sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

As Aparências Enganam

Mês de Carnaval e com um dia a mais. Notebook no colo, televisão com o som quase mudo, uma garrafa d’água e copo pela metade quase cheio. Ritual completo. Vamos ao texto de hoje...


Desde muito pequeno, Alessandro sempre gostou de fazer compras. Com cinco anos saía de casa de mãos dadas com a mãe, dona Arlete, para ir ao centro comprar roupas para a nova estação. Camisetas, bermudas, meias, praticamente um enxoval. Mas ele sempre queria mais:

- O mãe, eu quero o tênis da luzinha! Aquele da propaganda!

E a mãe, com um olhar plongé:

- Não, não e não! Já te comprei muita coisa, pede para o teu pai!

O Alessandro, muito esperto dispara:

- Mas o papai só volta daqui vinte dias e disse que eu podia te pedir qualquer coisa! Qualquer coisa! Grrr! A mãe sem escapatória:

- Tá bem meu filho! Azul ou vermelho?

- Vermelho e com a luzinha vermelha, né! – disse o pequeno colorado.

E lá saiu o Alessandro da loja, todo pimpão, já calçando os tênis de luzinha que pareciam mais dois sinalizadores rasteiros entre as pessoas do tumultuado calçadão de Pelotas. Pulando e correndo, correndo e pulando! Olhando para baixo, analisando cada passo. E ele falava:

- Ô mãããe! Olha! Olha! Hãm? Hãm? – apontava o guri.

E a mãe, agora sorridente, concordava e alertava o filho:

- Que legal Alê! Quero ver quanto tempo vai durar! Cuida direitinho!

Passados 15 anos – já faz tudo isso? Eu também tive um tênis igualzinho. Um Le Cheval com as mesmas luzinhas, tamanho 34 – o Alessandro não havia perdido a mania de fazer compras. Pelo contrário, o gosto pelo consumismo só havia aumentado. 20 anos, quase 21. Acadêmico de Administração, penúltimo ano de faculdade, trabalhando na livraria da mãe e expert em informática. “Um guri dos bons” – como diria o Prof. Manoel Jesus. Na verdade, ele era um bom estrategista.

O Alessandro sempre tinha dinheiro no bolso. Fazia jus ao que aprendia na faculdade. Ganhava por trabalhar na livraria e fazia um dinheirinho extra com trabalhos gráficos. Todo início de mês ia às lojas fazer alguma compra. Não adianta, ele sempre tinha algum produto em mente. No mês passado foi um aparelho celular - uma de suas piores experiências em compras. Saiu de casa com R$ 800 reais na carteira e foi até uma loja da Voluntários da Pátria, atrás da promoção que estava sendo divulgada no Diário Popular. Chegou à loja, vestido de um jeito bem largado: camiseta, bermuda, havaianas e o inseparável óculos. Ninguém o atendeu. Ficou olhando os modelos de celular, folheteando folders e nada. Já havia passado uns 35 minutos e ninguém tinha notado o guri. Os atendentes conversando e falando sobre o happy hour para depois do trabalho, chopes e festas. Todos outros que haviam chegado após o Alessandro já tinham sido atendidos. Nem as luzinhas vermelhas se ainda existissem chamariam a atenção dos vendedores. Ele foi embora arquitetando planos, vingativos de certo modo.

No outro dia, o guri caprichou no visual. Gel no cabelo, barba feita, camisa pólo, jeans da moda e sapatinho social. Uma beca só. Ah, e o perfume também. Exagerou, mas lá foi ele na mesma loja e no mesmo horário. Chegou em frente da loja, deu uma olhada no movimento, respirou fundo e entrou. Assim que colocou o primeiro pé no degrau de subida da loja:

- Boa tarde, em que posso lhe ajudar? – disse a vendedora, sorridente, tão cheirosa quando o Alessandro.

O guri estufou o peito, ergueu a sobrancelha esquerda, ajeitou o óculos e disparou:

- Não, obrigado, só estou olhando!

E a vendedora insistiu na abordagem, talvez por causa de uma comissão pelo número de vendas:

- Temos vários modelos, inclusive o novo da... – ele a interrompeu e reforçou:

- Eu só estou olhando, ok? Qualquer coisa eu te chamo. Ah, qual o teu nome?

E aquela moça linda, com sorriso branquinho que pagava o preço do mau atendimento da loja no dia anterior disse:

- É Raquel. Raquel Mancini, porque tem outra Raquel. É só me chamar, viu?

- Ok – respondeu o guri com pinta de executivo importante.

O Alessandro ficou olhando os mesmos aparelhos que já tinha olhado, repetindo todo o ritual do dia anterior. A loja estava cheia e havia só uma atendente livre que iria pagar com a vingança do Ale: a pobre Raquel. E assim começava o seu martírio:

- Este aqui tem câmera de quantos pixels? Agrupa quantos nomes num mesmo contato? Tem mp3? – metralhava o guri.

- É de 1.3 megapixels e tem mp3. Só não sei quantos contatos... – o guri já cortava com outra enchente de perguntas:

- E este outro aqui, tem mp3 player ou só toque de mp3? É melhor que aquele outro vermelhinho ali? E o sorriso de Raquel já estava ficando amarelo:

- Sim, tem mp3 player, mas o vermelho é melhor porque tem câmera de 3 megapixels e... – e outra interrupção:

- Aquele outro ali de empurrar, o branquinho do lado do preto, tem quanto de memória? Posso comprar cartão de memória avulso para expandir? A linda guria, agora, já havia virado uma cobra, mas ainda assim havia segurado o veneno:

- O senhor me dá um minuto? Eu volto já!

E ali ficou Alessandro esperando, abrindo e fechando um aparelho, empurrando e tirando foto com outro. Quando levantou a cabeça havia um homem que se apresentou:

- Boa tarde! Meu nome é Sérgio, sou gerente da loja. Em que posso lhe ajudar? O guri não esperava a abordagem do gerente, mas soube se sair bem da situação e dar a volta por cima:

- Oi, meu nome é Alessandro! Eu até iria comprar um celular de vocês hoje, mas como ontem eu vim aqui e fiquei quase 35 minutos e nenhum vendedor veio me atender, vou comprar na loja do concorrente, a do calçadão. Ah, e olha, eu tenho dinheiro! – concluiu o guri, mostrando os R$ 800 reais na carteira.

Alessandro virou-se e seguiu em direção a porta, com passos firmes e curtos para ver a reação das pessoas, deixando o gerente e vendedora sem resposta e com todos os celulares que tinha pedido para ver em cima do balcão. A vingança tinha sido aplicada, em grande estilo. De canto de olho, o guri, ou melhor, o homem Alessandro observou a cena do gerente esbravejando com todos os vendedores, soltando fogo pelas narinas pelo tratamento que havia sido dado ao futuro cliente, agora ex-não cliente.

É a realidade. As pessoas julgam pela aparência. Só que as aparências enganam. E muito! Imagine só se o William Bonner deixasse a barba crescer e apresentasse o Jornal Nacional de camiseta? Ninguém mais diria “Boa noite” para ele e a Rede Globo acabaria perdendo também muitos clientes. Que desastre!

3 comentários:

Jennifer Azambuja de Morais disse...

E enganam mesmo, pq quando eu me vestia toda de preto me olhavam com cara de desconfiança. Ao entrar em lojas os vendedores me cuidavam desde que eu entrava até o momento que eu colocava os pés calçados de All Star para fora da loja. As pessoas devem tirar esses estereótipos da mente, isso reduz muito o ser. Além de criar situações como a do Alessandro.......Acho que todos sempre sofrem com isso, porque nem todos gostam de tooooodooooooos os estilos. Na verdade, todos nós devemos tirar essas imagens criadas de cada jeito de vestir, de falar, de agir, de..., para poder conviver melhor.

Anônimo disse...

Cara, na lan que eu trabalho aparece cada figurinha! Mas devido a uma certa experiência e muito bate papo com os clientes a gente pega a manhã. Tem gente mulambenta muito mais gente fina que gente arrumadinha e perfumada! Então a gente aprende a não da bola pra aparencia e sim pra pessoa em sí. Só não dá pra atura fedorento e sujo, aí fica difífil!

Anônimo disse...

Gostaria muito se vc pudesse mudar o nome da tal Raquel Mancini, pois sou homonimo em sao paulo, e tb trabalho com comercio, porem trato meus clientes como meus amigos, e mto diferente dessa menina que te atendeu na loja de celulares.
Sinto mto pelo ocorrido com vc, pois acho que realmente o bom atendimento conquista clientes.