segunda-feira, 31 de março de 2008

A Casa 457 - Capítulo V - Final


Louzada preferira novamente o esconderijo entre as petúnias novamente e as carnívoras formigas. Preferia a dor a ser descoberto. Agachou-se e correu em direção à floreira. Não fez nenhum barulho significativo, mas os policiais chegaram a olhar para trás. Como não viram nada, suspeitaram do barulho do caminhão de lixo e ficou por isso mesmo. O caminhão do lixo aproximando-se da lixeira e os policiais tentando achar alguma pista naqueles dois carros. Enquanto isso, apenas os olhos de Louzada podiam ser enxergados lá de fora. Brancos e estalados no meio de petúnias e formigas – ainda muitas formigas –, controlando os movimentos dos policiais e dos garis. Precisava sair daquela floreira o mais rápido possível, antes que as formigas lhe atacassem novamente.

Em menos de cinco minutos Louzada estava de volta à sua posição de base, atrás da lixeira. Os policiais rumavam em direção à viatura, iriam embora finalmente. A idéia de chamar atenção através do bilhete havia falhado, assim como também a pedra que ganhara destino diferente do que o corpo de Lacerda e atingira o golf verde-musgo. Nem com a pedra e o conseqüente alarme disparado Louzada conseguira despertar a atenção daquelas pessoas casa 457. Aquilo já estava ficando sem controle. Sem resultados. Louzada precisava tomar atitudes mais incisivas, mais objetivas. “Quem sabe olhar através do espaço no canto da cortina?” – pensara. Poderia ser arriscado e colocar tudo a perder em apenas uma noite de ronda. Mas mesmo assim começou por fazer isso.

Atravessara a rua como um paladino corredor, correndo com os braços em riste colados ao corpo. Não temeria, não seria covarde. Em dois tempos estava trepado na saliência da parede e apoiando-se no parapeito da janela com os cotovelos. Via algumas sombras vindas do corredor. Ouvia vozes. Nada audível, mas ouvia vozes. Aos poucos decifraria que não havia duas pessoas lá dentro e sim muito mais. Estava acontecendo uma festa, certamente. Talvez uma junção de amigos comemorando um aniversário. Quem sabe algo mais íntimo? Uma orgia? Louzada não sabia. Necessitava realmente descobrir ao menos alguma coisa naquela noite. A casa 457 não recebia apenas duas pessoas naquela noite. Muitas pessoas estavam lá dentro. “Mas por onde será que elas entraram?”perguntava-se mentalmente.

A casa 457 estava habitada ou temporariamente habitada. Louzada havia atendido casos no final dos anos 90 em que casas eram alugadas para servirem como casas de prostituição e jogos de azar. A casa 457 seria uma casa alugada ou habitada por essa finalidade? Louzada podia jurar que sim. Agora não só as vozes de várias pessoas eram ouvidas. Música, muita música vinha daquele corredor. Louzada mantinha-se trepado com os cotovelos calcados na janela à espera de alguma pista. Não agüentaria por muito tempo. Mais do que nunca, necessitava ver de perto aquilo e não somente pela fresta da cortina. Pulou para trás e correu para sua casa. Tivera uma outra idéia.

Zezé abriu a porta e apenas escutou um muxoxo do marido. Louzada correra em direção ao final do corredor de sua casa. Rumava ao que tudo indicava à cozinha ou ao quintal. Era o quintal. Louzada abriu a porta da cozinha e seguiu na direção de um velho casebre que usava como um depósito de coisas e também como oficina. Ligou a luz, tirou a bicicleta do caminho e segurou a escada. Uma escada. Louzada planejava mirar por cima do muro de sua casa para ver o que estava acontecendo no quintal ou na parte dos fundos da casa vizinha, a misteriosa casa 457. As casas da rua eram quase todas iguais. Sua casa era igual a casa 457. Sabia que no fundo da daquela havia um quintal e possivelmente uma piscina ou um outro quarto nos fundos. Nunca houvera antes bisbilhotado a casa ao lado, assim também como Zezé. Nunca mesmo, nem pela curiosidade que a atormentava.

Louzada encostou aquela escada no muro e subira pé por pé, degrau a degrau. Não fez barulho. Quando chegara à metade da escada pensou que a luz da cozinha podia o atrapalhar. Desceu, apagou a luz e sinalizou com o indicador junto à boca para Zezé não falar nada. Zezé obedeceu e permaneceu de braços cruzados na porta da cozinha. Louzada subira até o final da escada em meio à escuridão do pátio. Não fazia barulho por medo de ser descoberto pelas pessoas ou possivelmente por algum cachorro. Nunca antes havia escutado um cachorro latir, mas, hoje, tudo era possível. Assim como aquelas pessoas que tomavam conta daquela casa, um fato extraordinário em anos. A casa 457 estava definitivamente habitada e parecendo mais uma festa do que uma pacata casa conforme os relatos dos vizinhos.

Mas o que era aquilo? Louzada não acreditara no que vira. O burburinho já estava aceitável devido à presença daquele casal dos carros, mas havia outras pessoas. Muitas outras. Louzada enxergava as silhuetas delas através da janela do quarto dos fundos, que na verdade não era um quarto e sim uma enorme porta ladeada por dois grandes vitrôs coloridos. Inúmeras sombras e nenhum movimento no quintal. Nem cachorros. Poderia arriscar-se a pular aquele muro e ver de perto. Não tinha nada a perder. Dois tombos, o susto com Lacerda, a polícia e o caminhão do lixo. Era uma grande aventura para um sexagenário. O muro não era tão alto, cerca de dois metros, um pouco mais disso. Louzada era bom nisso, não tinha medo de altura, pois havia praticado muito isso no quartel.

Pulou e pulou firme, sem nenhum vacilo ou torcida de tornozelo. Após fixar os pés nos chão, olhou para os dois lados verificando cada objeto da cena. À esquerda a casa da frente com a luz do corredor ligada. Onde estava o quintal, só grama e alguns baldes coloridos ao lado do tanque. E, à direita, a peça que mais parecia uma fortaleza ornamentada por aqueles grandes e bonitos vitrôs. Respirou fundo e dirigiu-se sorrateiramente, encostado na parede, tendo-a como base. Chegou perto de um dos vitrôs e metera as retinas no canto. O que era aquilo? Uma festa? Mas como isso? Nunca, nunca, nunquinha alguém entrara naquela casa e hoje ela estava repleta de pessoas. Mas como se apenas vira duas pessoas entrar lá? Zezé saberia de alguém que houvesse entrado e lhe avisara. Por onde haviam entrado tantas pessoas? Louzada não acreditava ainda no que vira.

Observava tentando juntar todas as informações dos vizinhos e mais as que havia conseguido com a ronda. “Macacos me mordam!”exclamava espantado. Uma casa de jogos. Uma casa de azar clandestina havia sido montada nos fundos da casa 457. Roleta, jogos de cartas e bingo; bingo eletrônico e bingo ditado por uma linda mulher de preto – a balzaca que havia visto sair do gol vermelho e entrar na casa. Muitas outras pessoas estavam concentradas nos números, tragando cigarros e bebendo whiskys embaixo daquela nuvem de fumaça oriunda dos cigarros. Louzada tinha pavor de cigarros. Tinha ainda mais pavor dos jogos de azar. Nunca havia entrado em uma casa de jogos para divertimento, apenas para apreensão de máquinas e cumprimento dos mandatos de seus superiores. Haveria de tomar providências.

Um barulho de porta abrindo. A porta se abrira aos poucos, devagar, devagarzinho, quase em câmera lenta. Um homem e uma criança. Uma criança? Como que uma pessoa pode levar uma criança para um lugar desses? Louzada já estava fulo da vida com uma situação daquelas, e agora mais ainda por causa de uma criança naquele tipo de ambiente. Precisava dar um fim a casa de jogos clandestina. Mas antes necessitava esconder-se naquele pátio sem lixeiras ou floreiras para disfarçar-se. Em um ato de desespero pela falta de opções de esconderijos resolveu encolher-se no vértice das duas paredes do fundo, a do falso quarto e a do muro. Cobriu-se com seu casacão bege até a cabeça e ali ficou, tremelicando e pedindo apoio de forças superiores para não ser descoberto, apenas ficara ouvindo a conversa entre o homem e a criança:

- Hoje a noite está perfeita, chefe! Entrou quase o triplo do montante em apenas duas horas de jogo – dizia o homem.
- É verdade! – respondera a criança. Mas o quê uma criança sabia de negócios de casas de azar? Chefe? Uma criança chefe? Louzada não acreditara no que escutava. Precisava conferir para ver se era verdade. Abriu uma fresta do casaco e confirmara: não se tratava de uma criança e sim de um homem anão. Ao ver o rosto do anão, Louzada confirmara mais uma coisa, tratava-se de “Chinês”, um ex-camelô que havia aberto uma casa de jogos clandestina com o dinheiro oriundo das excursões para o Paraguai que organizava ainda na vida de comerciante informal. Chinês, não era mais camelô, estava fugido da polícia há anos, mas continuava informal e, sobretudo, agora, um fora-da-lei.

Os dois homens saíram do falso quarto em direção a casa e não viram Louzada encolhido no canto do quintal. Louzada estava a salvo. O sexagenário havia matado a charada. Muita ousadia para um civil aposentado que levava a vida pacatamente, descansando das noites em claro nos plantões da polícia civil local. Antes de dar por encerrado o seu caso, precisava sair dali antes que mais alguém pudesse aparecer. Precisava achar um jeito de volver a sua casa. “Os baldes” – pensara. Esgueirando-se na parede foi até os baldes ao lado do tanque do pátio e pegou todos que podia. Esvaziou alguns e os empilhara, um dentro do outro, emborcados para baixo, servindo de escada e apoio para ele escalar o muro. Conseguira. Louzada era pura adrenalina. Faltava jeito e prática, mas sobrava disposição.

“Agora quem dá as ordens sou eu... vou fazer um joguinho com aquele Chinês safado e vou gritar bingo antes dele!” – planejava mentalmente com um sorriso sarcástico no rosto. Tinha provas, tinha o desfecho do caso em mãos. Louzada correra para o telefone e ligara para a polícia. Zezé só observava o marido, tomada de curiosidade e abstendo-se do sinal de silêncio que ele fizera ao pegar o gancho do telefone.

- Boa noite, em que podemos ajudar? – dizia o plantonista do outro lado da linha.
- O Figueiredo se encontra?
- Sim, quem gostaria?
- Diga que é Louzada e que tenho o caso do mês para ele!
- Um momento, por favor.

O plantonista foi chamar o velho Figueiredo que ainda estava trabalhando firme e forte na civil. Era um exemplo para seus colegas, mesmo com 72 anos e com quatro pontes de safena, continuava na labuta.

- Louzada, meu irmão de coração!
- Figueiredo! Como estás?
- Fechando mais um turno, mais um dia!
- Não dormirás cedo hoje...
- Mas por que, meu irmão?
- Tenho o caso do mês para ti!
- Explica-te melhor...
– pediu para o amigo enquanto coçava o queixo com a mão esquerda.
- Descobri uma casa de jogos clandestina ao lado da minha casa, aqui, na Dezenove de Fevereiro. Sabes a casa 457, a casa misteriosa aquela que te falava ainda nos tempos de civil?
- Sei sim, ao lado da tua!
- Pois é! A Zezé estava tentando descobrir e me pediu ajuda. Tirei-a das investigações e fui averiguar com nos velhos tempos. Dito e feito. Nada de coisas de outro mundo e sim uma casa de jogos de azar nos fundos da casa, na peça dos fundos que na minha é um quarto, na da casa 457, é uma casa de jogos!
- Estou mandando uma equipe agora mesmo!
- Três carros, seis homens e uma ordem de apreensão, nada menos que isso. A voz de prisão tu darás aqui, decerto. Lembra-te do Chinês, aquele camelô que prendemos várias vezes pelos produtos sem notas fiscais que trazia do Paraguai e que está sumido há anos?
- Claro, o anão!
- Ele está metido e é o dono ou sócio do negócio.
- Louzada! Não sabes a alegria que desses com este telefonema!
- A alma não muda caro Figueiredo, mesmo que os anos tentem me tirar as forças!
- É assim que se fala! Estou indo aí. Espera-me com um café para comemorarmos.
- Aguardo-te, bom trabalho.
- Até.

Caso resolvido e menos uma casa de jogos clandestina em Rio Grande. Louzada, além de ter resolvido um caso da polícia local, havia matado a curiosidade que o aflorava durante anos. De quebra, virou o herói de Zezé que daqui por diante capricharia nos deliciosos doces à base de uva. O velho Louzada descobrira um cassino clandestino, uma casa de jogos de azar no fundo casa misteriosa casa 457 da velha Dezenove de Fevereiro. Uma casa que não tinha apenas a entrada pela Dezenove de Fevereiro e sim duas entradas: a convencional e a pela rua de trás. Duas entradas. Era por isso que a casa em si não era tão visitada há anos e sim a entrada de trás que dava destino ao quarto dos fundos, o quarto dos jogos. O mistério havia sido desvendado e Louzada, mesmo aposentado, descobrira o mistério e matara a curiosidade de sua esposa e de todos os outros vizinhos da quadra. Louzada virara um herói para eles, um herói sexagenário. E, diga-se de passagem, um herói em plena forma.

domingo, 30 de março de 2008

A Casa 457 - Capítulo IV


“Porque que eu fui aceitar isso? Só eu mesmo!” – resmungava. Precisava ir até o final. Havia prometido para Zezé e para si mesmo que desvendaria o mistério da casa 457. Zezé deveria estar vendo Big Brother Brasil e apreciando a garbosidade de Pedro Bial enquanto ele ficara sob o sereno da úmida cidade de Rio Grande. Havia prometido e para acordos para ele eram como ordens judiciais, tinham de se cumpridas. Mas o que fazer? Duas pessoas no mínimo dentro da casa. Dois carros na rua. “Já sei!”teria ele chegado a uma boa idéia? Boa ou não, Louzada agora tinha um plano, uma nova estratégia.

Ele precisava ver as pessoas ou ao menos uma delas para conseguir alguma nova pista. Por conseqüência, precisaria chamar a atenção delas com a finalidade de que elas saíssem da casa. “Vou escrever um bilhete falando dos faróis, coloco por debaixo da porta, toco na campainha três vezes e bato uma vez com a mão na porta e saio correndo. É isso!” – planejou e assim o fez. Rabiscou um bilhete alertando-os dos faróis e atravessou a larga rua de um lado ao outro, correndo, com um pique de centroavante de dar inveja a Romário e Fenômenos.

Ofegou, sim. Mas, um sexagenário, estar metido numa indiada dessas por culpa da curiosidade é um troféu valiosíssimo ter um fôlego desses. Sem contar a ousadia e a cara-de-pau numa idade dessas. Colocou o bilhete por debaixo da porta conforme havia planejado. Encostou o ouvido na porta para verificar se o casal não estava por perto da porta. Nenhum barulho. Então tocou a campainha três vezes e deu uma batida com a mão na porta. Ao virar-se para correr em direção a lata de lixo, levara um susto. Um susto daqueles.

- Quem é o senhor? – abordava questionando o guardinha de rua.
- Eu? – respondeu Louzada.
- E tem alguém mais por aqui?
- Sou eu Lacerda, o Louzada!
– apresentava-se.
- Seu Louzada! Que roupa é essa?
- Vem comigo que eu te explico depois!

Louzada e Lacerda. Nome de dupla sertaneja, nada afinados decerto na música, mas alinhados na corrida em direção a lata de lixo para não serem descobertos em frente a casa 457. Ao chegar na atual base de ronda, Louzada explicou-se:

- Lacerda, é o seguinte! Estou tentando descobrir quem mora na casa 457 e tens que me ajudar!
- O senhor é corajoso! A boca pequena da casa 448
– referia-se a dona Maria Izabel – vive contando histórias assustadoras daí!
- Lacerda, tome jeito! Um homem barbado desses com medo de assombrações? Haja paciência!
- Seu Joaquim Louzada, me escute! Estou lhe dizendo, esta casa aí
– apontava com o indicador para a casa – tem alguma coisa muito estranha acontecendo. Hoje mesmo achei muito estranho, quase um milagre ter dois carros aqui na frente. Sai correndo lá da esquina com a Praça Tamandaré e vim aqui olhar. Isso não vai prestar!
- Escuta Lacerda! Nada de medos, meu guri. Olha a minha idade para a tua! Tens idade para ser meu filho! Tome tento e escute o meu plano: eu coloquei um bilhete por debaixo da porta avisando dos faróis ligados do gol vermelho e bati na campainha. Em alguns instantes um homem ou uma mulher vai aparecer para ir apagar os faróis. Nesse momento tu precisas estar ali na frente da porta para ao menos ver os rostos deles!
– ordenava o civil.
- Eu? Lá na frente deles? E falando com eles?
- Vou contar até três e tu corres daqui e faz o que eu disse. Senão, nada de águas para os teus cafés!


Louzada contou e Lacerda correu. Lacerda era um cearense cabra-nada-macho que viera para Rio Grande há mais de oito anos atrás para vender redes e colchas com outros quinze conterrâneos. O negócio não deu certo e então achou a boquinha de vigia noturno. Não dava nada para a profissão. Ficava as noites inteiras ouvindo a Rádio Gaúcha ou senão papeando com os motoboys da tele-entrega da quadra. Fez o que Louzada havia ordenado. Fez até melhor: encostou-se à parede da casa apoiando o corpo ao pé calcado na parede.

Enquanto ninguém aparecia Lacerda atolou os fones de ouvido nos tímpanos e ligou na Rádio Gaúcha. Desde que viera morar em Rio Grande havia virado gremista, simpatiza com o azul. Admirava o Falcão jogador e agora o Falcão comentarista, que mesmo sendo colorado sabia analisar precisamente as jogadas. Gostava também do “Professor” Ruy Carlos Ostermann pelas sábias análises. Aprendera até gostar mais de futebol por causa desses dois ícones do time futebolístico.

Aos poucos Lacerda foi cansando de ficar em pé e foi arriando-se tendo a parede como base. Quinze minutos depois já estava sentado na calçada. O vigia de Louzada estava se entregando aos braços de Morpheu, caindo de sono. Louzada ficava apenas vigiando. Rondas são chatas e causam tédio, às vezes. Os ápices da ronda da casa 457 já haviam acontecido bruscamente. Era o momento dos dois descansarem as pernas e esperarem por novos fatos. Louzada não contava com o sono repentino de Lacerda. Lacerda não contava com o aborde repentino de Louzada. Ou seja: Louzada estava sozinho de novo.

Na tentativa de acordar Lacerda, catou algumas pedrinhas junto ao meio-fio da calçada e lançou por cima da lata lixo mirando Lacerda. “Arrrrgh!” – lamentou-se. No terceiro lançamento acertara o carro, o golf verde-musgo. Um barulho ensurdecedor de alarme tomou conta da quadra. Lacerda? Lacerda ressonava ouvindo as últimas do esporte na Gaúcha. Até que no quarto lançamento Louzada o acertaria em cheio. Ao ouvir o alarme do carro disparando, Lacerda correu em disparada em direção a Praça Tamandaré e se sumiu na escuridão.

O alarme tocava e ninguém aparecia na porta da casa 457. O casal estaria ocupado e longe da porta central. O alarme disparando do golf verde-musgo e os faróis do gol vermelho ligados. Desperdício de bateria, desatenção ou esse seria mais sinal de que Louzada não deveria continuar com a investigação? Louzada continuaria mesmo sozinho, até porque estava sozinho antes do surgimento de Lacerda. A campainha e o alarme do carro e nem sinal. O alarme ainda atordoava os tímpanos e martelos de Louzada, assim como também os dos vizinhos. Espiadelas entre as cortinas, barulhos de venezianas sendo abertas para ver da onde vinha o barulho. Louzada continuava intacto na sua base. Perfeita base era que achara. Ganhara não só um bom lugar de visualização para a casa 457 como também uma sombra projetada da luz do poste em direção à lixeira, que era uma ótima camuflagem para manter-se longe dos olhos dos outros vizinhos.

Engano seu. Um carro da polícia dobraria em alta velocidade vindo da rua 24 de Maio, dobrando na rua Dezenove de Fevereiro. Do prédio da floreira, um casal octogenário milagrosamente havia escutado o alarme disparado do carro e ligou para polícia. Louzada tremera na base. Mesmo conhecendo alguns amigos da policia, depois de tanto tempo, não se safaria tão fácil se fosse achado. Um carro com alarme disparado, Louzada escondido atrás da lixeira e com trajes incomuns para serem trajados à noite e naquele lugar. Fortes indícios de incomodações para dona Zezé.

O carro da polícia havia parado cerca de cinco metros atrás do gol vermelho. Três carros agora. A pacata rua Dezenove de Fevereiro havia recebido bastante movimento numa só noite. Louzada permanecia intacto, não tinha para onde correr. Preferiu não aparecer para evitar desconfianças, corria risco de ser achado. Permaneceu na vigia com os olhos estalados atento a todos os movimentos da dupla de policiais que descera do carro. Primeiro olharam o gol vermelho com os faróis ligados e depois o golf verde-musgo com o alarme ainda disparado. Verificaram vidros, pneus e lataria. Nada de errado. Nenhum sinal de arrombamento. A dupla não chegou à conclusão alguma e ficaram conversando em frente à lateral tentando compreender o que estava acontecendo ali.

De repente o alarme parou. Louzada esticou o pescoço para ver se havia um outro homem por perto. Viu um vulto na janela da casa 457, mas não era suficiente. O homem ou a mulher da casa 457 havia apertado o controle do alarme do carro e controlado o alarme. Os policiais se olharam sem compreenderem nada. Apenas Louzada havia entendido. Tinha uma vantagem: possuía a visão maior da cena. Mas o maior problema ainda estava por vir. Não era a polícia que ainda ficava pé perto dos carros. O problema desta vez era o caminhão de lixo que havia dobrado na rua para o recolhimento dos lixos! E agora: para onde Louzada iria? Precisaria decidir o que fazer em fração de segundos. Espantaria os garis? O caminhão se aproximava cada vez mais. Esconder-se-ia novamente na floreira?

sábado, 29 de março de 2008

A Casa 457 - Capítulo III


Joaquim levantara-se num pulo. Tão rápido como um guepardo asiático. Surpreendente para um homem sexagenário e aposentado que só ficava em casa enfurnado em seu escritório. Mas não era Joaquim que havia saltado do chão. Era Louzada. O velho Louzada voltava à ativa como nos velhos tempos de civil. Em seguida de levantar-se apalpou o bolso direito para ver se o saco plástico não havia caído. Mexera o tornozelo para verificar a faca na meia. Tudo nos conformes. Podia atacar caso fosse necessário. Atacaria se houvesse necessidade, num bote só.

Imaginou os tempos de civil e decidiu esconder-se antes que o homem saísse de dentro da casa 457. O carro estava parado em frente da casa. Era verde, verde musgo, bem escuro. Mas se esconderia onde? Não havia muitos carros parados na Rua Dezenove de Fevereiro. Volta e meia e passavam alguns, mas nenhum perto da casa 457. Não poderia dar na vista do homem e das pessoas que passavam, até porque elas pensariam que Louzada não fosse um civil aposentado à paisana e sim um larápio, escondendo-se para assaltar o homem que havia descido do carro. De repente um barulho de porta se abrindo. Louzada precisava ser rápido, incorporar a agilidade dos felinos caçadores.

Correu em rápidos e largos pulos como João do Pulo e metera-se atrás do carro verde do outro lado da calçada, para que o tal homem não os visse. Agachou-se e esgueirou-se no pneu traseiro. Sem barulhos significativos. Louzada estava em forma. Mas sua agilidade havia sido em vão. O barulho da porta se abrindo vagarosamente não era da casa 457 e sim a porta da sua casa. Zezé. Louzada gesticulou para que entrasse no mesmo instante em que metera seu rechonchudo rosto na porta para espiar a ronda do marido. Ela obedeceu acenando com a cabeça e entrou.

Após o alarme falso, Louzada saiu detrás do carro e correu em direção à entrada de um edifício do outro lado da rua. Neste edifício havia uma floreira repleta de petúnias roxas. Mergulhou no meio daquelas flores e ficou observando tudo de lá. Cada movimento de cada transeunte das duas calçadas. Um verdadeiro felino. Nem o cheiro das petúnias o fazia espirrar. Nada e nem ninguém, a não ser um formigueiro. Um enorme formigueiro. Louzada tinha horror de formigas. Todo o dia pela manhã matava centenas delas no quintal de sua casa. Decerto, o zelador daquele edifício não realizava o serviço com sucesso.

Subiam pelos pés e entravam pelas calças. Panturrilhas e virilhas repletas delas em fração de segundos. Louzada era caucasiano daqueles bem brancos, beirando o albinismo. Suas canelas e coxas já estavam repletas de brotoejas. Coçava, coçava e coçava. Não agüentaria por muito tempo permanecer ali. Nem o casacão no estilo do famoso Inspetor Bugiganga o salvara daquelas ferozes formigas que estavam danadas por ele ter sentado suas secas nádegas em cima de suas casas subterrâneas. Louzada não suportou e saiu arrancando petúnias e levando outras pela frente. Não vira a grade de proteção da floreira; mais um tombo. Louzada caíra mais uma vez, porém, não ficaria deitado pensando no que fazer. Estava no clima, com a adrenalina nas alturas.

O velho civil ficou rodopiando como se estivesse incorporando uma entidade para tirar as formigas que ainda lhe cutucavam a pele. Algumas pessoas que neste momento passavam pela calçada certamente pensaram que Louzada fosse um maluco ou um homem tomado pelo efeito do álcool. Nada disso. Louzada detestava o álcool. Para ele um homem que bebe é a mesma coisa que um gato. Ou seja, não se deve confiar. Mas álcool era o que mais precisava naquele momento. Um outro tipo de álcool. Para passar nas horrendas bolotas vermelhas na pele. Mal sabiam as pessoas que Louzada era um civil e detestava o álcool.

Rodopiava feito o pião da casa própria do dono do baú. Nem notou os olhares atravessados dos transeuntes. Preocupava-se em tirar aquelas safardanas formigas de seu corpo. Tirou o casaco, levantou as calças até os joelhos, coçou-se em demasia até que a coceira passasse. Precisava ficar tranqüilo. Inspirava duas vezes seguidas sem expirar o ar – havia aprendido isso com o amigo Clóvis Korting. Mas e o carro verde musgo? E o homem da casa 457? Deu-se de conta da falta de atenção causada pelo ataque das formigas. “Ufa!”pensou. O carro ainda estava lá. Deu graças aos céus. Sua chance ainda estava de pé.

Recolheu o casaco do chão, arrumou as calças e apalpou-se novamente para conferir os pertences. Todos nos conformes. Deu apenas uma mexida constante no tornozelo para verificar a faca. Ela estava lá. Olhou para trás e jurou morte àquelas formigas da floreira das petúnias. Jurou morte a elas pensando em um bom inseticida para efetuar a chacina. E agora, onde iria esconder-se? Precisava de um lugar. De preferência um lugar próximo com uma visão direta para o carro e para a casa 457. “O latão de lixo!” – sugeriu-se interiormente. O latão era o melhor e mais próximo esconderijo, excluindo a floreira.

Em cinco passos largos estava sentado atrás do latão de lixo verde. Aqueles latões, além de serem bons para a coleta do lixo, eram altos e davam espaço para até três pessoas esconderem-se. Louzada estava folgado. Vários sinais lhe davam indícios para desistir: o tombo na frente de casa, sua esposa curiosa na porta de sua casa e o ataque das formigas da floreira. Teimava, assim como os velhos tempos de policial. Mirava com os olhos estalados aquele carro. Era um Golf. Talvez 2004 ou 2005. Com os vidros escuros e rodados espelhados, reluzentes. Um investimento de mais sessenta mil reais, certamente. Mais de sessenta. Louzada ficaria bem naquele carro. Pensou em trocar o seu Golinho mil, vinho, por um daqueles mas relutou. O dinheiro da aposentadoria não lhe conferiria oportunidade para esse tipo de luxo.

Um sinal. Um carro? Outro carro? “Ah, meu Deus!” – exclamou. A casa nunca havia dado sinais tão fortes de visitas tampouco de moradores. Havia estacionado atrás do golf verde musgo, um gol vermelho, quase igual ao seu. Vermelho? Os carros haviam aprontado uma com o problema de daltonismo do velho Seu Afonso: um carro vermelho e outro verde e não apenas um carro. Um carro colorado tão colorado quanto o velho Louzada. Faróis ligados e ninguém descia dele. As pernas de Louzada já davam indícios de dormência e dor pelo tempo que ficara agachado atrás do latão de lixo. Através do vidro enxergava somente uma silhueta. A silhueta de uma mulher. Certamente era uma mulher.

“Um homem e agora uma mulher?” – analisou mentalmente. A casa 457 seria uma casa de encontros? Um motel? Mas como isso se ninguém havia enxergado nenhum sinal, muito menos um caminhão de mudanças trazendo as tralhas de novos moradores. Realmente era um mistério que Louzada precisava descobrir. As formigas nem eram nada. O problema eram as pulgas atrás de suas orelhas que cada vez mais lhe mordiscavam. A casa misteriosa realmente fazia jus ao título que ganhara dos vizinhos.

A porta do gol vermelho se abrira. Uma mulher. Havia sido confirmada a suspeita de Louzada. Aqueles olhos felinos não se enganavam nunca. Uma estonteante mulher. “Uma balzaca” – analisava o civil. Decerto sabia pelos trajes que vestia e pelo modo de andar. Porta do carro fechada e os faróis do carro ligados. Mulheres sempre esquecem os faróis ligados, não aprendem. Louzada se conteve em avisá-la, chegou a pressionar os lábios para manter a língua lá dentro. Conseguiu ficar em silêncio.

Dedo na campainha. Três toques repetidos e uma batida com a mão na porta. Talvez um código. Louzada analisava e anotava mentalmente esses detalhes. O homem. Um homem havia aberto a porta e esticado a mão para a mulher. Talvez o homem que Louzada havia visto. Ou outro? Tudo muito rápido, mesmo sem as pestanejadas de Louzada. Duas incógnitas agora apenas em uma noite. Quem seria o homem do golf verde musgo? E a mulher do gol vermelho? Louzada esperaria os dois saírem de lá? Avisaria para a esquecida mulher dos faróis ligados? Louzada precisaria decidir qual o próximo passo a seguir.




Um sexagenário curioso, aposentado da polícia civil, pagando uma de detetive! Qual seria o próximo passo de Louzada? Isso é o que você confere no capítulo de amanhã do folhetim "A Casa 457".

sexta-feira, 28 de março de 2008

A Casa 457 - Capítulo II


A Dona Zezé era muito orgulhosa e adorava ganhar méritos por descobrir alguma coisa. Mas não havia escapatória. Definitivamente não havia. Ninguém conhecera algo palpável da casa misteriosa, muito menos sobre os possíveis moradores de lá. Ela precisava partir da premissa menor, a do nome do cidadão da casa 457 para aí sim pode pesquisar sobre a pessoa em si e não acerca da casa. Precisava pedir ajuda ao velho e teimoso Joaquim. E foi o que fez, assim que chegou a sua casa.

- Joaquim! Velho, cadê tu? – gritava na porta de entrada da casa.
- Aqui na cozinha! – respondeu o Joaquim lá do fundo corredor.
- Querido, querido, vamos jantar? – vinha gritando a Zezé para o velho. E o velho já com o tímpano desgastado escutar:


- Como? Vamos jogar?
- Jantar velho! Jantar! Ficou surdo de vez?
- Agora entendi!
- Mas desde quando nós jantamos, minha velha? Nós só tomamos café e pão, pão e café!
- Hoje vai ser diferente! Vou fazer uma janta bem saborosa para nós!
- Vai chover canivetes... Estás querendo alguma coisa, decerto? Pode pedir, pede...
- Não quero nada não querido...
– contornava a Zezé.
- Eu te conheço! 43 anos de casamento e eu conheço o teu rosto quando queres alguma coisa, pede logo e não gasta tempo fazendo janta!
- Tens razão... eu quero sim. Quero te pedir algo muito simples que é para o bem dos nosso vizinhos e meu também!
- Se estiver ao meu alcance... mas não esquece que eu não gosto de me meter em encrencas, ouviu bem?
- Tá bom seu velho lambão, presta atenção... sabe a casa aqui ao lado, a 457?
- Claro, a casa misteriosa...
- Pois bem, decidi que iria descobrir quem mora na casa e estou fazendo isso faz quase um mês.
- É por isso esse caderninho aí no teu bolso? Andas anotando as pistas, é?
- Mas como tu sabes disso, querido?
– questionava Zezé.
- É óbvio! Anos na polícia. Sei de cor e salteado cada movimento teu. E te digo, acho que isso deve ser uma encrenca das brabas!
- Sendo assim não vais me ajudar? Não vais ajudar a tua Zezé?
– disse com uma voz tão doce quanto mel que só as mulheres sabem fazer.
- Velha, velha, velha... eu já tenho 65 anos, já vi de tudo nesta vida. Mas essa casa aí ao lado – apontava para a parede da cozinha que dava lados para a casa 457 – me perturba, me coça a massa cinzenta de tanta curiosidade.
- Isso quer dizer que vais me ajudar? Isso é um sim?
- Estou contigo nesta! Talvez me arrependa mas também vou matar essa curiosidade que me assola. Porém
- disse com o dedo em riste –, porém há uma condição para isso!
- Qual meu velho? Faço qualquer coisa...
- Tu não irás sair de casa enquanto eu faço as investigações, está combinado? Abres mão do caso da casa 457! Tu serás a minha base, ficarás no máximo sentada na frente de casa cuidando o movimento, ok?
- Fazer o quê... mas não me esconderás nadinha, nadinha sobre os acontecimentos, está bem?
- Combinado! Agora me passa para cá esse caderninho aí para eu me interar do caso e sair para fazer a primeira ronda. E completou já dando ordens do velho civil Joaquim Louzada:

- Enquanto leio as tuas anotações, prepara o café para nós tomarmos antes que a tua novela acabe! Zezé, agora uma comandada, apenas balançou a cabeça positivamente e foi para o fogão.


O Joaquim gostava de ser chamado de Louzada. Isso o fazia sentir-se imponente, impávido, talvez até um tanto colossal. Lia as anotações do caderninhos com aquelas letras miúdas da canhota Zezé, com os olhos apertados, olhos momentaneamente orientais. Arrancou uma folha de papel e ia redigindo palavras-chaves. Resumiu em quinze minutos vinte e poucas folhas em míseras palavras em apenas uma folha. Uma folha de mais ou menos dez por cinco centímetros. Fechou o caderno. Caso resumido e diagnosticado. Agora era a hora de ir para a ronda. A primeira ronda do reingresso artesanal e pessoal de polícia civil. Sentia-se realmente um PM.

Engoliu o café em goles retos sem bochechar e sem nem sentir o gosto do amargo café sem adoçante. Beliscou um pedaço de pão francês com geléia de uva. Zezé tinha a mão boa para fazer doces, vivia agradando o seu velho com guloseimas de dar água na boca, mas doces com uva, era especialista. Costume que aprendera com as gerações passadas da família materna vinda de Caxias de Sul, de colonização italiana. Zezé tirava até um bom dinheiro em épocas festivas vendendo doces encomendados pela vizinhança. Sua torta de uva era um fenômeno. Certa vez até vendera uma dezena para a organização da recepção ao governador do Rio Grande do Sul Jair Soares, no final dos anos 80, que visitara a cidade do Rio Grande.

Joaquim dirigiu-se até o quarto para vestir uma roupa mais apropriada. Era de se rir o traje do velho. Parecia o 007, tal qual a imagem do agente secreto famoso. Quando fora à cozinha despedir-se de Zezé, sua mulher de desmanchara de em gargalhadas:

- Velho, só tu mesmo! Já te olhasses no espelho?
- Não. Essas tuas risadas tem um por que cabível?
- Estás com um buraco nas calças, bem na parte das nádegas!
- Não acredito...

- Deve ser coisa das traças. Já te disse que esse armário está velho e precisa ser trocado!
- Vou trocar de roupar então, ainda bem que falei contigo antes de sair...
– ignorando o necessário consumismo de Zezé.

Trocara de roupa. Um traje mais visível, mas ao menos não estava rasgado. Trajava um daqueles casacões daqueles compridos até a altura das panturrilhas, um casacão bege. Não parecia mais o 077 e sim o Inspetor Bugiganga pela cor do casaco e pela quantidade de bolsos. Sem contar o gorro verde que pegara para esconder um pouco do cabelo grisalho. Um PM aposentado, à paisana, em plena noite de Rio Grande para descobrir quem morava na misteriosa casa 457. Faca na meia direita para alguma eventualidade, caderninho no bolso esquerdo do casaco junto de caneta presa ao spiral e um saco plástico no bolso direito. Mas para quê um saco plástico? Essa era a arma secreta de Joaquim. Aprendera no filme "Tropa de Elite". O saco poderia ser a sua salvação. Estava pronto para ir à ronda.

Gritou da porta central “Já vou querida!” – e nem ouvira resposta. Decerto, Zezé estava com os olhos colados na novela das oito ou no BBB. Era fã do BBB. Adorava bisbilhotar a vida alheia dos vizinhos, talvez aprendesse isso assistindo ao Big Brother Brasil. Joaquim bateu a porta. Respirou fundo. Estralou as costas para aliviar os anos e a dor na hérnia de disco. Conferiu cada bolso para ver se estava tudo ali. Mexeu o tornozelo para verificar se a faca também estava bem acomodada. Deu o primeiro passo, enfim. Tropeçara no trilho da pantográfica e despencaria de cima do primeiro degrau com as mãos em direção ao chão. Que dor sentira. Não conseguira levantar-se de primeira, como fazia nos tempos de polícia em chamados emergenciais. E nem de segunda.

Era como se os anos lhe pesassem as costas ou algum sinal celestial o avisasse da confusão ou do perigo em que estava se metendo. Ficou ali deitado, estirado no chão com o rosto colado às lajotas trabalhadas do século vinte. A visão não era seu ponto negativo, orgulhava-se disso. Tinha olhos de lince. Mas naquele momento seus olhos estavam embaçados talvez pela batida que dera com a cabeça na calçada ou, quem sabe, as lágrimas que lhe encheram os olhos d’água pela dor. “Não posso ser Joaquim, preciso ser Louzada novamente!” - falava interiormente para ter um incentivo de levantar-se. E nada. Não conseguia. Suas pernas já respondiam, mas seus olhos o deixavam a desejar, não lhe davam certeza. Piscava-os fortemente balançando a cabeça para os lados enquanto que apoiava as mãos no chão.

Um carro parava à frente da casa 457. Um estranho descera rapidamente do carro com sacolas nas mãos e entrara na casa. Não conseguia o enxergar. Malditos olhos! Quando mais precisou deles, não puderam lhe assegurar o que via. Uma das pistas havia sido confirmada, a pista do Seu Afonso, o daltônico. Mas como o estranho não o veria ali estirado do chão? Um ancião. Que falta de humanismo e solidariedade. Não sentia raiva do estranho, até esquecera-se da dor na hérnia. Sabia que era um homem pela silhueta e pela forma de como havia caminhado, mas não conseguira identificar se o estranho era branco, pardo ou afro-descendente.

A casa 457 lhe dava mais uma confirmação: a casa não recebia apenas visitas de um carro – agora confirmando a presença também de um homem – todo o dia 7 de cada mês. Era dia 28 de outubro. Faltavam 11 dias para o dia 7. Mais uma pista confirmada e também desconfirmada. O tombo nem mais o incomodara. Ainda deitado fazia planos de continuar deitado até que o estranho homem saísse. Será que devia lhe pedir ajuda para levantar-se? Ou quem sabe levantar-se e esconder-se entre a porta de madeira e a porta pantográfica de sua casa? Ou ainda fingir-se de morto para analisar os movimentos do tal elemento? O aposentado Joaquim, ainda empunhando o imponente cavanhaque dos tempos de civil, precisava encarnar novamente o velho e destemido Louzada. O que ele deveria fazer? Teria medo? Qual seria a melhor saída?




Curiosidade mata? Ou o saco de plástico do Louzada matará alguém? Amanhã, a continuação com a terceira parte do folhetim "A Casa 457".

quinta-feira, 27 de março de 2008

A Casa 457 - Capítulo I

Ninguém entendia a rotina da casa 457 da Rua Dezenove de Fevereiro. Era tudo muito estranho, extremamente estranho. Era a casa mais antiga da rua, talvez um mistério por ser a primeira. Quem sabe uma casa mal assombrada? Uma bruxa em pleno século vinte e um? Ninguém realmente compreendia o que acontecia ali. As cortinas eram o único sinal de gente dentro da casa. À noite, fechavam-se sem ninguém aparecer para fechá-las. Pela manhã, amanheciam abertas. Os vidros? Sempre fechados. Talvez uma casa fétida devido à umidade ou ao mofo, sem ventilação.

A casa 457 era o nome diabólico e misterioso pela qual a casa ficou conhecida. Normalmente os vizinhos sabem o nome de seus vizinhos ladeados. Da casa 457 ninguém sabia o nome de algum morador. Há mais de anos, nunca se viu o rosto ou a silhueta de alguém dali. De quando em vez, alguns entregadores de panfletos colocavam por debaixo da porta propagandas de supermercado ou de lojas de eletrodomésticos. Mas no outro dia, os folhetos já estavam do lado de fora, expulsos pelo mesmo lugar que entraram. Uma incógnita das boas para qualquer vizinho metido a detetive averiguar.

Poucas pistas, nada muito palpável para começar-se uma investigação. Mas suficiente para a Dona Zezé, a vizinha ao lado esquerdo da casa misteriosa, iniciar uma coleta de informações e pequenos fatos com a vizinhança. A Dona Zezé era uma professora aposentada do município. Ficava em casa todos os dias assistindo televisão e perambulando para lá e para cá nas portas das casas da vizinhas sexagenárias. Um tipo de mulher desocupada, que já trabalhara demais pela educação do município de Rio Grande e que precisara ocupar-se para não começar a sentir as pernas retraídas pelas varizes ou pela falta de caminhadas ao corpo. Resolvera então levar o caso a sério. Bem a sério.

Durante semanas abordou desde os vizinhos mais antigos até os mais novos. A Rua Dezenove de Fevereiro era uma rua geriátrica. 95% dos moradores dela já passavam dos sessenta anos. Os 5% restantes eram representados pela segunda e terceira geração da família dos mais antigos, das avós e avôs, ao longo da única quadra da rua.

Dona Zezé, como uma boa vizinha fuxiqueira, andava com um caderninho dentro do maior bolso de seus camisolões. Não sentia vergonha de andar para um lado e para o outro com aqueles vestidos chamativos. Talvez eles fossem até um disfarce de efeito contrário. Com os olhos das pessoas atentos aos seus vestidos, tinha a oportunidade de passar despercebida pelos vizinhos enquanto apontava as pistas, discretamente, em seus alfarrábios. Um mês. Esse era o prazo que lhe tinha estipulado para o recolhimento de pistas para depois sim agir na prática. Talvez invadindo a casa pelo muro do quintal já que era vizinha de lado da casa 457. Era o único plano que tinha até então.

Com o tempo, descobrira muitas pistas pequenas que teriam possivelmente uso a médio-longo prazo. Do Seu Afonso pescou que os moradores daquela casa recebiam visitas de um carro verde ou vermelho – Seu Afonso não tinha certeza da cor, pois era daltônico – todo o dia 7 de cada mês. Da Dona Maria Izabel conseguiu a informação de que um menino de vez enquanto os folhetos das propagandas expurgados por baixo da porta e pegava um envelope de dentro dos folhetos. Entre outras pistas, Dona Zezé havia conquistado do eletrecista Bartolomeu a melhor delas: a casa 457 não possuía luz e nem telefone.

"Mas como alguém poderia viver sem luz e sem telefone nos dias de hoje?" – foi a primeira coisa que Dona Zezé pensara. Pensou duas vezes no que faria para descobrir o porquê da casa 457 não ter luz. Telefone até era de se entender devido aos altos preços das novas regras de telefonia fixa. Mas luz? Como viveriam as pessoas, a pessoa ou qualquer coisa desconhecida naquela casa? À luz de velas? Ou talvez lampião com óleo de baleia? Precisava descobrir. Essa seria a primeira pista que correria atrás. Resolvera então ligar para a CEEE para averiguar qual a razão da falta de luz. Achou melhor não ligar de casa. Esperaria acabar a novela das sete, o Jornal Nacional e ligaria de um orelhão. Um orelhão!

Após o Jornal Nacional, deu boa noite ao William Bonner e a Fátima Bernardes, e correu então até o telefone da esquina carregando em mãos a sua conta de luz com o 0800 para não esquecer o número. Levantou o telefone do gancho com a mão direita, segurando a chave de casa e a conta na mão esquerda. Pensara mais uma vez: “Será mesmo que eu devo fazer isso?” – receosa do que poderia vir a acontecer caso a descobrissem. “Mudo a voz, faço uma voz mais rouca e abafo o fone com papel. É isso!” – e assim o fez:

- Bem-vindo a CEEE 24 horas! Se você precisa comunicar alguma emergência disque 1. Para outros serviços disque 2. Para falar com algum de nossos atendentes disque 9!” – anunciou a central automática de atendimento. Dona Zezé nem titubeou em qual dos números apertaria. Apertou o 9 em seguida do anúncio do número. Precisava falar com alguém e assim foi:

- Boa noite, meu nome é Carlos, em que posso ajudar?
- Oi... olá...
– sestrosa com a situação. – Preciso descobrir em que nome está vindo a conta da luz de uma casa?
- Como assim senhora? A senhora poderia ser mais objetiva?
- Eu preciso saber o nome do dono ou da dona da casa que aluguei para efetuar a troca do nome do cadastro
– explicou falsamente.
- Agora compreendi. Pois bem, o cadastro pode ser alterado, mas a informação do nome do proprietário ou locatário da casa não pode ser concedida para qualquer pessoa.
- Como não?
– disse em alto tom com a voz abafada pelo papel da conta da luz.
- Senhora, é uma norma que nós da CEEE temos em preservar a identidade das pessoas. Para descobrir o nome do cadastro relativo a uma residência apenas com uma ordem judicial ou com a intercessão da polícia. Para que depois de recebida a ordem ou a intercessão, possamos estar passando para a gerência autorizar, para que depois possamos aguardar o retorno até o setor de atendimento para que em seguida possamos estar repassando o número do termo para que aí sim concebamos dentro de 48 horas o repasse do nome completo que está no cadastro da CEEE – explicou com aquele jeito de atendente de telemarketing, exagerando nos gerúndios.
- Mas eu só preciso saber o primeiro nome! – falou Zezé, irritada pela negação e pelo exagerado gerundismo de Carlos.
- É norma senhora, sinto não poder ajudá-la. CEEE 24 horas agradece a sua ligação. Tenha uma boa noite! – despediu-se o atendente, desligando o telefone sem mais delongas no tímpano de Dona Zezé que ficou ouvindo o "tu-tu-tu" constante.

A tática do aluguel da casa para descobrir o último nome registrado no banco de dados da CEEE havia falhado como os velhos transformadores da Rua Dezenove de Fevereiro, que de quinze em quinze dias davam problema. A detetive Zezé teria uma outra idéia retornando após a negativa do 0800. Seu marido, o velho Joaquim, era um velho português aposentado da polícia civil local. Ele poderia mexer os pauzinhos com os velhos conhecidos da polícia e conseguir uma ordem para quebra de sigilo do nome no banco de dados da CEEE. Seria essa a melhor saída? O velho Joaquim não gostava de meter-se em encrencas. Zezé abriria o jogo da investigação da casa 457 para Joaquim? E quem seria o vizinho ou a vizinha da casa 457? Uma bruxa? Um extraterrestre? Ou talvez o esconderijo de Ulisses Guimarães?



Ficou curioso? Hein? Mate a sua curiosidade amanhã, no segundo capítulo do folhetim "A Casa 457"!

quarta-feira, 26 de março de 2008

Profissões


Aos cinco anos queremos ser bombeiro. Quando completamos oito anos optamos por ser jogador de futebol ou maquinistas. Já aos nove anos, deixamos de querer ser jogador ou maquinistas e escolhemos seguir pelo caminho da arquitetura ou, quem sabe, pelo da advocacia. Dois anos depois, aos onze anos, mudamos de novo e pretendemos: ser médicos ou donos de um banco. Aos quatorze anos começamos a amadurecer e as vontades finais começam a pairar sobre nossas cabeças, talvez seguir pelo caminho da comunicação, talvez o jornalismo ou uma faculdade de publicidade. Realmente, escolher uma profissão é algo extremamente cansativo, desagradável e desapontante.

Quando somos pequenos nem vemos o peso da responsabilidade que nossos pais têm em realizar suas atividades profissionais. De manterem a casa limpa e organizada assim como a relação conjugal deles. Sem levar em consideração o esforço que também fazem para pagar as contas da luz e da água; do gás, dos telefones, do IPTU da casa, do IPVA do carro e, claro, da mensalidade colegio. De nos paparicarem, de nos darem roupas novas e as vacinas no período correto. Nunca esquecendo também o dinheiro gasto na gasolina e no óleo do carro. E mais outras mil e uma funções que eles realizam, não esquecendo nunca da de cuidarem da gente e do nosso futuro.

Os anos voam e o sonho de ser isso ou aquilo vai deixando de ser utópico, ficando apenas mais selecionável. Deixamos de querer ser bombeiros por medo do fogo ou pelo medo de grandes alturas. Jogador de futebol até conseguimos ser empurrando com a barriga, mas abrimos mão de ser maquinistas pelo tédio das linhas paralelas nos guiando apenas por caminhos já trilhados por outros. A arquitetura é o ramo para quem gosta de planejamento estético e também de números e cálculos – deixamos de lado por causa da temida matemática. Já o caminho da advocacia, abandonamos por não gostar de mentir para livrar alguém culpado da pena humana em troca de alguns gordos honorários.

Aos onze anos deixamos de lado o sonho da carreira de medicina. Claro! Afinal, se o sangue nos enjoa e nos faz vomitar, decerto, esse não é o caminho mais correto. E imagine só: ser dono de um banco. Até podemos, mas para isso precisamos compreender bastante de administração, de conceitos econômicos, índices financeiros e fórmulas matemáticas e, por conseqüência, apelaríamos novamente para a matemática. Mais um sonho profissional deixado de lado. Nada de sentarmos atrás de uma mesa e colocar os pés para cima enquanto outros lidam com o que usamos para suprir nossas necessidades da vida globalizada.

Quatorze anos! A flor idade. Talvez uma idade em que a grande maioria dos jovens decida mais precisamente qual caminho deseja seguir. É o momento ideal de eliminar alguns daqueles sonhos profissionais de criança dos quais ainda tínhamos esperança de realizá-los. A fantasia de ser bombeiro é definitivamente deixada de lado. Assim como a esperança de fazer gols em gramados europeus, de levar vagões a um determinado destino, de traçar casas futurísticas para pessoas morarem. É a hora de deixar para outras pessoas o poder de defender casos impossíveis. É chegada a hora de largar os sonhos de dar mais saúde e esperança às pessoas, assim como também é a hora de decidir não querer guardar o dinheiro de outros em cofres de segurança máxima.

É tudo culpa do tempo. Transformamo-nos em nossos pais – ou em algum de nossos responsáveis, sejam eles avô, avó; tio ou tia. Nada é mais frustrante do que exercer uma profissão sem ter prazer ao executá-la. É como tirar um dez numa prova final colando toda a prova do colega. Uma fotocópia da primeira até a última questão. Por mais que haja êxito e felicidade na aprovação na passada de trimestre ou ano, no fundo, lá no fundinho no âmago, no cerne do nosso interior sensitivo, saberemos que depois de passada a euforia instantânea do prazer, não estaremos completos pela sensação de algo não realizado com nosso próprio esforço. Colar é coisa de criança, de adolescente. Todos algum dia já fizeram uma falcatrua dessas. Eu já fiz. Esse prazer instantâneo é exatamente como acontece nas escolhas profissionais. Sem ter certeza do que ser quer, se arrisca. Muitas vezes, se cai do cavalo.

Dia desses li um artigo antigo, da época de cursinho pré-vestibular do já longínquo 2004 – ano do meu primeiro carro – em que um tal de Stephen Kanitz falava sobre as duas decisões da vida de um adolescente: a escolha do cônjuge e a escolha da profissão a seguir. Escrevendo este texto parei para pesquisar sobre Kanitz, até porque na época não dei muita bola para o autor daquele artigo recortado da revista Veja, de 2002, e fotocopiado por um professor. Kanitz é administrador de empresas e nos últimos dez anos dedica-se a conferências. No artigo “Escolhendo uma Profissão”, conseguiu, de certo modo, me abrir os olhos a seguir o caminho de que mais gostava, por conseqüência, aquele que me garantia mais prazer em trilhá-lo.

Na hora em que li o artigo de Kanitz percebi que certos sonhos profissionais me fugiam de alcance devido ao grande grau utópico que apliquei em cima deles. Claro, não possuía mais nem uma mão cheia de caminhos a trilhar. De todos aqueles sonhos das fases infantil e pré-adolescente ainda mantinha dois deles: a faculdade de Jornalismo e a de Publicidade e Propaganda. E mais outra opção que aparecera com o tempo, a faculdade de Educação Física. Três caminhos, três possibilidades de sonho profissional do qual poderia desfrutar de gozo eterno se as realizasse com prazer.

O Kanitz tinha razão.

Dito e feito. Hoje sou jornalista e me orgulho muito da minha decisão. Perco horas – perder na teoria de alguns –, na verdade, as ganho, pois faço com prazer aquilo que aprendi durante anos dentro da Universidade Católica de Pelotas. Sem contar em tudo que aprendi fora da faculdade. Livros, artigos, pesquisas, eventos científicos, simpósios, colóquios, enfim. Pode parecer chato para alguns. Mas, para mim, não é. Assim como a matemática pode ser o êxtase para você, para mim é justamente o contrário. Certa vez um de meus professores disse: “Tens que ler aquilo do qual tenhas interesse, que tenhas tesão em ler em pleno sábado de madrugada, sabendo que poderias estar com os teus amigos aproveitando uma festa”sábias e diretas palavras de Antonio Heberlê, o “Toninho”.

Sou um cara realizado por ter escolhido o rumo profissional correto. Ainda tenho muito que aprender. Pretendo ainda evoluir em meus estudos. Uma pós-graduação, mestrado e depois doutorado. Antes, irei cursar a faculdade de Publicidade & Propaganda para ter mais uma meta prazerosa cumprida. A Educação Física ficou em segundo plano. Faço a minha natação e jogo o meu sagrado futsal de quando em vez, apenas com os amigos. Mas, mesmo assim, posso afirmar que jogadores de futebol sempre seremos, homens e mulheres. Porque todo brasileiro tem um jeitinho diferente e maroto de saber defender e atacar nos piores momentos. Sabendo virar o jogo aos 47 minutos do segundo do tempo com um gol de barriga ou de nariz. Que seja assim também no campo das profissões. Se pintar algum problema, peça substituição. Não se envergonhe! Peça para sair e procure aquilo que te faça sentir tesão profissional em plena madrugada de sábado.

Te-são.

terça-feira, 25 de março de 2008

Mil Desencontros


“Para cada encontro perfeito existem mil desencontros.”

Neste mundo repleto de pessoas desconfiadas, desconfiadas até com a própria sombra, nada mais comum do que apenas um encontro perfeito em inúmeros outros. O Lopes já devia estar chegando próximo ao encontro de número mil. Nunca contara os encontros, mas já se aproximava da sua grande chance de ter um encontro com uma pessoa que o completasse. Que soubesse o verdadeiro significado de ter um companheiro. Um companheiro fixo e fiel por mais semanas, mais de mês. Na verdade, por mais de anos e anos, sem mais desencontros.

Lopes tinha 52 anos e era um apaixonado pela vida. Morava sozinho na cobertura de um edifício da maior praia do mundo. Acordava todos os dias bem cedinho para ver o dia nascer. Preparava o fiel café preto acompanhado por um pão francês molhado com manteiga e por duas bananas. Acreditava que as duas bananas no café da manhã e duas à tardinha mantinham seus músculos rijos. Ele acreditava tanto no poder das bananas quanto no poder do amor. Largava a xícara suja na pia, escovava os dentes e partia rumo à cidade para ir trabalhar. Lopes era advogado e dava aulas no curso de Direito e Letras da FURG.

O encontro perfeito para Lopes não havia acontecido, tinha certeza disso. Até gostara de alguns encontros, mas o encontro perfeito, batia o pé que não o tinha realizado. Muitos desencontros. Ficava mirando as mulheres nos olhos, tentando as compreender o que passava por detrás daquelas retinas brilhantes. Umas o tinham como exemplo de homem maduro e experiente para apenas uma noite; outras apenas acreditavam que Lopes era um daqueles tarados de gostar da noite, das cervejas ou das sinucas; E algumas que não tinham assunto – Lopes detestava esse tipinho. Um advogado bem sucedido e professor de uma Universidade Federal não gostavam do vazio. Gostava de conteúdo, gostava de qualidade. Podia gostar disso e ter isso, mas a perfeição ou quase perfeição não havia se chegado para os lados dele.

Anos e anos de muitos happy hours com outros advogados, amigos e colegas professores da FURG. Às vezes, até os próprios alunos o convidavam para os churrascos das turmas. Lopes era um professor moderninho. Não apenas colaborava dando uma caixa de cerveja ou meia dúzia de fardinhos, como também ia aos churrascos e, certa vez, até atacara como assador. Foi neste dia que Lopes conseguira finalmente e excepcionalmente devido ao lugar onde estava ter o encontro quase perfeito. Perfeito se não fosse ele deixar a base sustentadora da churrasqueira cair e, por conseqüência, todos os espetos com as carnes fincadas caírem no fogo e no carvão. O encontro ainda não estava perdido, mas o churrasco sim.

Depois de tantos jantes italianos, portugueses e até japoneses – Lopes detestava comida japonesa com aqueles peixes crus quase vivos no prato, mas fazia o esforço de ir a esses restaurantes para agradar as acompanhantes – resolveu então fazer diferente, ter um encontro extraordinário, fora do comum. No dia do churrasco da turma de Direito, resolvera abandonar todos os moldes e formas de encontros passados e convidar uma aluna para acompanhá-lo. Precisava arriscar, precisava achar alguém que o completasse. Tinha 52 anos e estava mais do que a hora de apaixonar-se para valer. Ainda poderia ter filhos se achasse uma companheira mais nova ou talvez adotasse um ou dois. Adorava crianças.

O convite havia sido aceito. Quase toda a turma da Direito dançando o funk do "Créu", enquanto outros bebericavam cervejas e conversavam em rodinhas. Lopes estava fixo, atento, mais focado que um tubarão na hora da refeição, olhando para mais de dúzia de espetos com a carne. Foi quando ela entrou. Neste momento Lopes arrumava o apoio dos espetos para garantir que eles não caíssem. Pelo contrário, no momento que ela adentrou a garagem da casa onde estava sendo feito o churrasco da turma de Direito, Lopes perdeu os sentidos. Nunca havia sentido aquilo antes. Um arrepio da ponta dos dedos dos pés até a ponta do maior fio de seu cabelo preto agrisalhado. Perdeu tanto os sentidos que as forças lhe faltaram nas mãos e na mandíbula. Os espetos do churrasco se misturaram ao fogo e a boca dele parecia não fechar, como se fosse um bebê babão mirando alguém.

Lurdes. Esse era o motivo da desatenção de Lopes. Lurdes era acadêmica da faculdade de Direito. Era veterana no curso. Era a mais velha da turma e já havia sido aluna dele. Tinha 42 anos. 42 anos que o tempo esquecera-se de lhe causar a lei da física de que tudo que sobe, desce. Estava tudo em cima, nada down. A turma não vira o churrasco desabar no fogo, assim como Lopes. Lurdes entrou como se estivesse numa passarela, num desfile de modelos. Cumprimentou alguns e foi ovacionada por outros pela entrada triunfante. Um mar de acadêmicos aberto, cortado por Lurdes, que encarnava Moisés naquele momento. Ao fundo, a churrasqueira e Lopes, boquiaberto.

- Oi Professor, atacando de assador, então?
- Si-si-si-sim...
– gaguejou Lopes, odiara gaguejar nos momentos mais decisivos.
- E vai sair alguma coisa daí? Estou faminta!
- Pois é, está quase no ponto olhe...
– neste momento Lopes percebeu a vacilada que dera em deixar cair aquela base sustentadora dos espetos. – Meu Deus, caiu tudo! – explicou-se.
- E agora? O que farás? O que comeremos? – perguntou Lurdes.
- Está tudo perdido, ainda bem que eles não viram! – justificou-se.
- Tive uma idéia Lopes!
- Por favor, diga-a...
- Ligamos para a pizzaria daqui da esquina e pedimos uma dúzia delas. Ao menos ninguém irá passar fome pelo desleixo do assador!
- Ótima idéia Lurdes! Mas posso te pedir uma coisa?
- Claro, peça.
- Não me chame de Professor! Apenas Lopes ou Paulo, ok?
- Seu pedido é uma ordem, professor! Ou melhor, Paulo. Paulo é melhor.

Lopes o mirava com os olhos de um caçador. Um caçador à procura da melhor carne, uma carne de qualidade no primeiro olhar, no primeiro momento. Enquanto ela estava ao celular, voltara à realidade assistindo a realidade e pensando no futuro. Lurdes além de linda, tinha conteúdo. Lopes adorava mulheres decididas com idéias afloradas nos piores momentos. Lurdes era ela. Tinha certeza que era. E aquele arrepio? Nunca havia sentido. Nunca mesmo. Talvez aquele diferente encontro fosse o encontro perfeito. A frase que sua secretária do escritório de advocacia talvez estivesse realmente tomando forma. Forma de um futuro pretendido.

Em quarenta minutos a campainha tocou. Lopes e Lurdes foram correndo até a porta da garagem para receberem as pizzas. 12 pizzas! Um dinheirinho a menos na carteira de Lopes, mas uma companhia deveras agradável para um encontro despretensioso num lugar diferente, longe dos restaurantes italianos, portugueses e japoneses, em que arriscou suas fichas através de uma mensagem de texto do celular. Lurdes havia ido ao churrasco por causa dele ou por causa do churrasco de sua turma? Havia uma incógnita e Lopes precisava descobrir o quanto antes. Era persistente não só no amor, mas em qualquer questão. Acreditava que para tudo havia solução.

- Pessoal! Venham, está pronto! – chamou os alunos.
- Colegas, está na mesa! – reforçou Lurdes.
- Pizzas? E o churrasco, professor? – perguntou um dos alunos.
- O churrasco foi para o espaço, ou melhor, para o fogo! E tenho dito, o caso está encerrado! As pizzas são todas para vocês. Esta é a minha pena já cumprida!

Lopes precisava tirar Lurdes dali enquanto os alunos comiam as pizzas. Resolveu tentar, afinal, aquele arrepio não deveria ter sido em vão.

- Lurdes, vamos lá para fora enquanto eles comem?
- Vamos sim, deixa eu pegar só um pedaço da pizza, está bem?
- Cla-cla-cla-rooo. Claro
– gaguejara de novo diante da resposta dela – ódio novamente por isso.

Foram para o jardim onde não havia mais ninguém. Afastaram-se do grande grupo e começaram a conversar a som de funks e músicas mais contemporâneas. Lopes, um advogado experiente com anos de lábia profissional, começara a despejar elogios a Lurdes. Lurdes, uma quase formada advogada, respondia meias-palavras recíprocas com sorrisos de meia-lua junto aos olhos puxados quase fechados de vergonha. Diferente dos outros encontros, a noite acabaria em pizza e não em um restaurante daqueles que Lopes conhecia bem. Lopes aprenderia que mudar a forma de agir sem esquecer o objetivo final é, às vezes, a melhor saída para se conseguir um encontro perfeito, ou melhor, quase perfeito.

segunda-feira, 24 de março de 2008

O Balconista

O Luciano era o balconista mais conhecido de uma loja representante de uma operadora de celulares. O trabalho era feito sob medida para ele. Comunicação. Ai está a palavra que o Luciano gostava e gozava das ferramentas e das conseqüências dessa palavra de grande amplitude. O emissor competente com uma persuasão rápida, envolvente, capaz de vender os planos e os celulares mais caros para qualquer pessoa, especialmente, para as mulheres. Era o queridinho delas.

Virava e mexia e sempre aparecia um bilhetinho ou um pedaço de folha de caderno em cima do balcão de onde atendera. Enquanto buscava o aparelho pretendido pela cliente no estoque da loja, virgens e desvirginadas esbaldavam-se na ousadia de tentar persuadi-lo para um jantar, uma viagem ou uma noite de festa. Festa, outra palavra que Luciano gostava, na verdade idolatrava-a. Uma semana de muito trabalho e a recompensa? Seriam as festas nos finais de semana, junto com as mulheres, algumas de suas clientes.

Nos bilhetinhos que deixavam, flertavam com elogios e frases curtas. Já o Luciano como bom malandro que era, anotava no verso do mesmo papel deixado pelas clientes, o número do telefone correspondente de cada uma delas. Naquela sexta à tardinha, em um último atendimento depois de um dia cansativo de trabalho, adentraria na loja uma deusa de ébano. Uma mulata de tirar o fôlego da torcida do Flamengo. Ele é quem desejara deixar seu número, mas aconteceu o contrário. Ela deixara o nome e o telefone, o mesmo ritual dos bilhetinhos que acontecia com as outras clientes e, certa vez, até com um cliente.

- Aqui está o modelo que a senhora pediu!
- Senhora? Me chame de Suzana
– corrigiu-o.
- Está bem dona Suzana, desculpe.
- Errou de novo, apenas Suzana.

Suzana dali girou as sandálias e partiu em direção ao caixa para efetuar o pagamento do seu novo aparelho celular. Luciano, por detrás do balcão, ficou analisando a morena dos pés à cabeça, da cabeça aos pés. Inacreditável, parecia a morena de seus sonhos, quase uma Globeleza. Quando voltou a si, olhou para a mesa e viu um pedaço de papel: “Suzana 33116269 e o celular você agora sabe qual é. Te comunica!”. Estremeceu as pernas. Aquele bilhete realmente valeria a pena por todos os outros recebidos durante a semana. Correu até o balcão de entregas, empurrou Talita, a responsável pelas entregas, pegou a sacola com o celular e esticou a mão para fazer a entrega.

- Ai está o celular, Suzana.
- Mas quanta eficiência! Faz a venda e ainda entrega?
- Eficiência? Você ainda não viu nada!
- Ah é? Vou esperar para ver então...

Talita o ficara olhando sem saber o que falar. Luciano era seu tamanho “p”, “m” ou talvez até “g”. Adorava o jeito com que ele falava com as clientes. Cabelinho encaracoladinho, perfumado. Sempre atencioso com os colegas de trabalho, inclusive com ela. Era assim com todos, não fazia distinção ou seleção. Tratava a todos olhando nos olhos, assim como também tratava Talita. Mas ela achava diferente, precisava acabar com aquela procissão de mulheres que o seguia. A loja perderia a crescente dos últimos cinco meses – Luciano trabalhava há cinco meses e alguns dias na loja – mas ela tentaria ganhá-lo, senão ele, ao menos tentaria. Era a hora de deixar a covardia de lado. E assim fez.

Luciano era um rapaz de conduta exemplar. Segundo grau completo e superior iniciado em Administração de Empresas. Nas festas dos finais de semana não exagerava nos etílicos. Morava com a mãe e com o avô mais velho que, desde pequeno, lhe repassara as malandragens da família Antunes, vivia repetindo para o neto, enquanto ouvia seu rádio de pilhas grudado nos tímpanos, com o melhor sotaque português:

- Neto meu, queira honrar a nossa família! Aproveite a noite e as raparigas! Mas não me apareças com filhos, encape esse tico. E tenho dito!

O neto ficava mirando o velho Antônio se embalando na cadeira de balanço. O que será que o octogenário Antônio aprontara em sua adolescência? Naquele tempo nem havia camisinhas! Que avô moderno, muito moderno o português. Decerto havia aprendido pelas publicidades e campanhas nos jornais, revistas ou na televisão. A televisão! Era na televisão que havia aprendido essas coisas, certamente. “Talvez nunca tivesse um preservativo em mãos, sequer no lugar apropriado” – pensou o neto. “Ainda vou aprontar uma das boas um com ele!” – arquitetou.

Bateu a porta e seguiu para a noite. O velho Antônio, entre outros ensinamentos, sempre lhe dizia: “A noite é uma criança, e é nela que os pequenos vêm à tona na barriga das raparigas!”. Avôs têm a malandragem, a experiência de vida. Luciano na hora afogou a mão no bolso da calça. Pegou a carteira e verificou: dois preservativos. “Ufa!” e seguiu rumo ao carro, a noite poderia ser uma criança, mas ele estava livre, de certo modo, de algum tropeço. 23 anos, nada de filhos. Planejava acabar a faculdade e, quem sabe, pelos 30 casar e aí sim ter filhos.

Chegando à festa, decepção. Realmente uma decepção. Nada da mulata Suzana. Mais de uma hora de espera. Atraso, esquecimento ou um bolo? Mas como? Ela havia comprado um telefone novo e ele sabia do seu número. As mensagens haviam sido respondidas pela mulata e ele havia seguido o combinado de estar às 11h45 na frente do Lad’s Clube. Já eram quase de 1h! Resolvera entrar no clube. Sozinho, despretensioso já que a tal mulata o dera uma possível curva.

Com licença para cá, por favor para lá e já estava sendo paquerado por umas e outras. Ele tinha charme, era malandro assim como o velho Antônio. Encostou-se numa parede para ter uma vista melhor do lugar e dos alvos femininos. Depois de minutos sentiu-se observado por alguém. De repente, o garçom lhe aborda e lhe entrega um bilhete. Seria Suzana? O bilhete desmentia diretamente tal idéia. “Eu não sou a Suzana, sou bem melhor e menos artificial que ela!”. Mulheres têm essa mania de se compararem às outras, uma disputa pela atenção do macho.

Mas quem seria o tal fantasma? A observadora estaria por perto. Mas quem seria? Eram tantas clientes deixando telefones e nomes que Luciano não teria massa cinzenta suficiente para lembrar das características de todas, especialmente da caligrafia de cada uma. Pôs-se a olhar atentamente assim como uma câmera de segurança de shopping, 360° para achar uma silhueta, um rabo de saia que lhe fosse conhecido. E nada. Nada de Suzanas, Reginas, Flávias ou Carolinas. Quem seria a autora daquele encafifante bilhete? Precisara descobrir. Homens são assim. Precisam chegar ao desfecho para aí sim compreender as etapas instintivas pelas quais passaram e nem prestaram atenção.

- Senhor, outro bilhete...
- Amigo, amigo! Quem está mandando este bilhete?
- Não posso revelar, fui impedido!
- Tem certeza?
– perguntou Luciano, praticamente colocando uma nota de cinco reais no bolso do paletó branco do garçom.
- Foi uma moça com o cabelo loiro fogo, com os lábios carnudos e de altura mediana. Coisa de 1,65, por aí.
- E em qual mesa ela está?
- Outros cinco reais poderiam me fazer dizer...
- Pronto. Pronto. Aí está!
– pagou o curioso Luciano.
- Está na mesa 24, entre o espelho e o bar. Está de vermelho! De vermelho!
- Obrigado amigo!

- Uma boa festa para o senhor!

Dez reais não havia sido um preço tão caro pela informação. Já que Luciano não era de beber muito, alguns reais a menos na carteira não lhe fariam falta. Leu o segundo bilhete que dizia: "Me procure! Estou bem perto de você!". Aos poucos foi chegando na mesa 24 seguindo as coordenadas do garçom amigo. Driblando homens, mulheres e casais. Não via a hora de chegar logo na mesa 24 e ver qual das clientes estaria flertando através de bilhetes. Não era Suzana e a essa altura da noite nem lembrara mais dela. Nem pintada de ouro a queria ver. Decerto, alguém que soubesse da existência de Suzana, da estonteante mulata estilo Globeleza.

Uma loira com cabelo fogo. E de vermelho. Exatamente o que o garçom lhe repassara após o suborninho pela informação. Aquela silhueta não lhe era estranha. Aos poucos foi se aproximando e pensando no que falaria ao chegar abordando pelas costas. Abordar pelas costas foi um dos sábios conceitos de seu avô em relação a abordar mulheres. Loira-fogo? Que beleza, adorava as loiras. Loiras, morenas, ruivas. Não tinha erro nem tiros na água. Os alvos eram seletos. Imaginava sua boca, encharcada pelo mais vermelho batom ou por algum brilho labial. Isso sim ele selecionava. Adorava mulheres com a boca carnuda, com lábios suculentos.

Era chegada a hora do aborde.

Luciano chegara nas costas da loira de vermelho que bebericava uma cervejinha com uma agenda aberta à sua frente ladeada pela bolsa e por uma caneta. Pensou nas melhores frases, mas preferiu o convencional e funcional aborde.

- Oi...
- Como assim?
– interrogou de prima a loira-fogo do vestido vermelho depois de girar pescoço como se fosse uma propaganda de shampoo.
- Talita? É você? – perguntou Luciano sem entender o que havia acontecido e surpreso por vê-la sem óculos.
- Eu não acredito! Como que você me achou? Como adivinhou? Foi pela minha letra? – atropelou Talita.
- Eu presto atenção em tudo, você sabe como eu sou! Como sabias da Suzana?
- Ah, falas da mulata Globeleza que foi na loja hoje à tarde?
- Sim...
- Eu percebi tudo quando corresses atrás do balcão para ir entregar o pacote para ela. Vi também o bilhete que ela te deixou em cima do balcão.
- Tu não trabalhas é? Ficas prestando atenção nos outros?
– brincou Luciano.
- Claro que eu trabalho, mas também presto atenção nas coisas do meu interesse! Não faço bem?
- É... mas como visses o bilhete?
- Depois de quase me derrubares, eu sai do meu setor e fui correndo lá em cima do balcão pegar o bilhete dela. Peguei um papel daqueles que tu anotas os preços, igual ao que ela usou, e passei por cima. Na hora do telefone, coloquei o meu no lugar do dela. Tudo muito rápido, bem simples!
- Talita, posso sentar?
- Claro Lú, desculpa não ter convidado!
- Pelo jeito essa história merece explicação melhor, não?
- É, mas a noite é uma criança, temos bastante tempo para tudo! Afinal, amanhã é sábado e estamos de folga!

Papo vai e papo vem. Mãos em cima da mesa e Talita explicando toda a trama que havia feito para trocar os telefones de Suzana. Luciano descobriria que o telefone do papel, o que seria da casa de Suzana, seria o telefone da casa de Talita. E o telefone celular que ele havia conferido no cadastro para mandar as mensagens para Suzana, estava alterado pelo número de celular de Talita. Por conseqüência disso, todas as mensagens que foram trocadas combinando o encontro na festa, foram respondidas por Talita. O plano perfeito. Suzana? Suzana havia sido demitida.

Talita! Uma colega de trabalho que havia se transformado na noite daquela sexta-feira. Havia deixado de ser covarde pelo ousado plano que arquitetara. Não só pelo plano, mas pelo cabelo solto, pelo vestido vermelho, pela boca brilhante por causa do brilho gerado do gloss e, sobretudo, pelo detalhe crucial: os óculos dela. A inexistência dele havia transformado Talita num mulherão daqueles de tirar o fôlego, mais do que a mulata Suzana. Talita não era uma Carla Perez nos seus áureos tempos, era bem diferente da dançarina. Era muito bonita também, mas tinha um plus: tinha conteúdo e não ganhava a vida rebolando vulgarmente.

Hoje o Luciano tem 32 anos, não mora mais em casa com a mãe e o avô, ainda vivo, quase centenário e ainda continua charmoso. Concluiu a faculdade de Administração, fez pós-graduação em Marketing e há dois anos abriu a sua própria franquia de uma operadora de celular. É casado e tem duas filhas, Ana Paula de cinco anos e Juliana de três. É casado com Talita, a ex-colega de trabalho Talita, hoje, mãe das filhas de Luciano. O esforçado atendente do balcão havia conquistado a melhor clientela da sua vida, e tudo por acaso ou por causa da ousadia da Talita. O balconista saiu detrás do balcão e, hoje, ocupa uma confortável cadeira numa sala climatizada da gerência do seu próprio negócio. Ao lado da esposa, é claro. Nada de balcões ou atendimentos para Luciano. Ordens de Talita.

domingo, 23 de março de 2008

Cachorro de Páscoa

Todo homem precisa dar nome a um cachorro. Dar nome a um filhote se torna um dos primeiros passos da responsabilidade na vida masculina. Em conseqüência desse ato, de prêmio, ganha a fidelidade e o carinho de um amigo de quatro patas. E nada melhor que ganhar de Páscoa não ovos de chocolate, bombons e outros doces, mas um filhote de cachorrinho. Foi a melhor Páscoa de Teco, ou melhor, de Pedro.

Depois do primeiro cachorrinho, o Costelinha, ter sido atropelado por um carro em alta velocidade, Pedro havia decidido que não queria mais ter um cachorro ou uma cadela para substituir o amigo. Pedro sempre fora educado por seus avós que ninguém e nem nenhum objeto substitui algo ou alguém. E assim fazia jus a lição ensinada, cinco anos de idade e muita responsabilidade. Talvez um peso, talvez um presente da vida, já que seus pais o abandonariam fatalidades também da vida.

Nas Páscoas dos anos anteriores, o ritual era sempre o mesmo. Um caminho com pegadas de coelhinho na sala principal da fazenda levando até o cestinho repleto de chocolates caseiros e preparados de marmelo que a dona Zôila preparava de véspera e colocava ainda fresquinhos no cestinho após Teco ir dormir. Eram doces da melhor qualidade. Além de gostosos eram preparados com muito amor e carinho. Uma avó, uma mãe, um pai. Uma verdadeira amiga. Quatro papéis na figura de uma única pessoa.

2008 não seria um ano ao acaso, um ano igual aos outros. Tudo já havia sido muito diferente em outras comemorações. Natal, Ano Novo, Aniversário do Avô Tadeu. No Natal e Ano Novo, toda a família chegou de surpresa trazendo comida, presentes e muita alegria. Já no Aniversário de 90 anos do Vovô Tadeu, não só toda a família compareceu no sítio, como também os três dos quatros melhores amigos nonagenários de infância e adolescência do Seu Tadeu. Todas as surpresas foram realmente surpresas, nada combinado ou avisado com alguém da família. E a Páscoa, como seria?

O ritual parecia ser o mesmo. Mas a Páscoa havia caído num domingo! Domingo era dia de lida com o gado, de juntar as cacas das galinhas, limpar o chiqueiro. O Teco adorava essa função. Além da Páscoa, dos gostosos doces preparados pela vovó – sabia que eram preparados por elas, o coelhinho era ficção – ainda ajudaria os avós a fazer a manutenção do sítio. Sentia-se feliz, completo por fazer sua parte e aliviar o duro trabalho para os avós, especialmente para o Seu Tadeu, um homem nonagenário.

Na véspera, depois de assistirem ao Zorra Total, destinaram-se aos quartos para mais uma noite de repouso. Como dizia o Seu Tadeu: “Esticar a carcaça para mais um dia de vida!” – repetia isso todas as noites indo em direção ao quarto balançando levemente a mão esquerda devido a um leve derramo sofrido quando completara 86 anos. Teco já deitado, esperava a vovó Zôila para o beijinho de boa noite e uma rápida história. Mas justo naquela noite, ela havia demorado um pouco além do normal. E Teco não dormia sem o boa noite da vovó. Era um processo rotineiro, uma espécie de tranqüilizante para ele.

- Vovó, por que demorasses tanto hoje?
- Eu estava preparando a cenourinha para o coelhinho da Páscoa!
– justificou a velhinha.
- Ãhhhmmm... e será que ele vai trazer chocolate e marmelo?
- Claro meu querido! Te comportasses bem... numa dessas ele até traga mais do que no ano passado!
- Mais? Será?
- Nunca se sabe, mas o coelhinho pode ser generoso! Se ele foi na casa de outra pessoa e não havia ninguém em casa?
- Mas vovó, tu sempre me falasses que todas as criancinhas ganham!
- Ai está! Todas as criancinhas! E se ele trouxe algum extra para um adulto?
- É verdade... Tomara que nenhum esteja em casa na hora que ele passar! –
arquitetou o garotinho.
- Querido, é hora de dormir! Fecha os olhinhos que amanhã vai ser um domingo muito bonito!
- Tá bem vó, mas e a história de hoje?
- Já te contei da cadelinha que ajudou o coelhinho a entregar os ovinhos de Páscoa?
- Não... conta essa!
- Pois bem... Em um belo domingo de Páscoa, o coelhinho sentiu-se mal por entregar tantos ovinhos de Páscoa. Resolveu sentar encostado numa árvore para descansar alguns minutos antes de continuar a entrega dos ovos. Ele pegou no sono! Um sono pesado, um sono daqueles que o vovô tira quando faz a manutenção do sítio. De repente, uma cadelinha, pequenininha, mirrada, aproximou-se do coelhinho silenciosamente. Pata por pata. Cheirou os ovinhos de chocolate, as balas de goma, os confetes e tudo que o coelhinho estava carregando dentro de uma sacola laranja. Deitou-se ao seu lado e também tirou um soninho revigorante, já que também estava cansada. Dormiu um sono dos labradores. Duas horas depois, acordou e viu ainda o coelhinho dormindo, com uma aparência exausta, na mesma posição que o havia encontrado. Decidiu então cutucar o coelhinho para acordá-lo, já que a Páscoa haveria de se prejudicada pelo demasiado sono do orelhudinho. E nada dele acordar! Cutucou, latiu, puxou uma das orelhas e nada. O sono era tão pesado que ele desencostou-se da árvore, espreguiçou-se sem abrir os olhos e deitou no chão. “Mas como seria a Páscoa?” – pensou a cadelinha. Ela puxou a sacola laranja do pescoço do coelhinho e saiu arrastando a sacola pelo caminho de grama até o próximo sítio... Teco? Querido? Já dormiu?

Teco havia pegado no sono. Um sono com a melhor aparência de felicidade. Um descanso com o sorriso fixado no pequeno rosto do garoto. O melhor tipo de alegria e a melhor recompensa para a avó que acumulava papéis assaz responsáveis pela formação do pequeno. Dona Zôila ajeitou o travesseiro, puxou o cobertor até a altura do pescoço e saiu pé por pé do quarto, rumando até a sala, sem fazer nenhum barulho para acordá-lo com o ranger do chão de madeira.

Chegando à sala, arrumou os últimos detalhes da Páscoa. Um mexido de goiabada com queijo branco feito com o leite das vacas do sítio para o velho Tadeu, pendurado na ponta da lareira. Mais abaixo, próximo à poltrona verde, um embrulho cheio de furinhos com um bilhetinho com o nome do garoto. Uma caixa enorme que dava a entender através do papel que o encobria, ser uma casa de cachorro. Ao lado, uma sacola laranja transbordando de doces e outras guloseimas feitas pela dona Zôila. A surpresa estava pronta, agora poderia ir dormir ao lado do velho Tadeu.

Teco havia sido o primeiro acordar. Levantou-se, esticou-se e rumou a longos passos em direção à sala. Ele não acreditara quando avistara tal embrulho. Tudo passou por sua cabeça, mas a história da vovó Zôila havia virado realidade. Uma história que há dois anos atrás havia prometido não viver mais pela decepção da morte de seu amigo de quatro patas. “Uma casa de cachorro, gigante!” – exclamou e ainda: “Com porta e tudo!”

Ele deveria abrir a porta da casa? Um cachorro o esperaria? Foi o que fez. Não titubeou. Ao abrir a porta, um amiguinha, sim, uma cadelinha da raça labrador lhe atacava com carinho, com lambidas intermináveis de bom dia e de feliz Páscoa. Enquanto pela fresta da porta do corredor, que dava para a sala, o velho Tadeu e a dona Zôila, avistavam tal cena. Essa foi a melhor recompensa pela surpresa que haviam aprontado para o pequeno. Uma Páscoa diferente, totalmente diferente das dos anos anteriores.

- O teu nome vai ser Bisteca!
- Au Au Au...
– latiu a filhote, parecendo concordar com a decisão.

Além das guloseimas caseiras preparadas pela dona Zôila, a Páscoa de 2008 acontecera de maneira linda, perfeita. A verdadeira alegria do pequeno garoto havia voltado. A responsabilidade de ter novamente um quatro patas de estimação havia sido retomada com a chegada de Bisteca – possivelmente a mesma cadelinha da história de Zôila –, que receberia um nome, traria mais alegria para a vida de Teco e seria uma fiel amiga durante anos e anos. A responsabilidade viria em forma de quatro patas, tão melhor quanto aos chocolates de Páscoa da vovó Zôila. A Bisteca não trouxe chocolates, mas trouxe consigo uma doce lição, vinda diretamente do sentimento Pascoal.

sábado, 22 de março de 2008

Casamento

Fui ao cinema assistir “Vestida Para Casar”, uma comédia “meia-boca”, iguais às outras, nada de muito diferente. A protagonista Jane (Katherine Heigl), quando menina, ajuda uma noiva a arrumar o seu vestido rasgado minutos antes de caminhar no corredor da esperança. Com o laço da irmã menor refaz a barra do vestido da noiva e salva o casamento. A partir dali, tudo mudaria na vida daquela menina, que se apaixonaria ali por casamentos. Casamentos esses que seriam programações mais que constantes na sua vida até o esperado dia de seu casamento.

A verdade é simples: toda mulher que casar. Primeiro achar um homem que a faça sorrir, que a faça bem durantes uns anos, talvez três ou quatro. Depois desses anos, esperam que os homens lhes peçam em casamento, noivando mais por um ou dois anos e depois se casam, saem da casa de suas famílias, alugam um apartamento enquanto constroem uma confortável casa e começam a constituir família. Um garotão, outra garotinha e mais casal de gêmeos. Gêmeos? Sim, as coisas nem sempre são como nós planejamos. E por essas exceções ao plano, é que muitos casamentos acabam por ai.

Durante todo o caminho percorrido da porta da igreja até o altar, a noiva deveria olhar focando o noivo, o seu destino final naquele corredor de tapetes vermelhos com bancos ornamentados com arranjos de flores das mais variadas cores. Seriam as cores das flores o motivo de distração da noiva? Nada disso. As noivas, por mais emocionadas que estejam, sabem o que lhes espera ao lado do padre no altar da igreja. Elas desviam o olhar, tentando evitar a emoção, segurando o choro para não estragar a maquiagem. Coisas de mulher que nós, homens, não entendemos, mas aceitamos com o maior grado possível.

Nós, homens instintivos, fazemos diferentes. Chegamos uma hora antes da noiva na igreja. Cumprimentamos as tias velhinhas que se locomovem de suas confortáveis poltronas, em pleno sábado, dia crucial para o desfecho de alguns suspenses das novelas globais. Que bonitinhas elas, não? Além de adorarem uma festa, ainda vão para lá lembrar os seus momentos na caminhada do corredor da esperança – esperança sim, porque todas sempre esperam o melhor depois dos “sim” ditos e reforçados por ambas as partes.

Já o resto das pessoas vai aos casamentos por educação, muita educação. Porque alguns até ateus, acabam indo. É uma questão de superação, nem educação é isso. Outros vão porque torna-se obrigação pela amizade com o noivo ou com a noiva. Sem contar naqueles que vão ao casamento para garantir uma jantinha caprichada e de graça. De graça! Pelos céus, quanta cara de pau! Assim como também acontece nos aniversários de criancinhas e menininhas de 15 anos. Sempre há aqueles que vão para tirar proveito da situação, gozar dos anfitriões com aqueles sorrisinhos forçados, de canto de boca, torcidos. De presente? Uma dúzia de prendedores. Quanta importância!

Importância mesmo é a noiva quem dá a tudo isso. São mais de três horas no cabeleireiro fazendo o melhor penteado, as unhas dos pés e das mãos, sem contar nas horas gastadas no esteticista, limpeza de pele, massagens no corpo. Quanta preparação! Isso sim é dar importância, é investir tudo para que à noite, quando o “sim” for dito, uma nova vida comece com a melhor das esperanças. Esperanças carregadas no corredor de tapete vermelho ladeado por bancos enfeitados com pessoas inclinadas acompanhando não só a noiva, não só aquela mulher de coração aberto, mas também suas esperanças de um futuro feliz e completo ao lado de seu homem, o príncipe sem o cavalo branco. Sem o cavalo branco porque, hoje em dia, nenhuma mais espera o homem perfeito e sim homens que as respeitem e lhes dêem atenção, as chamando de lindas e não de gostosas.

Eu, quando casar, vou ter o maior gosto de chegar horas antes na igreja e cumprimentar cada uma das tias velhinhas. Você deve estar pensando: “Mas ele é um homem como qualquer outro!”. Respondo: “Sou um homem como qualquer outro homem, mas tenho o poder de decidir agir como os outros ou ser a exceção”. Tenho planos, metas e nem sempre as cumpro até o final já que no meio do caminho há desvios e novas submetas. Decisão é a palavra de ordem.

Assim como a protagonista do filme, também sou apaixonado por casamentos. Nunca arrumei um vestido, bem pelo contrário, nunca toquei num vestido de casamento de noiva. Tenho orgulho das histórias de minhas avós e avôs sobre união entre duas pessoas que se amaram, assim também como meus pais. Quero seguir esse exemplo, constituir uma família e criar novos frutos desse amor. Eu, quando casar, mesmo não sendo a noiva, vou perder horas e horas com muito gosto, porque sei que do outro lado, há alguém que irá fazer de tudo para ficar linda para a nossa noite. A única coisa é que eu não vou abrir mão, é fazer a barba para poder ficar me olhando no espelho e tentando enxergar a figura de um Marcos marido, de um Marcos pai. E essa sensação é que vai ser a minha decisão, a minha melhor ordem para a minha vida conjugal. Uma vida feliz.

sexta-feira, 21 de março de 2008

A Teoria das Meias II

Indiscutivelmente as mulheres podem e devem investir no visual, mesmo havendo exceções. Umas abusam na cor usada no cabelo, outras no sapato de salto; algumas encurtam as saias, outras fazem tatuagens e colocam piercing. Mas tem outras que, além de todas essas ferramentas, usam as meias como forma de um plus na produção para o dia-a-dia e para a conquista. Meias três quartos, meias curtas, meias longas, meias listradas, meias, meias e meias. Até botas com meias. E as meias fazem a diferença, se não fazem para alguns, ao menos, tornam-se o complemento do pacote completo.

Diferente dos homens, as mulheres podem usar as meias do jeito que quiserem. Meias curtas com sapato, meias altas com tênis. Elas são adeptas à moda. Por isso, podem e esbaldam-se dela. É saia curta com bota e meias altas passando o cano da bota. Nas caminhadas ou corridas trajam meias altas, na altura das panturrilhas, podem fazer isso. Homens? Nada disso. Se fizerem, acabam caindo na contradição da moda, ficam na esquisitice e acabam refletindo uma personalidade errada através das ditas cujas.

Mulheres podem usar meias até na hora de dormir. Pijaminha florido, rosa verde e amarelo numa noite de muito frio e meias! Nós adoramos! Meias listradas, zebradas; meias com orelhinhas de bichinho de pelúcias; meia-calças, meia inteiras. Já os homens, se vão para a cama, não podem usar meias. O que não é nenhum dor-de-cotovelo. Vocês, mulheres, devem ter alguns motivos para nos repelirem trajando meias. Chulé? Breguice? Bem, melhor deixar subentendido.

Vocês são charmosas, esbeltas. Sabem combinar, sabem usar das cores e das formas de como se vestir. Cabelos compridos, curtos; encaracolados, tingidos. Saias, calças e até calções. Com qualquer vestimenta vocês sabem ter a melhor saída, a melhor combinação para caírem na única exceção desta teoria das meias, diferente dos homens que possuem três exceções em "A Teoria das Meias I", vocês têm apenas uma exceção. Uminha. Saem na frente até nas exceções, incrível.

Sabe qual a exceção que vocês mulheres caem? Aliás, algumas mulheres! E é destas que fazem a teoria das meias – a parte feminina dela – ter uma exceção. A exceção que cito aqui, são as mulheres que não sabem combinar seus trajes e fazem de suas vestimentas a verdadeira sopa de letrinhas, onde há tanta mistura de letras que não formam palavras, muito menos frases. Ou seja, o pequeno grupo que adere a modas de desenhistas lunáticos de Marte ou de Vênus que propõem que meias laranja até o joelho com uma saia preta daquelas de boneca de porcelana são o alto da estação.

Terminantemente qualquer homem pode perceber que meias laranja e saia de boneca de porcelana não combinam nem aqui muito menos nos Estados Unidos, talvez combinem no Japão, na China ou Coréia, porque lá, os homens têm os olhos tão fechados que não enxergam tanta contradição. E, por serem todos praticamente iguais, sem darem muitas chances de escolhas às mulheres, acabam nem ligando. São adeptos da teoria “Qualquer coisa é coisa e ponto final”infelizmente. Esses homens de olhinhos puxados, para varias, são exceções. Orientais de olhos fechados e cabeças muito abertas.

O que realmente importa é que homens e mulheres possuem o simples poder de tomarem providências rápidas contra isso. Com esta “Teoria das Meias” - assim como a parte I deste texto, que fala dos homens de meia - não quero acabar com o poderio de forças dos grupos da moda ou denegrir as personalidades das duas espécies, bem pelo contrário. Pretendo é diagnosticar alguns casos, criar grupos, salvar e condenar exceções, levantar uma dúzia de hipóteses e chegar esperançosamente a esta uma conclusão: seja com meias ou sem meias, existem muitas outras formas de perceber que o conteúdo interior de uma pessoa é definitivamente a melhor saída para demonstrarem suas personalidades e entrarem na moda, seja na moda da alta ou na baixa estação, é questão de escolha, de feeling.

Assim espero!