terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Lodomania


Para toda a ação existe uma reação, correto? Andar de carro, à noite, em uma praia seria a ação. Uma ação um tanto quanto perigosa, tudo bem. Agora, a reação mais aceitável seria falta gasolina ou até atropelar um tuco-tuco – aqueles bichinhos que atravessam a praia correndo e se enterram nas dunas. Mas, não. Consegui a proeza reação de atolar o carro. Normal? Normal se fosse na areia solta e na parte onde há civilização na da praia. Pior, atolei o carro, no lodo, na parte inabitada da Praia do Cassino.

Um final de semana que começou muito bom. Na sexta, o retorno para minha casa. 70 km e lá estava eu filando uma janta caprichada da Dona Mariza. No sábado, almoço com a família, com aquela avó contando histórias dos tempos primórdios e as priminhas correndo na volta mesa. Depois do almoço, lá pelas 15h da tarde, nada melhor ir à praia, encontrar os amigos, fazer uma social. E até pegar um bronzeado. Perfeito.

Depois de algumas ligações combinei de encontrar uma pessoa às 15h30 e a pegaria para rumarmos em direção ao navio encalhado, cerca de 20 km à direita da Iemanjá. E lá estava eu, atrasado cinco minutos, mas ali. A pessoa embarcou e lá fomos nós em direção ao tal navio. Um ponto turístico dos mais visitados na Praia do Cassino. Durante os 20 km que percorremos até chegar nele, um ou outro carro parado; lá, mais de 30 carros parados em frente ao navio, com direito a farofadas e muita música alta.

Jogo do colorado no rádio – já estava ganhando de 1 a 0 do São Luiz de Ijuí pelo Gauchão 2008, um sol escaldante e uma bela visão. O mar, as dunas e os pequenos riachos formados pela subida no mar durante a noite. Um relaxante natural, um ansiolítico dos mais eficazes. E, de quebra, uma ótima companhia que voltava nostalgicamente no tempo junto comigo, lembrando histórias e momentos vividos. Perfeito também.

O tempo passou voando. Os amigos não chegaram e talvez tenham se perdido pelo caminho – o que realmente depois foi confirmado pela preguiça da festa do dia anterior – ou não tiveram paciência de chegar até lá. Entre histórias e banhos de mar, o tempo foi passando, o jogo do vermelhão rolando, acabando, acabou. Inter 3 a 0, assumindo a liderança do grupo. Que notícia boa, perfeita também. Mal sabia eu do que haveria de me sujeitar horas depois.

Lá pelas 20h resolvemos ir embora, já estava escuro e dirigir 20 km em velocidade reduzida se tornaria difícil e deveras paciencioso. Na ida, levamos meia-hora para vencer os obstáculos da areia, buracos e riachos que desembocavam no mar. Na volta, mais de três horas para nos livrarmos de todo o caminho que já havia sido alterado devido à subida da maré, do vento invertido a direção e mais o que não esperaríamos: o lodo na beira da praia.

Mantinha os 40 km/h constantes, uma reduzida por causa de algum buraco e seguia. Luz alta ligada driblando alguns crustáceos, tartarugas e botos mortos por causa das fortes correntes que os trazem para a beira da praia e que acabam ficando presos às redes dos pescadores. Não matei, mas passei por cima de um boto. O carro deu um solavanco espetacular. Minha cabeça bateu no teto, enquanto do meu lado falavam:

- O que era isso? Furou um pneu?
- Não! Passei por cima de um boto, não deu tempo de desviar
– respondi.

Segui no caminho e depois de uns cinco quilômetros percorridos, avistei uma moto que vinha dando sinal de luz. Suspeitei e não segui o seu sinal. Talvez quisesse ajuda ou alguma informação. Fiquei com medo. Homens ficam com medo e tremem as pernas, sabiam mulheres? Depois de passar pela moto e a seguir pelo retrovisor, o carro foi perdendo velocidade e quanto mais eu acelerava nada de resposta, mais ele parava. Mais de meio tanque de gasolina, nenhuma luz de emergência no painel. Estranho. A areia não era atolável, o chão de areia parecia normal. Engano meu. Era lodo. Muito lodo. O carro não andou porque o lodo já estava na altura do chassi.

Abri a porta e não acreditei no que vi. Coloquei o pé para fora e tentei pisar. Quando pisei, o lodo me sugou a perna até o joelho. Lodo, lodo, lodo. Gelado, tão chumbo quanto a cor do meu carro. Era lodo. Muito lodo. Lodo para dar e vender. Como eu sairia dali à noite? Claro, ligaria para um guincho ou para a Secretaria Especial do Cassino. Celular! Claro, o celular! De que adiantaria? Sem sinal algum. Nem um tracinho, nem nada. Nem emergência funcionou. Não era a parte civilizada da praia. Era a parte do lodo. Lodo, lodo e lodo.

O lodo parecia aquelas argilas artísticas que o Érico Gobbi ainda usa para construir suas brilhantes obras de arte. Para ele, talvez o lodo fosse um sinal dos Deuses da Arte. Para mim, o lodo era algo tão desprezível e inútil naquele momento, que nem castelinhos de lodo seriam agradáveis para passar o tempo. Eu fiquei fulo, fulo da vida. Enquanto do meu lado, em imenso escuro apenas quebrado pela luz da lua e da luz do carro, alguém me dizia:

- “O mar está enchendo, a maré vai subir daqui a pouco”.

O desespero havia começado a tomar conta de mim. Contei até 12. Contei até 24. Contei até 36, enquanto batia com a cabeça no volante para pensar em uma boa idéia de nos tirar dali daquele lodo. Lo-do. Palavra curta, mas complicada. Tão mais complicado seria eu sair daquele logo pelas nossas próprias mãos – minha e da tal pessoa – ou pela força mecânica do meu carro. 6 km de extensão de lodo. Puro lodo. Aliás, não tão puro. O lodo da Praia do Cassino é fétido. Tão fétido quanto à fralda suja de um bebê ou daquele boto morto que passei por cima, sem querer, com o carro. Especialistas da Fundação Universidade do Rio Grande disseram que o tal lodo seria uma espécie de sedimento vindo do fundo do mar, trazido pelas ondas. Para mim, mais parecia um extenso mangue, assaz fétido, mas um mangue.

Dez minutos parados ali. Nada de sinal nos celulares, nada de nada. E o mar subindo. E nós estancados no lodo. Resolvi descer do carro e me atolar junto com o carro. Grandes coisas o carro sujo, eu queria é sair dali antes de ser engolido pelo mar. Caminhei cerca de 20 metros em direção às dunas para avistar se alguma alma viva me dava uma luz. Luz! Eu vi uma luz. Era uma moto, longe ainda e que vinha se aproximando rapidamente. Salvação! Ou ao menos mais uma cabeça para pensar junto conosco em como nos tirar dali do... bem, você sabe de onde.

- Amigo, eu dei sinal de luz para você tentando avisar! – disse o motoqueiro sem capacete.
- Pois é amigo, pensei que fosse por causa da luz alta do carro.
- Capaz! Na praia à noite eu já estou acostumado com luz alta dos carros!
- Atolei ali e não é na areia é no lodo!
- És mais um em uns cinqüenta que já tirei dali só neste verão!
- Qual o seu nome?
- Danilo, prazer!
- Marcos, prazer e muito obrigado por ter retornado!
- Vou ligar para um amigo meu que tem um caminhão e em uns 15 minutinhos ele já vai chegar.
- Seu Danilo, não tem sinal para fazer pegar o celular aqui!
- Tem sim, o meu aparelho pega aqui. É dos antigos olha! –
mostrava o Danilo um celular tijolão, daqueles pré-históricos, dos extintos TDMA’s.

Enquanto ele falava ao telefone com o tal amigo para vir nos resgatar, voltei ao carro para acalmar a minha companhia. Tudo bem vou começar a chamá-la de mulher. E que mulherão... Pois bem! Falei que o tal Danilo iria conseguir ajuda. E que ela não precisaria ficar mais preocupada com a situação. Peguei da carteira R$ 30 reais para recompensar o esforço do seu Danilo e voltei para conversar com ele, fazendo tempo enquanto o caminhão não chegava.

Nada de dez quinze minutos. Mais de uma hora e meia. Enfim, surgia uma luz ao norte em direção ao molhes da barra. Era um caminhão que se aproximava rapidamente, não sendo páreo para os botos mortos e buracos à beira da praia. Havia chegado a salvação depois de horas. Um caminhão daqueles para arrastar qualquer cegonha de carros.

- Atolasse aí, é? – chegou perguntando o dono do caminhão
- Pois é, não vi o lodo, parecia areia normal.
- Normal. Não és o primeiro. Já fiz em um dia R$ 900 reais resgatando os carros atolados.
- Ah, é? Poxa!
– enquanto pensava quanto ele iria me cobrar para tirar o carro dali. Será que os R$ 30 reais seriam suficientes?
- Ainda bem que achasses o Danilo aí, senão o mar iria subir e chupar teu carro. Aí sim tu terias um prejuízo maior!
- Maior? Vou ter algum?
- Por R$50 reais e tiro daí rapidinho.
- Poxa R$ 50 reais agora é difícil. Estou desprevenido. Vim à praia apenas com um dinheiro para comer e tomar alguma coisa.
- Quanto tens aí?
- Tenho R$20 reais, mas acho que consigo mais R$ 10 reais com a minha mulher ali no carro.
- Fechado. Só vais ter que ajudar os guris a cavarem na frente para prender o cabo no eixo.
- Sem problemas!

E lá fui eu, de joelho e mãos no lodo. Uma beleza. Preto, preto, pretinho. No lodo. L-O-D-O! Mas tudo bem, meu carro era mais valioso. Eu tomaria um banho e aquele pretume já sairia rapidinho. Cavoucamos e nada de achar o gancho para o carro. O odor desagradável nem era mais sentido. As narinas já haviam se acostumado com ele, infelizmente.

- Ali ó, puxa mais um pouco que vai! – apontava um gurizão que veio no caminhão.
- Beleza, puxa mais aí também irmão! – dizia o outro para mim.
- Ok... – concordava eu.

Lodo retirado depois de quase meia hora na frente do carro, um dos guris grita para o dono do caminhão:

- “O Marquinho, me joga a corda para gente amarrar!”

Mais um pesadelo: o cara do caminhão tinha esquecido a corda. Veio com o caminhão e não veio com a corda, só matando um cabeça apressada. Mais solidário ainda, o Seu Danilo disse para ele que emprestaria a moto para ele buscar a tal corda. Eta velhinho bom esse Seu Danilo! O meu xará montou na moto e saiu voando, decolando dali. Em menos de 15 minutos já voltara com a corda. Enquanto isso, ficamos conversando sobre futebol e sobre a lodomania na Praia do Cassino.

- Pega aí Fernando! – alertou o Marquinho.
- Joga! Mas joga com força! – disse o tal Fernando.

Corda amarrada, bem atada para não deixar o carro escapar. Nesse meio tempo o carro já havia cedido mais ainda no lodo. Ah o meu Carro! Todo brasileiro ama o carro, você sabe. O lodo não era nada em mim e sim no carro.

- Vou começar a puxar no cinco! Segurem bem a corda para ela não se enterrar no lodo – gritava o Marquinho lá do caminhão.
- Um... dois... três... quatro... segurem! Cinco! – contou o motorista.

O meu carrinho saiu deslizando como se fosse uma cobra rastejando. A mulher dentro do carro para um lado e para o outro, assim como o dado do Internacional que tenho pendurado no retrovisor do meu carro. Um liquidificador. Mas ele saiu! Palmas e mais palmas! Mais negro do que o chumbo da cor dele. Não perderia meu carro para o mar – ao menos se eu não atolasse novamente no restante dos próximos quatro quilômetros de lodo à beira-mar.

- Tá certo, meu jovem? – intimava o Marquinho.
- Claro! Aqui está o que a gente combinou - e entreguei o dinheiro ao motorista.
- R$ 10 reais para mim, R$ 10 reais para o Fernando e R$ 10 para o outro gurizão.
- Valeu pela ajuda meu xará!
- Tu também és Marquinho?
- Eu sou Marquinhos de Marcos, mas me chamam também de Marquinho.
- Hmm, eu sou Marco mesmo, Marco de Marco Antônio. Então, nos falamos por ai! Até e cuidado no retorno!
- Buenas, até!

O tal Marco Antônio subiu no caminhão junto com os outros guris e se foi em direção ao navio, provavelmente para arrastar camarão ou algo do tipo. Já o Seu Danilo ficou ali comigo, escorado na moto me alertando dos perigos da praia à noite, do mar subir e chupar os carros com ele. Aquilo me deu medo! O agradeci, apertando simultaneamente a sua mão, e fui embora. Quase três horas depois ter atolado no lodo, fétido lodo, estava indo embora.

- Vai com Deus meu guri! Até mais! – disse o Seu Danilo.

A lodomania – o lodo que anda aparecendo quase todos os anos na Praia do Cassino – deve ser alguma praga dos botos mortos à beira-mar para com os pescadores, por causa de suas redes predatórias. Da próxima vez, eu vou carregar uma pá de concha no porta-malas para cavar belos buracos para colocá-los. Ao menos a armadilha do boto não vai me confundir com algum pescador. Até porque, ser solidário não custa nada. Não só com os animais, mas também com as pessoas.

Não importa a barba mal feita, as roupas ou o modo com o que o próximo fala conosco. Não quis seguir o alerta de luz alta do Seu Danilo e deu no que deu, lodo e mais lodo. Outras três pessoas me ajudaram, inclusive o tal do Marco Antônionome do meu saudoso pai. Talvez fosse obra de alguém lá de cima. Ou quem sabe dedo do destino, por ter de passar por essa difícil situação ao lado daquela mulher. Culpa do passado? Talvez. Foi ele quem nos afastou e combinou com o presente e o futuro de nos obrigar a ficar frente a frente mais uma vez. Disso tudo, uma coisa eu aprendi: a solidariedade é bem mais que uma palavra, é um sentimento duplo que faz bem para a alma e ao coração, de quem a pratica e de quem a recebe. Ainda mais quando existe também os sentimentos de entrega e cumplicidade.

8 comentários:

Anônimo disse...

Há...
Enquanto aproveito a minha ÚLTIMA semana de férias, vim até aqui ler um texto que me PROMETERAM que seria divertido. Mas, eu tenho que admitir que achei um tanto TRÁGICO... Muito mais TRÁGICO do que ENGRAÇADO! HAHAHAHAHAH
Eu não queria estar contigo nesse momento e muito menos estar na tua pele, Marcos! ihahiaihaih
Mas é bom que, mesmo por algum preço, sempre se encontra alguma alma boa nessas horas. Eu sei porque a vez que eu e as gurias caímos no riacho apareceram 3 rapazes pra nos ajudar a trocar o pneu. GRAÇAS A DEUS! Por que senão eu não sei o que seria de nós...
Mas não dá nada... Isso fica de experiência pra gente 'anotar' no 'caderninho da vida' e garante não só boas risadas, como EXPERIÊNCIA, aprendizado...
Beijão!

Anônimo disse...

Kiinhos, juro que eu pagava pra ta lá e ve toda essa cena...
juro juro juro
morri a hora que tu falo em atropela um tuco-tuco e não um tico-tico
OHOIEHAOIEHOIAHEIOHAOIEH
esse foi trágico ao extremo mas valeu a pena!
OHAEOIHOAHEHIOEHAOIEH
beeeijo Kinhos (:

Jennifer Azambuja de Morais disse...

Perfeito! Tudo perfeito! Até o lodo, lodo ,lodo... Era para ser assim Marquinhos. Sabe, que eu não sou muito de destinos, mas o lodo vem de anos, e quem sabe de anos esse "mulherão" não é para ser seu destino ein!????

Anônimo disse...

Faço das palavras da Chel, as minhas! HOIAHEOIAEHUIAEHOAIEH
Te juro, eu pagava pra ver isso, dee ter sido ruim na hora, mas como diz a comunidade: Depois que passa, a gente ri!
HUIAEHOIAEHAIUOEHAOIHAOUIHAEOIHAEOIUHAEOIAHOIAHOIAH

Maaas, vem cáá, que queria de namoricos na praia á noite eeeim? Hihihi HAHEOIHAEUIHAEOIHAEIUAE Fiquei enciumada hahaha!
Te comporta guri, e na próxima vez que saíres com um mulherão pra praia, volta cedo, nada de querer dar uma de apaixonados olhando a lua, porque pode aparecer um lodinho! OAHOIHAEIUAHEOIAEH
Beeeijo Kinhus!

Anônimo disse...

Hmmmm :D
Lodo?
Mulherão? #) ;x uhaiahiuha

Bah histórinha que rendeu mto oq falar, pelo menos teremos oq contar para nossos netos..
uihiauhaiuaiua

faltou falar só da janta depois do lodo :D

uahiuahaiuahiua

beijos coisa queridonaaa

Anônimo disse...

haUIHAooaIUHUAhuhaUIHUIAhuiahUHUA
Eu digo... 'Dia de muito, véspera de nada.'
Quando a gente pensa que não tem como melhorar, não melhora mesmo... Estraga ahOIUAHiahIUHUAI
Bah, como eu queria tá junto contigo pra rir aiuoahIUAhoiaHAuia
Beijooo Marquito!
=***

Anônimo disse...

eu sou uma anta... Tão acostumada ah fazer o login do orkut q acabei botando meu email no nome do coment... aoaiUHAIuhaI

Rosamaria disse...

Marquinhos
Vim agradecer tua visita e fiquei numa tensão até o fim da história.
Que perigo, guri! Ainda bem que apareceu o tal Danilo na tua vida! Uma vez atolamos na praia do Papagaio, em SC, e tb tivemos sorte que apareceu uma alma boa, mas foi de dia.

A Lídia é uma guria muito querida, filha de pessoas que eu amo demais!

Que tenhas sorte no jogo da vida, já que atacas em todas as direções.

Bjim.