeça apressada. Mais solidário ainda, o Seu Danilo disse para ele que emprestaria a moto para ele buscar a tal corda. Eta velhinho bom esse Seu Danilo! O meu xará montou na moto e saiu voando, decolando dali. Em menos de 15 minutos já voltara com a corda. Enquanto isso, ficamos conversando sobre futebol e sobre a lodomania na Praia do Cassino.

- Pega aí Fernando! – alertou o Marquinho.
- Joga! Mas joga com força! – disse o tal Fernando.

Corda amarrada, bem atada para não deixar o carro escapar. Nesse meio tempo o carro já havia cedido mais ainda no lodo. Ah o meu Carro! Todo brasileiro ama o carro, você sabe. O lodo não era nada em mim e sim no carro.

- Vou começar a puxar no cinco! Segurem bem a corda para ela não se enterrar no lodo – gritava o Marquinho lá do caminhão.
- Um... dois... três... quatro... segurem! Cinco! – contou o motorista.

O meu carrinho saiu deslizando como se fosse uma cobra rastejando. A mulher dentro do carro para um lado e para o outro, assim como o dado do Internacional que tenho pendurado no retrovisor do meu carro. Um liquidificador. Mas ele saiu! Palmas e mais palmas! Mais negro do que o chumbo da cor dele. Não perderia meu carro para o mar – ao menos se eu não atolasse novamente no restante dos próximos quatro quilômetros de lodo à beira-mar.

- Tá certo, meu jovem? – intimava o Marquinho.
- Claro! Aqui está o que a gente combinou - e entreguei o dinheiro ao motorista.
- R$ 10 reais para mim, R$ 10 reais para o Fernando e R$ 10 para o outro gurizão.
- Valeu pela ajuda meu xará!
- Tu também és Marquinho?
- Eu sou Marquinhos de Marcos, mas me chamam também de Marquinho.
- Hmm, eu sou Marco mesmo, Marco de Marco Antônio. Então, nos falamos por ai! Até e cuidado no retorno!
- Buenas, até!

O tal Marco Antônio subiu no caminhão junto com os outros guris e se foi em direção ao navio, provavelmente para arrastar camarão ou algo do tipo. Já o Seu Danilo ficou ali comigo, escorado na moto me alertando dos perigos da praia à noite, do mar subir e chupar os carros com ele. Aquilo me deu medo! O agradeci, apertando simultaneamente a sua mão, e fui embora. Quase três horas depois ter atolado no lodo, fétido lodo, estava indo embora.

- Vai com Deus meu guri! Até mais! – disse o Seu Danilo.

A lodomania – o lodo que anda aparecendo quase todos os anos na Praia do Cassino – deve ser alguma praga dos botos mortos à beira-mar para com os pescadores, por causa de suas redes predatórias. Da próxima vez, eu vou carregar uma pá de concha no porta-malas para cavar belos buracos para colocá-los. Ao menos a armadilha do boto não vai me confundir com algum pescador. Até porque, ser solidário não custa nada. Não só com os animais, mas também com as pessoas.

Não importa a barba mal feita, as roupas ou o modo com o que o próximo fala conosco. Não quis seguir o alerta de luz alta do Seu Danilo e deu no que deu, lodo e mais lodo. Outras três pessoas me ajudaram, inclusive o tal do Marco Antônionome do meu saudoso pai. Talvez fosse obra de alguém lá de cima. Ou quem sabe dedo do destino, por ter de passar por essa difícil situação ao lado daquela mulher. Culpa do passado? Talvez. Foi ele quem nos afastou e combinou com o presente e o futuro de nos obrigar a ficar frente a frente mais uma vez. Disso tudo, uma coisa eu aprendi: a solidariedade é bem mais que uma palavra, é um sentimento duplo que faz bem para a alma e ao coração, de quem a pratica e de quem a recebe. Ainda mais quando existe também os sentimentos de entrega e cumplicidade.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Canhão da Serra


Década de 40, partida final da Liga Amanuara de Fubebol. A equipe local, o Atlético Catauá, precisava vencer para chegar ao cobiçado título. Para garantir a façanha histórica, seu fundador e presidente, o lendário coronel Sá Fuentes, trouxe da capital um reforço de peso: o centroavante Canhoteiro, também conhecido como “Canhão da Serra”.

Chegava o grande dia e com o gramado do Mantiqueirão ainda mais esburacado devido às fortes chuvas da véspera. A bola rola, num jogo truncado, e o 0x0 se arrastava, com poucas chances de gol.

Canhoteiro, às voltas com os buracos e o estado disforme da surrada pelota de couro, costurada à mão, não consegue desferir seu chute mortal.

Faltando cinco minutos para o término da partida, aconteceria a tragédia: num ataque despretensioso do adversário, o goleiro Feitiço escorrega na lodo, atola os pés e não conseguiria alcançar a bola: visitantes 1 a 0!

A cancha então é invadida: à frente o coronel Sá Fuentes, com seu famoso trabuco 38 na cintura. Com a cara de poucos amigos ele vai encostando o cano do revolver nas costas do juiz e inicia uma conversinha amistosa:

- Olhe só para os morros em volta do gramado. Estão lotados de gente. Todo mundo espera este título. Falta pouco para o final, mas temos que virar este jogo de qualquer maneira! Senão, acho que sua mulher ficará viúva antes da hora! Berrante à mostra, o coronel se senta no gramado, atrás do gol do adversário. Aos 45 minutos, numa falta à quase dois metros da entrada da área, “sua senhoria” apita:

- PÊNALTI!

Escalado para bater, o “Canhão da Serra”, tomou longa distância e desferiu seu chute mortal. A surrada bola pipoca no travessão e não resistindo à potência do chute, estoura. Enquanto a câmara de ar entra no meio do gol, o couro, estraçalhado, transpôs a linha no canto esquerdo...

O árbitro nem titubeou. Pôs fim ao jogo e anunciou o placar:

- Catauá 2 a 1...

Cercado pelos revoltados visitantes da equipe do Mantiqueirense e pela imprensa perplexa, o aliviado árbitro, explicou a surpreendente decisão:

- A bola entrou duas vezes. O pênalti, então, valeu dois gols...

E, até hoje, essa velha história é contada pelos avós aos seus netos. Desde os primórdios, a tão valiosa mãozinha já atuava nos gramados do nosso Brasil.






p.s.: Falando em “lodo”, volto no texto de amanhã com “Lodomania”, uma história de rir para não chorar!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Tetê Nosferramus, o Vidente


Eu não acredito em horóscopos e previsões, os leio apenas por curiosidade. Os horóscopos são tão falcatruas quanto às notas fiscais das licitações de alguns politicos. Se as pessoas soubessem como funciona a seleção das frases de cada signo dentro de uma redação de jornal ou revista, ficariam decepcionados àqueles que se regram por conselhos cabalísticos. São tão enganosos quanto alguns charlatões que se passam por videntes ou adivinhadores do futuro. Como diria o padre Quevedo: “Icsto no exiciste!”leia de acordo com o que está escrito.
Para fazer uma boa digestão depois um pesado almoço de domingo, leia o horóscopo de Tetê Nosferramus e o siga à risca. Garantia de sucesso e uma vida tranqüila – vá que eu acerte alguma coisa? Ou não. Alías, o jeito é este: apenas dê boas gargalhadas porque é o que realmente importa. Entre na brincadeira, se eu não for um bom jornalista, prometo, viro de vez Tetê Nosferramus.

Áries: Paciência e tolerância, ariano, pois de hoje até 3/12 Mercúrio estará retrógrado. Outra vez?! Sim, e as coisas vão andar mais lentamente. Mas isso poderá ser uma lição de vida: deite e durma. Durma! Pois, nessa fase, não adianta ficar acordado. Se não conseguir e ficar ansioso por não ter idéia alguma para o tempo passar, arranje algo para ocupar-se. Vá até o bar mais próximo e beba uma caninha 51. Afinal, ela é uma boa idéia!

Touro: A retrogradação de Mercúrio é um bom momento para dar atenção especial aos seus assuntos pessoais e seus relacionamentos, sobretudo os de caráter mais íntimo. Aproveite a vá às compras! Compre muitas cuecas ou calcinhas para renovar o clima externo de sua intimidade. Carência? Pode não ser culpa sua e sim do seu estilo. Ouse! Use cores chamantes como o Rosa Purê ou o Vermelho Martelada.

Gêmeos: Sorte sua que você é capaz de fazer, no mínimo, duas coisas ao mesmo tempo, assim poderá contornar mais facilmente as situações. Para ter uma ótima performance em contornar os obstáculos, procure usar esfereográficas tinteiras de número 5 ou 6, de preferência as da marca BICO que são mais resistentes. Sua cor de sorte para hoje é o azul fundo de rio.

Câncer: Mercúrio fica retrógrado até dezembro e apesar de atrapalhar um pouco na cura de coisas profissionais e, em especial, sentimentais, contribui para fazer uma avaliação de seus objetivos, planos pessoais e profissionais. O que e de que forma pode ser melhorado? Vá até a farmácia mais próxima e compre três vidros de mercúrio, agite-os e tome-os em seguida. Isso irá curar suas feridas amorosas. Seu coração ficará tinindo! Sua cor é magenta fiquefrustê.

Leão: Se você é daqueles leoninos mais agitados, respire fundo, pois quando você está perdido e não sabe o lugar que está, você realmente irá estar nesse lugar mesmo que você pense que não saiba onde está. Portanto, não levante nenhuma hipótese pois ela é uma coisa que não é, mas você faz de conta que é, para ver como seria se ela fosse. Seu número é o 267,2.

Virgem: Virgiano, ai ai ai! Seja cauteloso no dia de hoje! Lembre-se que cautela e caldo de galinha não fazem mal à ninguém, claro que, exceto à galinha. Mas vamos em frente... Pense que nessas horas onde a cautela é necessária, fique de olho aberto feito sapo angolano e saiba que quem é vivo, sempre aparece... nas horas mais impróprias! Para isso, prevenir é melhor que ser pego de surpresa! Portanto, vista-se dos pés à cabeça com a sua cor de sorte, o amarelo-bob-esponja com combinações de amarelo-criciúma

Libra: Hoje é o seu dia! Pense positivo. Você, libriano, é uma pessoa super esperta. Lembre-se sempre que quem não tem cão não gasta dinheiro com veterinário. Ou melhor dizendo, continue equilibrado e esperto. Na parte amorosa, você não está com a bola toda! Saiba que é chato ser bonito sim, mas é muito, mas muito mais chato ser feio. Por isso, vire pastor e faça como diria Edir Macedo: "Templo é dinheiro". Crie seus templos! Sua cor é o amarelo dente-de-gato e seu número é o 30 que é equilibrado, pois é divisível por 2, 3 e 5 e acaba agradando a todos.

Escorpião: Cuidado! Você está numa fase totalmente perigosa em sua vida. Você pode entrar num círculo de fogo e provar do seu próprio veneno. Talvez você ande muito ocupado com suas emoções e assuntos íntimos que nem se dê conta disso. Mas pense positivo! Pense que há males que vêm para o bem... mas a maioria vêm para o mal mesmo. Portanto, arrisque pular de uma ponte ou brincar de roleta russa. Antes morrer avisado do que desavisado. “- Ufa, já fiz a minha parte!”

Sagitário: Você irá passar por momentos bem afortunados. Você, sagitariana, corra até o banco mais próximo e retire todo o dinheiro de sua conta e deposite na conta: 4378-3, agência 171-0. E, você, sagitariano faça o mesmo! Porém, lembrem-se que quem não deve, não precisa pagar! Faça isso imediatamente, antes tarde do que mais tarde, ok? Ah, para você, menina, sua cor é a rosa-picolé-de-morango. E, para você, menino, é a cinza-pernalonga.

Capricórnio: Não fique para trás! Pois os últimos não serão os primeiros e sim os desclassificados. Lembre-se que para subir na vida, ir avante, é preciso ser esperto! Portanto, não dê aos pobres, pois, caso contrário, você nunca irá subir na vida. Ah, escolha bem as suas companhias fazendo interiormente a seguinte pergunta: "Diz-me com quem andas e te direi se vou contigo."

Aquário: Não pense que só porque você está cansado que você vai poder ficar aí olhando pro céu, pois as outras pessoas poderão estar tão distraídas (ou esquecidas) quanto você. Não se arrisque, fique atento e antenado. Este período exige cautela nas coisas do mundo prático, incluindo finanças: se for viajar para o sonho, assegure o seu bilhete de volta. De pensar, morreu um burro... e aposto que ainda não entendeu, não é?!

Peixes: Ora você pisciano! Veja bem! Hoje é o seu dia! Você irá casar! Comemore! Pense você que todos os homens nascem livres, felizes e iguais; se, depois, decidem casar-se, a culpa é deles. É, você é o culpado! Mas pense bem, se o casamento não lhe trouxer felicidade, o jeito é ganhar dinheiro, pois ele não traz a felicidade, mas ao menos manda buscar! Sua cor de sorte, hoje, é o preto africano.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Credibilidade nas Mídias: A Aplicação do Jornalismo de Interesse Público


Depois de ler o texto de Carlos Castilho sobre Jornalismo Público, o qual chama atenção para os leitores norte-americanos que estão cada vez mais perdendo a confiança na imprensa, parei para analisar se aqui no Brasil, a mesma ação é aplicada. Lá nos EUA, um grupo de jornalistas teve a atenção despertada para uma inquietante coincidência: a queda da credibilidade da imprensa acontecendo simultaneamente a uma baixa, também constante, na confiança dos leitores em relação aos governantes.

Lá, após investigações, surgiu por volta de 1990, a expressão “jornalismo cívico”, logo acompanhado por outras como “jornalismo de interesse público”, ou ainda “jornalismo de contato com a comunidade”. Os adeptos da nova tendência estavam de acordo: os jornais devem retornar o contato com a comunidade, descobrindo o que os leitores querem e abrindo espaço para discussão dos temas de interesse público.

Essa proposta de jornalismo foi aceita pelos jornais norte-americanos, que em processos eleitorais focavam mais no que os leitores, queriam saber mais dos candidatos do que nos projetos dos deles.

Porém, isso gerou uma grande discussão entre os jornalistas, porque a experiência do jornalismo de interesse público acabou, tocando na questão da independência e isenção dos profissionais, um dos pontos mais sensíveis na ideologia da imprensa norte-americana.

É bem claro que no momento em que o público lê em um jornal aquilo que queria saber, a busca por tal assunto aumenta. O Jornalismo Público tem esse caráter de focar o que é de interesse público, mas fica a questão de que os leitores só precisam saber aquilo que eles querem saber?

Acredito que não seja a resposta. Mas temos que classificar, os jornalistas e, nós, futuros jornalistas, aquilo que seria de tal importância para o público. No caso do público norte-americano, eles ligaram os meios de comunicação com o governo, e dependendo da relação que tem com o governo se dará a relação com os meios. Isso porque os cidadãos estão descontentes com as soluções tomadas nos assuntos de violência, drogas e outros que atingem suas regiões.

Não apenas lá fora, mas o correto seria mesclar esse foco de interesse entre o que os leitores querem saber e o que pode ser um fato jornalístico de importância para âmbito citadino, regional, estadual e nacional, quiçá internacional em um espaço reservado para abordar sobre.

Refletindo sobre a situação aqui no Brasil não devemos ser radicais em nenhum dos lados, pois o jornalismo existe para informar as pessoas. Formam-se profissionais para que eles saibam tratar os fatos; e não se deve fazer de um cidadão um jornalista fixo, em que ele mesmo possa construir matérias. Mas sim fazer dele um possível pauteiro, como por exemplo, os blogs em determinados casos, sendo eles informativos digitais inéditos e até em alguns superando em velocidade os jornalistas e em outros auxiliando-o a informar àquilo que é certo e de interesse público a fim de manter o princípio básico do jornalismo: a credibilidade.



* Artigo sobre Jornalismo Público (Resumido)
* Foto ilustrativa do Site Techbits
* Matéria sobre blogs e credibilidade no Techbits

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Encontro Marcado



O Vinícius, mais conhecido por “Pinto”, é daqueles amigos que mais parecem irmãos, mesmo não sendo de sangue. Chega à minha casa, cumprimenta a todos da melhor maneira possível. Chama minhas avós de avó, meus tios de tio fulano, tio cicrano e minhas tias e mãe de tia. Claro! Porque se chamasse de mãe, aí eu iria ter um irmão de verdade e acabaria suspeitando que minha mãe houvesse pulado a cerca um dia. Mesmo assim, o cara é meu irmão, não adianta.
Ele é calculista, eu sou teimoso. Ele é gremista, eu sou colorado. Ele gosta de dançar pagode, eu prefiro um reggae. Ele adora chimarrão, eu opto por um suco bem gelado. Ele já dançou ballet, eu já fiz aula de dança de rua. Ele prefere as mulheres, eu também. Glória aos céus! Ao menos uma coisa temos em comum. Entretanto, as diferenças não nos separam e nem estragam a nossa amizade. É um consenso perfeito. Às vezes uma cara amarrada aqui, um beiço botocudo lá, mas já se passaram quase 13 anos de amizade e o laço cada vez é mais forte. Então ele não vai se importar se eu falar um pouco dele – talvez se importe um pouco – neste texto.

Depois de levantar a moral dele, acho que já posso falar um pouco de uma obsessão que ele tem. Ele atrai mulheres. Até aí perfeito! Agora começa a estranheza: mulheres com os nomes mais estranhos ou exóticos da terra. Não que os nomes sejam feios, mas são extremamente incomuns. Sabe quando sai um listão de vestibular no jornal? Quando pegamos a lista e procuramos por nome de pessoas conhecidas e vamos analisando nome por nome e, entre uma Bianca e uma Daniela, aparece uma Charlise? O Vinícius parece que escolhe a dedo essas mulheres. Não adianta. Ele parece ter um imã ou talvez a falta de um Aurélio em casa. Deve ser algum trauma de infância.

Nos tempos do ensino médio do saudoso Colégio Santa Joana d’Arc ele superava todos os limites. Quando participávamos do Grêmio Estudantil do colégio, tínhamos um mural na sala do Grêmio onde eram colocados os recados, as atividades do mês e sempre alguma brincadeira. Passávamos as tardes dentro daquela sala. Idéias brotavam e sempre eram decididas com democracia. Fazer um coração e colocar o nome das gurias que o Vinícius se envolvia em pequenos papéis foi a única idéia que teve 100% de aprovação dos membros do Grêmio e dos infiltrados que lá ficavam descansando depois das aulas de educação física. Um coração cheio de papéis – 15! – com os nomes das moçoilas que já haviam feito parte da vida conjugal do Vinícius. Catrines, Damianas, Cerulhas e outros 12 nomes que vão ficar sob sigilo devido a possibilidade de linchamento de minha pessoa.

Muitas eram as histórias em que o Vinícius se metia. Enquanto ele saía de aula, o nosso grupo, a G.M. (Gurizada Medonha) raptava o celular dele e começava a dar toques para as gurias. Sempre aquelas com os nomes mais exóticos. Mas um dia, o Werner resolveu mandar uma mensagem de texto para uma delas marcando um encontro após a educação física de uma sexta-feira. Estávamos na véspera, teríamos tempo para armar o flagra e ver de perto o Vinícius agindo. Depois de cinco minutos fora de aula, o Vinícius chegara em aula e tudo continuara como se nada tivesse acontecido. O estojo, caderno e caneta em cima da mesa com o celular ao lado do estojo sem nenhuma alteração – até porque o Werner havia apagado a mensagem de texto enviada para a tal de Charlise.

Sexta-feira, mais um dia de aula. Todos da G.M. se olhavam e ficavam quietos, rindo internamente da brincadeira que tínhamos arranjado para o Vinícius. No intervalo, pedimos para o Júnior abrir a sala de controle da informática para mandarmos uma mensagem de texto do site da operadora de celular na web para combinar o tal encontro, como se fosse a tal Charlise que tivesse tomado a iniciativa:

“Oi Vini! Tudo bem? Só para te dizer que vou te esperar hoje, às 16h30, na esquina do Joana com a Duque de Caxias. Beijinhos, Char.”

O golpe havia sido aplicado. Mas um golpe em alto estilo, solidário, que só iria ajudar o nosso amigo a sair da ré.

Minutos depois, o Vinícius chegou para mim e disse:

- Cara, nem sabes! A Thaís ficou solteira!
- A tua ex-namorada? – perguntei.
- Sim! Acabou com o cara faz dois dias!
- Vais ir atrás dela? Vais procurar?
- Acho que não, vou deixar dar um tempo!
- É fazes bem! Quem sabe aparece outra guria, não é?
- Pois é...
- Malandrão! Bate aqui!
- Pode crê Marquinhos!

Reproduzi o mesmo diálogo para o restante da G.M. enquanto o Vinícius comprava o lanche na fila do bar. Plano combinado. Faltavam menos de cinco horas para o tal encontro. Tínhamos a possibilidade de que ela não viesse ou de que até o próprio Vinícius furasse. Mesmo assim, ficamos confiantes e fomos para nossas casas, almoçamos, descansamos e fomos para a educação física. Corremos, jogamos futsal e, sem querer, fizemos o Vinícius jogar. O maledeto suou às cantaras. Não queria ir encontrar a guria daquele jeito. Porque além de suado, ele estava todo sujo, o danado era goleiro. E ficou teimando:

- Cara! Não posso ir falar com ela desse jeito!
- Mas meu, ela sabia que tu irias para a educação física!
– alertou o Werner.
- Só que vocês me fizeram jogar bola!
- Já sei, pára tudo! Tira essa camiseta aí agora!
– interrompeu o Guilherme.
- Tirar? Por que?
- Tira e troca comigo!
– propôs o Guilherme.
- Mas vai ficar enorme em mim essa camiseta!
- Vai logo Pinto!
– insistiu o Bruno.
- É a única que não molhou! Não reclama e tira logo!
- Me dá aqui...

- Toma...

O Vinícius ficou boiando dentro daquela camiseta. O Guilherme tinha 1,87m de altura e pesava já seus 90kg. Já o Don Juan não passava dos 1,65m e dos 52kg. Teimou, teimou e até que foi ao encontro da guria, mas antes alertou:

- O “meus”, não inventem de fazer coisinha, hein?!

E nós claro que concordamos para não deixar o nosso amigo nervoso:

- Sim, nem te preocupa! A gente vai ficar lá pela sala do Grêmio...

Uma mentira deslavada de quatro marmanjões que queriam tirar uma com a cara do pobre Vinícius, só por causa dos nomes exóticos das gurias que ele tanto prezava em se envolver. Alguma conseqüência desajustada ainda estaria por acontecer.

Depois de cinco minutos, lá estávamos nós escondidos atrás da escada principal da frente do colégio cuidando o Vinícius com o pé para traz, encostado na parede e assoviando, fazendo tempo até a tal guria chegar. Deu pena. Será mesmo que ela viria? Corríamos esse risco. Mais 15 minutos e o Vinícius ia até a esquina: olhava para um lado, olhava para o outro e nada da tal Charlise. Até que o bom samaritano do Bruno quis contar a verdade:

- Eu vou lá contar para ele que é armação nossa!
- Não vai nada meu! Espera mais um pouco!
– falou o Guilherme.
- Imagina só se fosse tu ali na esquina esperando uma guria? Irias gostar?
- É, não iria não...
- Então! Eu vou lá...
- Calma, calma
– interrompeu o Werner.
- Por que calma? – retrucou o Bruno.
- Enquanto vocês ficam conversando, chegou uma guria lá, olha! – falou e apontou o Guilherme.

Era verdade. Uma loirinha de cabelo na metade das costas com o uniforme do Juvenal Miller. Aquela guria não nos era desconhecida. Tudo bem, estávamos há uns 20 metros de onde eles estavam conversando, mas não era suficiente para dizer se a conhecíamos. Quando de repente, o Bruno matou a charada:

- “Meus”, é a ex-namorada dele, a Thaís! Tenho certeza!

Ninguém acreditou. Depois de dois anos separados, a Thaís seria a Charlise? Será que o Werner teria mandado a mensagem de texto para a pessoa errada? Nada disso. O Vinícius era mais malandro que guri de bota nova. Enquanto ficamos questionando se era ou não a ex-namorada, mais uma vez o Guilherme nos interrompeu dizendo:

- Tá beijando! Tá beijando!
- Capaz... Wow... É verdade...

Bruno, Guilherme, Marcos e Werner. Quatro marmanjões de cara no chão. Primeiro que tentamos pregar uma no nosso amigo com uma das pessoas de nome estranho do celular dele. Tiro na água. Segundo, tentamos arranjar uma nova guria para ele, apareceu a ex-namorada, Thaís, um guria de nome comum e, de quebra, bonito – a que se admira, a que completa, da origem grega – no lugar da tal Charlise. Terceiro, perdemos o jogo para o Vinícius, mas o fizemos feliz em ao menos ter marcado o encontro dos dois. Até porque o Vinícius e a Charl... ou melhor, a Thaís acabaram voltando a namorar dias depois por causa do nosso plano mequetrefe.

Algumas semanas depois, o Vinícius nos contou a coincidência das mensagens de texto e o que ele fazia para evitar tocar no nome da ex- e atual namorada. Acabamos entregando o jogo e contando todos os detalhes. Ele também nos contou a verdade. No celular dele, o nome Charlise era um pseudônimo para o nome dela – Thaís. Mas o porquê de Charlise ele não quis nos explicar. Talvez no celular dela o nome dele estivesse alterado para Robcleison. Apelidos carinhosos dos dois? Nunca se sabe e nem queremos mais saber.
Sobre nomes exóticos de gurias, pseudônimos e apelidos meigos, os quatro membros da G.M. chegaram a uma conclusão: em alguns casos o nome não vale absolutamente nada quando existe um sentimento vivo escondido atrás de um pseudônimo.

Amigos são assim. Tentam arrumar, ajeitar e até aprontar, mas no final tudo acaba dando certo. Mesmo com aquelas caras amarradas de quando em vez. O sem querer faz parte do acaso da vida, independente das ajudinhas de uns e de outros amigos malucos. Cada um tem as suas preferências. Mas não é por isso que devemos achar o próximo estranho por ser um tanto quanto exótico em relação aos nomes das mulheres. Ou ao pseudônimo que deu para esconder o nome da ex-namorada no celular. Há uma palavra muito importante entre nós que resume tudo: respeito.

E é com respeito que ele vai ser não só o meu eterno irmão que chega à minha casa e arranca facilmente vários sorrisos das pessoas daqui. Ele também sempre será irmão do Bruno, do Guilherme e do Werner. Porque afinal de contas, ele também pode abrir a geladeira na casa de qualquer um deles e pegar um refrigerante ou fazer uma pizza. Ele é de casa, ele faz parte das nossas famílias.

Isso tudo chama-se amizade.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Reencontros



Gostei muito da nova música “Lembrar de Amar” da banda Manitu. Nas minhas pesquisas musicais pela web, a banda foi uma das minhas gratas surpresas entre tantas outras das mais diversas partes do país. No meu iPod tem o cd inteiro deles. Sei toda a seqüência e letras das músicas. Porém, essa última música realmente me fez balançar a ponto de escrever um texto sobre tudo que acorreu pela minha cabeça quando a ouvi pela primeira vez. Parecem àquelas paixões à primeira vista, sabe? Foi assim com essa música. A primeira ouvida marcou e fez-me voltar no tempo e perceber certos reencontros importantes da minha vida.

“Todo momento ganha uma trilha musical especial” - aprendi isso com o meu pai. Na época, o cd ainda não era tão popular. O pai sempre me mostrava fitas cassetes de bandas que ele tinha gravado da rádio e dizia:

“- Esta música foi quando eu e a tua mãe fizemos um ano de casados!”.
“- Já esta aqui a tua mãe chorava quando escutava e me abraçava!”.
“- Escuta esta, escuta! Foi quando eu e a tua mãe comemos a primeira pizza neste apartamento!”.

E eu ficava ali, uma criança de sete anos, uma bolinha gorda, com a cabeça apoiada nas mãos e os cotovelos apoiados na mesa. Escutando a letra e tentando entender o sentido de cada palavra e de cada batida da música. Ficávamos horas escutando àquelas fitas enquanto ele arrumava a coleção de chaveiros num quadro verde, enorme, que ficava pendurado na parede da sala de jantar.

Semanas depois, em mais uma sessão de música, ele foi além da fitas cassetes e abriu o baú de relíquias: mostrou-me a coleção de LP’s dele – os extintos, mas ainda cultuados longplays, bolachões cinco vezes maiores que um cd normal com músicas dos dois lados. Eram raridades para o meu pai. Tão raros que ficavam escondidos em um armário da sala de janta, na única porta que sempre ficava trancada para ninguém ousar em mexer. Mas, eu, filhão, único tive o prazer. Lá estava eu em frente aos tesouros musicais dele. Uma poeira danada e na minha frente toda a discografia dos “Beatles”. Naquela tarde quase noite, o empoeirado toca-discos voltou a funcionar. Aprendi ali que o tal dos “Beatles” era uma banda legal e que fazia um som trick-trick rolimãsegundo o meu pai, é claro.

Assim como foi um momento de reencontro do meu saudoso pai com as músicas que embalaram a adolescência dele – e até os anos de casado com minha mãe –, esses reencontros acontecem com qualquer pessoa. Com o casal de namorados apaixonados que tremem quando escutam sua trilha musical e lembram-se do primeiro beijo. Com um grupo de amigos que foi ao Planeta Atlântida e guardou uma música que marcou algum momento ou um show especial de alguma banda na Sede Campestre da Saba. Acontece também com nossos amigos, nossas avós e também é assim com os nossos queridos porteiros. Vivem cantarolando para passar o tempo com assovios, entre um abrir e fechar de portas. Qualquer som se torna especial, às vezes, até o silêncio é o melhor companheiro. Nossa vida é marcada por reedições, por reencontros. Pelo sentimento de saudade que se esconde no começo e aumenta com o passar do tempo.

Um reencontro que marcou muito para mim foi em 2004, quando meu avô paterno, o Ernane, voltou de uma cirurgia realizada em Porto Alegre. Eu jurei que ele não voltaria pelo estado de saúde o qual se encontrava. E lá estava o meu velhinho guerreiro! Sentado com uma camiseta promocional super-antiga do Grêmio, de 1995, que dizia: “Agora o leite vai azedar! Grêmio x Palmeiras”. De braços abertos, do jeito contido dele, me esperando depois de ter passado por uma operação extremamente complicada. Infelizmente ele me deixou três meses depois. Ainda guardo a grande maioria das perguntas que ele fazia quando algum amigo chegava. Esse é um reencontro que eu espero ansioso um dia fazer, mas daqui a muito tempo, sei que ele está em boas mãos com o Carinha lá em cima.

Depois de algum tempo, os reencontros são capazes de apagar mágoas e detalhes que ficaram pendentes no passado. O tempo ajuda a consertar as falhas de comunicação entre duas, três, quinze ou mais pessoas. O afastamento traz a sensação de liberdade, de desprendimento. Porém, ele funciona como um remédio que com o tempo vai ficando ineficaz. Cura ou faz uma ferida maior. Em seguida, a reação alérgica mais próxima é a saudade. Palavrinha pequena e de grande significado. Mostrando que o passado vivido valera à pena. Não importando o tempo de duração e sim a intensidade dos momentos bons ou ruins perto das pessoas, das ações ou dos sentimentos.

Reencontro com um amigo de infância depois de anos sem vê-lo. Reencontro com a primeira professora do ensino fundamental. Reencontro espiritual. Reencontro com a paz interior e com o amor próprio. Reencontro com o vendedor de picolé da esquina da escola. Reencontro com o dentista. Reencontro com aquela prima mirrada que virou modelo. Reencontro do atacante com os gols. Reencontro com a ex-namorada. São muitos os reencontros na vida. Eles acompanhados ou não de trilhas que os tornem inesquecíveis. Cada reencontro tem uma seqüência lógica do comportamento humano: pernas bambas; em seguida os olhos lacrimejados e, por último, os sorrisos incontroláveis. Cada reencontro reedita uma velha história e traz um novo incentivo para o dia-a-dia das pessoas. É como se mais um parágrafo fosse adicionado ao texto. A retrospectiva ganha cor novamente e novos capítulos ganham roteiros para se vivenciar novas histórias. Reeditadas e reencontradas sempre pelo prazer de que: lembrar de amar é o melhor remédio para o bem da alma, do coração e é claro, de todo o mundo.



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Vício Musical na Web

Eu tenho certas manias que me fazem perder horas em frente ao computador. Enquanto eu não escrevo algum texto ou faço alguma pesquisa na web, não consigo dormir. Ou seja, o meu blog sempre é atualizado, no mínimo. Mas as pesquisas! Tem cada coisa que me aparece na cabeça que até acabo achando que fiquei maluco. “As Ervilhas de Mendel”, “Espécies de Tartarugas Marinhas” e até “Palavras Cruzadas On-line” - para matar o tempo e treinar os conhecimentos. Despesas improdutivas ou talvez um conhecimento inútil, quiçá passageiro. Porém, assumo que eu tenho não uma mania, mas um vício nas pesquisas: procurar novos talentos musicais. Bandinhas de garagem que divulgam suas músicas por sites próprios ou em portais de músicas independentes que disponibilizam músicas no formato mp3 para download. Vou letra por letra, banda por banda. Seguido me perguntam:

"- Que banda é?". Respondo eu:
"- É uma banda de Floripa, não é muito conhecida por aqui, achei naqueles sites de bandas independentes!". Recebo de resposta:
"- Muito bom o som! Me passa depois!"

Ufa, meu vício é recompensado!

Procurar por bandas novas certamente tem fundamento quando analiso as "bandas de elite" e chego à conclusão que elas não mudam, não renovam. É sempre a mesma coisa, a mesma batida. Só mudam a letra para dar uma cara nova. Comparando os "famosos" com os "independentes", a qualidade do conjunto (som + letra) dos menos conhecidos é impressionante. É impressionante também o número de bandas e artistas de garagem que existem pelo Brasil. É pop, é rock, é reggae, é axé, é samba, é forró. Dá até para fazer uma música só com o nome dos estilos musicais! Muita coisa é lixo. Lixo mesmo! Não são audíveis nem aqui e nem no Paquistão. Depois de escutar, é shift + delete + enter na hora. Eu até tento dar uma chance para algumas. Penso que só 12 segundos de música não vão dizer o que a banda quer passar como mensagem. Deixo passar. Vou até os 20 segundos e a coisa não melhora. Quando chega aos 30... os meus olhos já se fecham, o desgosto aumenta e eu seguro até os 45. Se ouço alguma batida ao menos agradável, agüento até um minuto, caso contrário é delete em seguida dos 45 segundos.

Um ótimo exemplo disso, ou melhor, um péssimo exemplo para encabeçar o lance de música independente ruim na web é a banda Mary Jane. Credo! Uma letra chula, horrível. Pobre e repetida, analisem: De qual que é / De qual que tá pegando / De qual que é / O bicho tá pegando. 1 minuto e meio de frases repetidas. Repetidas! E a paciência? Tudo bem tem gente que gosta de certos gêneros musicais, mas Mary Jane? Levaram a Mary Jane às alturas, queimaram a massa cinzenta, ao menos nesta música.

Bons, ótimos e excelentes exemplos eu achei por lá. Claro, tenho minhas preferências para músicas mais calmas. Um pop/rock com uma boa letra levado por batidas não muito pesadas e um reggae sem apologias à maconha, carregado apenas em uma letra consistente e de batidas bem marcadas. Analisando as bandas de lá, perto de uma possível neutralidade, há certas bandinhas de forró - sim, forró! - que dão de laço em bandas conhecidas como a Falamansa. Não entendo de triângulo ou de sanfona, mas o tal de "Paroara do Acordeon" embala qualquer rodinha de amigos dispostos a remexerem a cintura. A música “Fumacê” é o “canal” – como diria o meu porteiro Amarildo.

E representando o reggae, bem no início do meu vício de procurar banda novas, descobri a banda Manitu. Não vou despejar elogios, vou apenas resumir: os caras são feras. Fazem uma mistura de batidas marcadas que partem do reggae e chegam ao pop/rock de modo perfeito, sem perderem a essência da batida do reggae. Pelos resultados que encontrei além-site de músicas independentes, a banda faz muito sucesso. Revelação da música de Minas Gerais. O Manitu já tocou em grandes festivais como o Coca-Cola Music e o Pop Rock Brasil 2006, fazendo participações nos shows do cantor Armandinho e da banda Seu Cuca. É formada por quatro “guris dos bons”assim como me disse o Prof. Manoel Jesus uma vez. Os guris são: Alexandre Maia (vocalista), Fabão (baixista), Daniel Couto (guitarrista) e Emerson Neiva (baterista).

O perfil do Manitu está ativo no PalcoMp3. Os downloads são livres e ilimitados. É só deixar a música carregar e pronto. São 21 músicas do cd também intitulado “Manitu”. Destaque para: “Dez Segundos”, “Estória”, “Menina do Mar”, “Nosso Tema” e “Estrela Perfeita”. Vale o download. Batidas marcantes acompanhadas de letras com conteúdo, bem diferente da Mary Jane que falei acima, totalmente o oposto.

Ah! Para a minha surpresa, recentemente foi adicionada uma nova música no perfil do Manitu dentro do PalcoMp3. A música é intitulada “Lembrar de Amar”, a primeira da lista. E falando no título dela, idéias surgiram... Volto amanhã com o texto “Reencontros” uma visão de como é bom lembrar de amar, não só a companheira ou o companheiro, mas lembrar de como é bom reencontrar o amor pela vida.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

D.T.F. - Parte IV - Final

E aqui está o prometido desfecho da história..


- Oi amor, surpresa!
- Cadê a tal cliente? Cadê?
- Ah, a tal cliente...
- É! A cliente dona daquele carrão lá fora! A mulher que tu estavas falando ao telefone esses dias, falando em retribuir! Sempre fosses fiel? Piada das boas!
- Amor, deixa eu te falar...
- Que vontade de te bater Gustavo! Grrrrr!
- Posso falar? Só um minutinho?
- Não adianta esse caminho de rosas no chão e jantarzinhos para tentar me agradar! Cadê ela? Onde ela se meteu? Qual o nome dela?
- Não tem nenhuma mulher aqui nesta casa.
- E o carro lá fora? E o que o Cravinho me disse da cliente que estava aqui há horas contigo?
- A única cliente aqui és tu! A minha eterna cliente! Que não precisa de seguro de vida porque eu sempre te protegi! Toma, pega a chave...
- Chave da onde?
- Pega...
- Da onde é essa chave?
- É daquele carro?
- É amor, todinho teu!
- Não acredito...
- Aquele dia que eu demorei para subir, sabe? Eu fiquei falando com o Touguinha para trocar o teu carro. Há anos ele é cliente da agência e eu fiz uma proposta para ele: daria o teu carro antigo, mais um novo plano de seguros para os carros da loja e uma diferença em dinheiro.
- Mas eu escutei tu falares em fidelidade! Em retribuir não sei o quê...
- Sim, retribuir toda a confiança que ele deposita na agência durante anos. E como eu nunca havia comprado um carro dele, foi a hora de retribuir, trocando o teu carro!
- E com que cara eu fico, agora? Fiquei fugindo o dia todo para ficares desconfiado de mim!
- Fica com a cara de sempre amor! Aquela que durmo e acordo olhando e amando cada dia mais!
- Gu... pára com isso, eu vou chorar...
- Vem cá, me dá um abraço...
- Te amo negro...
- Eu também te amo negrinha, muito...



Com licença, posso dar um dedo de prosa rapidinha com o contador desta história enquanto o casalzinho se abraça? – me interrompe o Cravinho...

– É... claro Cravinho, a palavra é toda tua...

– Muito agradecido Seu Marcos! Fiquei olhando ali de fora da porta e vi que não adiantou de nada a Dona Patroa ficar fazendo charminho, sumindo pelo mapa a fora, combinando com a secretária do curso de inglês mentir pro Seu Gustavo do tar de répi aour do mentiroso e diabo a quatro. A Jurema lá em casa tinha dessas também de quando em vez. Quando eu mais esperava que ela fosse me esperar com o jantar prontinho na mesa, ela dava no pé pra casa da vizinha só porque tinha achado um telefone no bolso da minha calça. E nem de mulher era! É tudo das casas onde eu corto galho e planto semente. 22 anos de casado e eu nunca olhei pra ninguém a não ser a minha ternurinha Juju. Sempre apronto umas pra ela também, cê sabe? Ela gosta por demais de surpresa. Qual mulher que não gosta? As minhas mulheres, as lá de casa, são ela, minhas fia Kléia e Kátia e minhas três vaquinha: Naná, Ricota e Branquinha. Danadas de mansas! Os patrãozinho não têm fio ainda, mas quando tiverem, vão ver que o amor todo vai aumentar. Tudo vai ficar do mais bonito e do bom. Nem conversê no telefone vai atrapalhar. O que não pode ter é escutar conversa por detrás das portas. Isso é feio! Tem que ter confiança das mais fortes. O tar de discutir relação deles vai ter que melhorar e virar um diálogo mais do seguido pra resolvê na hora os problema tudo, é o que eu ensinei pra Juju. Tem que ser bom pra os dois lado, que nem esses carrão novo ai que dá de usar árcool e gasolina, sabe seu Marcos?

– Sei sim, os carros flex, total flex... bela explanação Cravinho! Mas, posso continuar a história agora?
– Claro Seu Marcos! Eu vou indo, porque hoje tem mocotó lá em casa e a ternurinha tá me esperando! Té mais ver patrãozinho!
– Até a próxima Cravinho...

Retom...

– Ahh! O patrãozinho avisa pro Seu Gustavo que deixei a porta da garagem aberta, tá certo?
– Aviso sim... Até!


Bom, retomando o rumo da história depois da breve palavra do Cravinho, a história da Lúcia e do Gustavo, o “Nogueirão” chegara num final feliz. Muita desconfiança a troco de nada. Tudo por causa de uma inofensiva conversa ao telefone do marido com um vendedor de carros. Palavras resumidas para não estragar a surpresa do carro novo de Lúcia. Uma porta entreaberta e uma esposa curiosa para estragar os planos do marido – assim como também aconteceria se fosse ao contrário, os homens também são curiosos, às vezes, até mais.

A partir daquela noite em diante, os dois estipularam um novo método de conversa: que primeiramente não existiria mais o famoso "D.R." no banheiro da casa e que conversariam em qualquer lugar quando sentissem vontade de acertar os ponteiros da relação. Tudo para evitar futuros transtornos e crises no casamento. Se tivessem um problema, resolveriam na hora. No trânsito ou na casa da sogra. E ainda: não abafariam os problemas com uma noite de sono. Seriam mais maduros e bem mais flexíveis.

E assim nasceu o "D.T.F." na noite daquele sábado. O diálogo total-flex de Gustavo e Lúcia ou de Lúcia ou Gustavo – para evitar preferências. Serem totalmente flexíveis na hora de resolverem as perturbações do dia-a-dia. Idéia e teoria boas. Basta apenas que eles sigam à risca e, de quebra, nas horas vagas, também ouçam os conselhos do jardineiro. Porque no final das contas, o tal “Cravinho” sabe que é preciso plantar e regar o amor diariamente para colher o bem e o futuro de uma relação flexível.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

D.T.F. - Parte III


Depois de muitas perguntas internas e sem nenhuma resposta cabível para elas, resolveu ir embora para casa e esperar o retorno de Lúcia para aí sim saber o que estava acontecendo. Estacionou o carro na rampa da garagem e desceu ali para conversar com o jardineiro, o tal “Cravinho”. Ficaram ali trocando palavras, assuntos de futebol e teorias em cima do comportamento das mulheres enquanto o tempo passava. Duas horas e nada de Lúcia, nem sinal e cheiro.

Cravinho servira como um amigo, um psicólogo, e o verdadeiro detetive para Gustavo:

- As mulheres são assim mesmo Seu Gustavo! Ora querem a gente por perto, ora não querem! E o pior é quando elas tiram coisa da onde não tem coisa, entende?
- Como assim?
– questionou Gustavo.
- Quando elas mexem nas nossas coisas e acham um telefone rabiscado num papel ou quando escutam por de trás das portas a gente falando no telefone, sabe?
- Isso! É isso Cravinho! Tu és um gênio!
- É isso o quê Seu Gustavo? Que diabos é isso?
- Ontem eu estava ao telefone falando com um cliente que é dono de uma concessionária de carros aqui da cidade. Escutei um barulho, mas continuei falando. Devia ser a Lúcia escutando atrás da porta!
- Mas não é que podia ser, então?! Elas adoram fazer isso!
- Tenho certeza de que era ela! Eu estava fechando negócio com o Touguinha de um novo carro para ela!
- Carro novo? Que presentão! Aquele Gol dela anda caidinho mesmo!
- Pois justamente! Estava falando com ele em fazer uma troca: eu daria um novo plano de seguros para os carros da loja dele junto com o Gol dela e ele abateria do valor do carro novo. Falei em fidelidade até, mas nos nossos negócios, ela deve ter entendido decerto outra coisa!
- É isso Seu Gustavo! As mulheres são assim, bem desconfiadas! Assim como nós que somos explosivos quando devemos ser mais tranqüilitos com elas. Aprendi isso com a negra velha, a Jurema. A gente penou no início do casamento, mas agora é uma beleza só! E já se vão 22 anos!
- Cravinho, vais receber um aumento por ter adivinhado e me ajudado com isso!
- Só corto galhos e planto flores Seu Gustavo, mas o aumento eu recebo de bom grado!


Uma disparada para dentro de casa. Uma surpresa vinha por ai. Lista telefônica, número da floricultura e do restaurante de comida japonesa em mãos, lá vinha mais uma do Gustavo, o “Nogueirão” voltava com tudo depois de saber onde havia errado – mesmo sem ter errado, complicado. Após encomendar flores e o jantar, ligou para o Touguinha e pediu que ele levasse o novo carro até sua casa o mais rápido possível, antes que Lúcia chegasse. Explicou toda a situação e o Touguinha foi solidário, em pleno sábado de descanso.

Após 20 minutos lá estava o Touguinha dentro do novo carro de Lúcia. Um Pólo preto, em frente a casa do Nogueirão. Carro 0km, direção hidráulica, ar-condicionado, completinho. E mais: já com sensores de estacionamentoaquelas parafernálias minúsculas nos pára-choques que emitem sons dentro do carro quando ele já se encontra no limite de encostar nos outros na hora da baliza. Perfeito, Lúcia iria adorar aquele presente, aliás, presentão. Até o Cravinho havia gost... bem:

- Que carrão, heinhô o Seu Gustavo?
- É... tomara que ela goste!
- Se ela não gostar, o senhor não quer me dar, não?
- Ok, mas só se ela não gostar! (risos) Quando ela chegar, bico calado, hein?
- Claro Seu Gustavo, já aviso que o carro é meu!
- Não! Faz assim, diz que é de uma cliente! Uma cliente!
- Tá certo!

Pouco tempo depois chegara as flores. Flores de dar inveja ao Cravinho, que por mais que ele se esforçasse em podar as flores e plantar sementes nas estações e períodos certos, não conseguiria produzir rosas tão bonitas quanto àquelas. Em seguida, o moto boy com o jantar em caixinhas, pronto para ser servido. Mas, e Lúcia?

A espera pela esposa duraria mais duas horas. Cerca de 20h15 terminaria a angustiante espera. Tempo que foi suficiente para o Nogueirão preparar a toda a surpresa para ela. Banho e barba. Enquanto lá embaixo, o Cravinho estava arrumando suas ferramentas para ir embora quando Lúcia descia do seu carro, o velho carro, e questionava o Cravinho:

- Oi Cravinho, tudo bem?
- Oi Dona Patroa! Tudo nos trinques!
- De quem é esse carro aí, hein?
- É meu patroa!
- Seu? Parabéns! Não queres trocar pelo meu gol?
- Não dá não, dona! Na verdade, o carro aí é de uma cliente do patrão!
- Cliente? E tens certeza que é de uma mulher?
- Sim, faz um tempinho já que ela tá ai...
- Aqui em casa?
- É...
- Agora esse safado vai se ver comigo!

- Ihh! Acho que encrenquei o patrão por demais! Vou até ficar por aqui para ver! – pensou o Cravinho.

Lúcia nem pensou. Tirou os sapatos, pegou a chave na bolsa depois de derrubar tudo de dentro e saiu enfurecida em direção a porta. Tremelicava a ponto de não achar a chave certa para abrir a porta:

- Cadê a porcaria da chave? Grrrrr!

Mais uma chave errada, outra e outra. De tanta ansiedade, raiva e tremeliques o chaveiro caiu. Abaixou-se, catou o chaveiro e finalmente acharia a chave certa. Colocou a chave na porta, respirou fundo, girou a primeira volta, tirou a segunda e quando abriu a porta...




p.s.: A técnica Coimbrística foi desbancada. A seqüência da história continua amanhã, com a terceira parte de “D.T.F.”. Aproveitando o clima de suspense, gostaria de agradecer o grande número de visitas aqui no Palavra de Guri. Aos comentaristas de plantão e aos fantasmas também, que mesmo sem comentários, me incentivam a escrever mais e mais. Valeu!