terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Bobo Amor - Volume II


Um bobo amor não é um tipo de amor pequeno ou grande; aceitável ou descartável. Amor bobo é simplesmente a magnitude do próprio sentimento representado a partir de pequenos gestos de lembrança ou de carinho. De certo modo supérfluos. Um plus. Nenhuma relação sobrevive sem um bobo amor. Aqueles apelidos bobinhos, meigos para o casal, ridículos para quem os escuta. Um presentinho de surpresa. Uma mensagem de texto no meio da correria do trabalho, enfim. É bonito! Chega a ser sublime a maneira que um casal se relaciona. Porém, além da bobice, entende-se que a base de um relacionamento é o diálogo. E nesse ponto, a comunicação necessita ser interpessoal – que ambos participem ativamente da conversa – para construir um denominante comum entre o casal.

Há dias atrás estava eu parado na fila de um supermercado enquanto um casal a minha frente aproveitava a fila do caixa para fazer um famoso “D.R.”. O nome dele era Paulo e o dela não sei por que ele não teve oportunidade de dizer o nome dela durante uns dez minutos de conversa, ou melhor, um monólogo da esposa. Ele até tentara ser carinhoso a chamando de “amor”, “querida”, mas sem nenhum resultado. Em filas de mercados, bancos ou qualquer aglorameração, sempre há um assunto rolando para fazer passar o tempo. Inacreditavelmente neste dia, toda a fila foi parando simultaneamente para escutar o que a tal mulher dizia para o marido, o pobre Paulo. Quem ainda não estava prestando atenção, procurava cutucar o outro ou apenas olhar para que o próximo pudesse focar o murmurinho crescente do casal.

- Paulo, vamos conferir a lista!
- Paulo! Presta atenção em mim, por favor?
- Paulo, eu estou falando contigo! Larga essa revista e olha para mim!
- Fala querida, eu estou te ouvindo!

Nesse momento a esposa puxa a revista com um gadunhão seco e a coloca na prateleira. O marido, totalmente envergonhado apenas a olha com olhar de fúria controlada. Provavelmente ela tomara as rédeas em casa. Desde o dinheiro até a programação de televisão das crianças. Momentos a seguir, depois de respirar um pouco e aliviar a tensão que o tomara conta, Paulo tentou começar mais um diálogo:

- Mas amor, eu estava te ouvindo, para que fazer isso?
- Não estavas! Te chamei três vezes e o máximo que fizesses foi um “hãm”!
- Então! Eu estava te ouvindo, só não queria perder o fio da meada da reportagem sobre o Clinton.
- Eu te pedi para conferir a lista do super junto comigo e preferisses ficar lendo uma revista besta que só fala da vida dos outros. Ainda mais desse ex-presidente americano tarado que assediou a Mônica Lewinski.
- Não é bem as...
- Eu estou falando. Eu sei bem o que ele fez e pelo jeito deves ser como ele. Enquanto estou trabalhando, estás de segredinhos e agarrando a Marise, a tua secretaria.
- O que é isso, amor?
- Eu sei muito bem quando chegas em casa com aquele sorrisinho no rosto querendo alguma coisa. É porque aprontasses alguma coisa e queres o meu perdão, mesmo sem eu saber. É um tipo de redenção, só pode!
- Pelo amor de Deus, fala mais baixo! Os outros não precisam ouvir as tuas maluquices.
- Maluquices? Eu tenho certeza das coisas que aprontas! Até hoje não entendi aquela viagem repentina a Porto Alegre. Negócios. Humpf! Só se for negócio com uma loira de 1,70m de altura, olhos verdes e bunda grande. Eu te conheço Paulo! Não é de hoje! Desde os tempos da faculdade eu já te via esticar um olho para a Rosane e para a Aninha. Sem contar no dia que te peguei conversando com a Aninha enquanto tinha ido ao banheiro. Tu és um sem-vergonha!

E o diálogo não parou por aí. Dava pena de ver. O Paulo sem acreditar em uma palavra que a mulher estava dizendo. (Vamos dar aqui o pseudônimo de “Maria”, para ao menos a dita cuja ter um nome) Com os olhos marejados, escondidos por aqueles óculos de advogado, com forte grau ótico e com as mãos apertadas segurando no braço do carrinho de compras. Todos os olhavam. Até uma criança que tentara brincar com uma embalagem de salgadinhos, daquelas prateleiras na boca do caixa, ficara os olhando sem entender nada. De certo achando aquilo atrativo pelo volume que a Maria gritara em pleno supermercado. Na cabeça de Paulo só passara um pensamento: “- Cala a boca mulher!” E foi o que fez. Ou melhor, tentou fazer de forma ainda meiga:

- Amor, por favor! Estão todos olhando! Vamos pagar as contas e depois resolvemos isso em casa! Tu estás nervosa ou estressada por causa do trabalho e ficas inventando essas sandices como se eu fosse o culpado por teres perdido o caso dos Bittencourt.
- Como é que é? Eu perdi o caso dos Bittencourt? Tu estás louco?
- Era o que dizia aquela carta em cima da mesinha da sala, debaixo do controle remoto do dvd.
- Qual carta? Não chegou carta nenhuma ainda com a resposta do julgamento do caso. A menos que tu tenhas aberto... (o volume da voz de Maria aumenta) Andasses mexendo nas minhas coisas? Quem te deu permissão para isso? Combinamos uma vez que nunca mexeríamos um nas coisas de trabalho do outro, a menos que o outro deixasse ou mostrasse. Tu és um ridículo!
- Eu não abri nada!
- Abrisse sim! É bem a tua cara! Não sei como que ainda ganhas os teus casos. Provavelmente mentes a reveria para os juízes. Deves encobrir toda a verdade com as tuas mentirinhas deslavadas.
- Eu não abri nada! Cheguei em casa e a carta estava debaixo do controle. Provavelmente tenha sido a Letícia que abriu ou o Paulo Roberto.
- Tu achas que duas crianças de cinco e de oito anos vão abrir correspondências? Eles não são metidos e curiosos como o pai deles.
- Me respeita! Eu nunca mexi nas tuas coisas e agora vens me dizer que andei abrindo tuas coisas de trabalho? Pelo amor de Deus!

Paulo tentara se defender com frases curtas, já que o diálogo parecia mais um monólogo por parte da Maria. Um misto de estresse e nervosismo em pessoa que acabara com qualquer clima de final de semana na praia. Uma ótima advogada. Talvez boa. Ou apenas competente – devido a causa perdida no caso Bittencourt. Porém, uma ótima mãe, assim como ela diz:

- Enquanto estás na natação, onde é que eu fico? Em casa! Cuidando do Paulinho e da Letícia. Ajudando eles a fazerem a lição de casa. Dou banho, dou janta, brinco e ainda sobra tempo para te esperar com a janta pronta!
- Isso é uma vez só na semana. Nos outros dias quem é que fica em casa? Eu! Enquanto vais para a tua yôga eu faço tudo isso que acabasses de dizer!
- Que engraçado, não é o que as crianças me disseram. São pequenos mas não são burros quanto o pai. Mexem naquele computador melhor do que tu!
- E o que tem o computador? Enquanto eles brincam na sala, eu fico analisando os processos e preparando as defesas.
- Agora é moda no orkut também ficar analisando processos? O Paulinho me disse que ficas olhando fotos e fotos naquele “programinha de tela azul” cheio de fotinhos pequenas, que quando se clica nelas, abre um monte de coisa, inclusive fotos. E de mulher!
- É proibido entrar no orkut? Tens o teu e eu nem dou bola.
- Claro que não dás bola. Tens a Marise ao vivo e a cores. Para que vais olhar o meu orkut?

A conversa parou por ai. Ao menos Paulo se recusara a responder qualquer outra pergunta que Maria o fizesse. Talvez para fugir dos devaneios da esposa, começara a juntar os produtos em ordem, por setores, assim como ela gostara. Porém, infelizmente, a metralhadora de perguntas enlouquecidas não parava...

- Será possível tu me responderes o que eu estou te perguntando?

(Nesse momento, a fila deu uma boa andada e Paulo levava os carrinhos das compras mais adiante)

- Podes falar comigo ou fica difícil? Estás fugindo de alguma coisa? Eu só quero conversar contigo!
- Conversamos em casa, pode ser? Eu simplesmente não fiz nada e estás inventando “mileuma” coisas sobre mim. Quando chegarmos em casa, ok?
- Visse só? Nunca queres conversa comigo! Eu tento fazer a gente se entender no pouco tempo que passamos juntos e ficas empurrando toda a culpa para mim.

Paulo pensara que tal reação de Maria só pudesse ser obra do temido e famoso tpm. Ela era jovem, provavelmente longe dos 35 anos. Morena, cabelos no meio das costas, magra, talvez uns 60kg. De altura mediana, por volta dos 1,65m. Olhos castanhos e vários anéis nas mãos – que gesticulavam a cada pergunta. Analisando assim, Paulo estava bem acompanhado, a mãe de seus dois filhos estava no ponto. Mas naquele momento, mais no ponto de ebulição:

- Eu vou embora para o carro, me dá a chave! Pagas essas coisas e não demora! Me dá a chave!

O marido foi simplesmente seco, ríspido:

- Toma.
- Para que me tratar desse jeito? Porque me respondes assim? Vais ter que me escutar quando chegarmos em casa. Eu quero conversar!

E lá se foi a balzaquia, passos rápidos e curtos por causa do salto alto. Com seu vestido preto na altura dos joelhos, com a bolsa em punho e a chave na outra mão, a sacudindo como se fosse um chocalho. Todos a olhavam. Não pelo seu feitio feminino, mas pelo seu comportamento fora do normal em pleno local público. Filas de supermercado não são os melhores lugares para se discutir uma relação. Quem está atrás ou na frente, de certa forma, fica sabendo de tudo o que acontece na vida do outro. Não é fila de bebedouro. É a fila da paciência.

Enquanto Maria se dirigira ao carro, Paulo esperava a vez no caixa amargando não só a fila, mas os olhares desconfiados e sestrosos das pessoas na fila. Envergonhado, baixou a cabeça e tentara se distrair somando os preços dos produtos dos carrinhos com a calculadora do celular e soprando as contas:

- R$34,55 mais dois de R$5,84...
- R$46,23 mais um fardo de Coca... Quanto? Oito vezes R$2,59... R$20,72...

- “Próximo!” – chamava a atendente do caixa.

Paulo continuara com a cabeça fincada nos carrinhos fazendo contas:

- R$20,72 mais R$46,23 igual a R$66,95...
- R$66,95 mais duas massas de R$1,34 mais...

- “Pró-xi-mo!” – soletrava praticamente a atendente, até que um senhor que estava atrás dele e na minha frente o cutucou e o acordou daquela fuga dos preços:

- Amigo, é a sua vez!

Ele nem olhara, apenas agradecera de cabeça baixa:

- Obrigado...

O resultado das compras ultrapassou os R$ 500 reais. O da conversa, só Deus sabe. Quem sabe era necessário que ele a entendesse. Também que ela ponderasse a falta de atenção dele enquanto ele lia uma revista depois de um dia de trabalho. O bobo amor se manifesta em pequenos momentos, em gestos minúsculos. Ele lembrara da organização dos produtos dentro dos carrinhos, “por setores”. Já ela, de ficar com as crianças enquanto ele nadava. Nem sempre o amor bobinho vai superar um “D.R.”. Ainda mais um tpm. Mas é preciso conservá-lo e mantê-lo. Até porque um relacionamento não é uma fila de supermercado esperando a hora da atendente com voz de aeromoça dizer com um lindo sorriso estampado no rosto:

- “O próximo, por favor!”

Um comentário:

Jennifer Azambuja de Morais disse...

O próximo pode ser mais discreto, por favor?! Talvez tenha sido isso que Paulo falou ao chegar em casa, percebendo que tudo aquilo era TPM e, por ainda ter resquícios de um bobo amor nele que é capaz de perdoar isso, só pediu para no próximo ataque devido aos hormônios ser mais discreto. Mas na verdade não sabemos se era uma tensão feminina ou um ciúmes incontrolável da fase do amor bobo. Esse amor bobo não deve nunca deve se perder entre os casais, com o tempo diminui, mas deve sempre existir para que ambos ainda se sintam apaixonados como no início. Mas o diálogo, esse sim, nunca deve diminuir ou perder valor, pois só ele pode evitar barracos como esse e alicerçar mais o casal. É, não é fácil enfrentar as TPMS e, muito menos, as faltas de atenção, quem sabe um dia tudo tenha uma fórmula que minimize isso?? A fórmula do amor bobo!!!!