Quarta-feira de cinzas, o carnaval chegara ao fim mais uma vez. E assim, todos voltariam à rotina. É engraçado. Quem gosta ou não gosta de carnaval acaba lucrando nesses dias. Para quem gosta, não preciso nem dizer. Tem festa, música e foliões em todas as esquinas. Já os incomodados, esses sim, fogem. Alguns até hibernam, assim como ursos. Preenchem as despensas e geladeiras com alimentos enquanto a folia rola a solto na rua. Estocam-se de filmes e de lexotans. O Antônio fazia isso. Exatamente isso e uma coisinha a mais.
Solteiro aos 42 anos de idade. Um engenheiro químico, metódico, extremamente detalhista. Daqueles que usa camiseta para dentro das calças e penteia o cabelo para trás com pente de osso. No mínimo uma pessoa fora de década. Birrento, briguento e, ainda pior, detestava futebol. Qual o homem com 42 anos de idade não tem interesse em futebol? Para confirmar as estranhezas do Totonho – que não era coronel muito menos dono de cabaré – ele havia levado apenas uma mulher, a mesma, ao seu apartamento em 12 anos apenas na época de carnaval. O grande Ed, o porteiro do prédio, foi quem contou a história:
- Fala Ed! Tudo tranqüilo?
- “Iai homi” – o Ed sempre falava isso – Tudo ok! E as provas?
- Só semana que vem! Vem cá, me diz uma coisa, qual é a do cara do 604?
- Ihhh! Ele andou aprontando de novo?
- Como assim “aprontando”?
- É um tipinho estranho. Briga nas reuniões do prédio, entra e sai e nem cumprimenta, não agradece e muito menos puxa um assunto!
- Ele é casado? Mora sozinho?
- Mora aqui no prédio há mais de 12 anos!
- 12 anos? Ele é o mais antigo daqui?
- É! Detesta futebol, anda sempre sozinho. O estranho é quando chega o carnaval, ele sempre traz uma mulher e encomenda uma pizza.
- E é a mesma mulher? Será que não é namorada?
- Uma tal de Samanta. Sempre ela. Uma morena jambo de cabelo pela cintura. Com mais de 1 e 80 de altura! Cheirosa, toda maquiada. Uma loucura!
- Wow! Mas Ed, como tem gente estranha por aí! Esse aí supera as expectativas!
- Mas pára Marcos, o pior: ele odeia futebol. Sempre quando tem jogo da dupla Bra-Pel ele só chega depois da meia-noite. É sempre a mesma coisa!
Engraçado, os porteiros sempre sabem de tudo. Eu tenho lá minhas dúvidas se eles possuem um canal de comunicação entre eles ou coisa parecida. Talvez auscultem pelas portas, enfim. São bons jornalistas, sempre atualizados dos fatos. Mais para um Nélson Rubens do que para um William Bonner. Mas bem, voltando ao Totonho, mas por que a mesma mulher? Porque não uma diferente? É bom dar uma descontraída. Tão bom quanto ter mais de um tênis ou sapato. Variar. Hoje o preto e amanhã marrom. Não.
Na véspera do carnaval, o estranho chegava munido de sacolas, filmes e pacotes da farmácia. O carrinho de compras do prédio ficava transbordando de tanta coisa. O porteiro da tarde, o Padilha, era o único que conseguia fazer o maledeto falar enquanto o elevador não chegava. Escada? Nem pensar. Nem quando o elevador estragasse.
Aquela mulher era uma incógnita. Uma diarista? Uma amiga? Uma prostituta? O quê meu Deusinho querido? Morena, alta, cheirosa, sempre de sapato alto. Cara de quem gostava de samba. Não era travesti, o Padilha tinha certeza. Era sua vizinha no Bairro Dunas. Foi aí que as pistas começariam a se encaixar. O Padilha era vizinho, o Antônio só falava com ele, visitas somente em época de carnaval e normalmente na quarta-feira de cinzas. Não precisa ser nenhum 007 para juntar as coisas. As fontes secundárias já ajudavam a chegar a um determinante, só faltava a prova conclusiva para matar a charada.
Na quarta-feira de cinzas, por volta das 20h, a tal morena chegara ao prédio mais uma vez. Em trajes curtíssimos e com um perfume de bambolear as pernas dos homens. Há 12 anos o Ed ganhava esse presente de visão. Neste ano, um presente a mais: uma conversa maior, já que o elevador não estava no térreo. Porteiros normalmente conversam rapidinho sobre o tempo, se vai chover ou fazer sol. Não, desta vez tinha que ser diferente. A curiosidade nos presentearia com mais uma pista, despretensiosa por parte da morena, mas uma pista:
- Pois é, mas amanhã volta tudo ao normal. – disse o Ed.
- Amanhã o dia vai ser perfeito! Tudo está perfeito! Estou com sorte! – completava a morena, com uma voz rouca.
- Estás gripada?
- Ontem choveu bem na hora que a escola entrou na avenida. Não tinha como me proteger.
- Ahh! Tu desfilas, então?
- Sim, na Unidos da Dom Joaquim. Sou porta-bandeira da Escola há 12 anos!
- Que legal! Meus parabéns pelo título! Acabei de ver no jornal das seis.
- Obrigada! Ah! Amanhã, olha a minha foto no jornal, acho que vou sair na capa!
- Tá certo... ó, chegou o elevador!
- Obrigada por abrir a porta.
- Mereces!
- Boa noite.
- Até mais!
Quase decifrado o segredo. Por enquanto, constatações e pistas contra o engenheiro. Uma porta-bandeira no apartamento do Totonho. Aqueles cabelos puxados para trás e a camisa para dentro das calças escondia alguma coisa. Metódico não só no comportamento, mas com as mulheres. Um exemplo estranho, mas bom. Ao menos era fiel – mulheres cultuam isso.
No outro dia, não deu outra. As suspeitas viraram provas concretas. Na capa do jornal: “Unidos da Dom Joaquim é tricampeã do carnaval 2008”. E a morena, toda fantasiada recebendo a taça de tricampeã do carnaval local. Com o mesmo sorriso de 32 dentes ressaltados pelo batom vermelho que o Ed costumava ver. Depois de hibernar durante os dias de festa, se alimentar direitinho e assistir aos filmes que havia alugado, o Totonho faria a festa na quarta-feira de cinzas. A festa não era na avenida e sim no pequeno apartamento. E com direito a pizza! Supimpa!
O carnaval transforma as pessoas. Existe uma vida antes e outra depois dele. É um marco que se repete uma vez por ano. Ele muda o comportamento das pessoas. Dá ânimo, renova, alegra e traz novas perspectivas. Até mesmo aqueles que não gostam de carnaval e futebol. O Antônio realmente era diferente, não pulava nos dias de carnaval. Cada um com suas manias. Acordava na quarta-feira de cinzas, cheio de energia depois de dias recluso – assim como fazem os ursos em certas épocas. O próximo encontro certamente será daqui a 365 dias. Até lá, ele que se guarde até o próximo carnaval chegar. Afinal de contas, agora, a morena é tricampeã do carnaval de Pelotas.
Solteiro aos 42 anos de idade. Um engenheiro químico, metódico, extremamente detalhista. Daqueles que usa camiseta para dentro das calças e penteia o cabelo para trás com pente de osso. No mínimo uma pessoa fora de década. Birrento, briguento e, ainda pior, detestava futebol. Qual o homem com 42 anos de idade não tem interesse em futebol? Para confirmar as estranhezas do Totonho – que não era coronel muito menos dono de cabaré – ele havia levado apenas uma mulher, a mesma, ao seu apartamento em 12 anos apenas na época de carnaval. O grande Ed, o porteiro do prédio, foi quem contou a história:
- Fala Ed! Tudo tranqüilo?
- “Iai homi” – o Ed sempre falava isso – Tudo ok! E as provas?
- Só semana que vem! Vem cá, me diz uma coisa, qual é a do cara do 604?
- Ihhh! Ele andou aprontando de novo?
- Como assim “aprontando”?
- É um tipinho estranho. Briga nas reuniões do prédio, entra e sai e nem cumprimenta, não agradece e muito menos puxa um assunto!
- Ele é casado? Mora sozinho?
- Mora aqui no prédio há mais de 12 anos!
- 12 anos? Ele é o mais antigo daqui?
- É! Detesta futebol, anda sempre sozinho. O estranho é quando chega o carnaval, ele sempre traz uma mulher e encomenda uma pizza.
- E é a mesma mulher? Será que não é namorada?
- Uma tal de Samanta. Sempre ela. Uma morena jambo de cabelo pela cintura. Com mais de 1 e 80 de altura! Cheirosa, toda maquiada. Uma loucura!
- Wow! Mas Ed, como tem gente estranha por aí! Esse aí supera as expectativas!
- Mas pára Marcos, o pior: ele odeia futebol. Sempre quando tem jogo da dupla Bra-Pel ele só chega depois da meia-noite. É sempre a mesma coisa!
Engraçado, os porteiros sempre sabem de tudo. Eu tenho lá minhas dúvidas se eles possuem um canal de comunicação entre eles ou coisa parecida. Talvez auscultem pelas portas, enfim. São bons jornalistas, sempre atualizados dos fatos. Mais para um Nélson Rubens do que para um William Bonner. Mas bem, voltando ao Totonho, mas por que a mesma mulher? Porque não uma diferente? É bom dar uma descontraída. Tão bom quanto ter mais de um tênis ou sapato. Variar. Hoje o preto e amanhã marrom. Não.
Na véspera do carnaval, o estranho chegava munido de sacolas, filmes e pacotes da farmácia. O carrinho de compras do prédio ficava transbordando de tanta coisa. O porteiro da tarde, o Padilha, era o único que conseguia fazer o maledeto falar enquanto o elevador não chegava. Escada? Nem pensar. Nem quando o elevador estragasse.
Aquela mulher era uma incógnita. Uma diarista? Uma amiga? Uma prostituta? O quê meu Deusinho querido? Morena, alta, cheirosa, sempre de sapato alto. Cara de quem gostava de samba. Não era travesti, o Padilha tinha certeza. Era sua vizinha no Bairro Dunas. Foi aí que as pistas começariam a se encaixar. O Padilha era vizinho, o Antônio só falava com ele, visitas somente em época de carnaval e normalmente na quarta-feira de cinzas. Não precisa ser nenhum 007 para juntar as coisas. As fontes secundárias já ajudavam a chegar a um determinante, só faltava a prova conclusiva para matar a charada.
Na quarta-feira de cinzas, por volta das 20h, a tal morena chegara ao prédio mais uma vez. Em trajes curtíssimos e com um perfume de bambolear as pernas dos homens. Há 12 anos o Ed ganhava esse presente de visão. Neste ano, um presente a mais: uma conversa maior, já que o elevador não estava no térreo. Porteiros normalmente conversam rapidinho sobre o tempo, se vai chover ou fazer sol. Não, desta vez tinha que ser diferente. A curiosidade nos presentearia com mais uma pista, despretensiosa por parte da morena, mas uma pista:
- Pois é, mas amanhã volta tudo ao normal. – disse o Ed.
- Amanhã o dia vai ser perfeito! Tudo está perfeito! Estou com sorte! – completava a morena, com uma voz rouca.
- Estás gripada?
- Ontem choveu bem na hora que a escola entrou na avenida. Não tinha como me proteger.
- Ahh! Tu desfilas, então?
- Sim, na Unidos da Dom Joaquim. Sou porta-bandeira da Escola há 12 anos!
- Que legal! Meus parabéns pelo título! Acabei de ver no jornal das seis.
- Obrigada! Ah! Amanhã, olha a minha foto no jornal, acho que vou sair na capa!
- Tá certo... ó, chegou o elevador!
- Obrigada por abrir a porta.
- Mereces!
- Boa noite.
- Até mais!
Quase decifrado o segredo. Por enquanto, constatações e pistas contra o engenheiro. Uma porta-bandeira no apartamento do Totonho. Aqueles cabelos puxados para trás e a camisa para dentro das calças escondia alguma coisa. Metódico não só no comportamento, mas com as mulheres. Um exemplo estranho, mas bom. Ao menos era fiel – mulheres cultuam isso.
No outro dia, não deu outra. As suspeitas viraram provas concretas. Na capa do jornal: “Unidos da Dom Joaquim é tricampeã do carnaval 2008”. E a morena, toda fantasiada recebendo a taça de tricampeã do carnaval local. Com o mesmo sorriso de 32 dentes ressaltados pelo batom vermelho que o Ed costumava ver. Depois de hibernar durante os dias de festa, se alimentar direitinho e assistir aos filmes que havia alugado, o Totonho faria a festa na quarta-feira de cinzas. A festa não era na avenida e sim no pequeno apartamento. E com direito a pizza! Supimpa!
O carnaval transforma as pessoas. Existe uma vida antes e outra depois dele. É um marco que se repete uma vez por ano. Ele muda o comportamento das pessoas. Dá ânimo, renova, alegra e traz novas perspectivas. Até mesmo aqueles que não gostam de carnaval e futebol. O Antônio realmente era diferente, não pulava nos dias de carnaval. Cada um com suas manias. Acordava na quarta-feira de cinzas, cheio de energia depois de dias recluso – assim como fazem os ursos em certas épocas. O próximo encontro certamente será daqui a 365 dias. Até lá, ele que se guarde até o próximo carnaval chegar. Afinal de contas, agora, a morena é tricampeã do carnaval de Pelotas.
3 comentários:
Grande Antonio , espera um ano inteirinho pra "recuperar" a sua energia , os seus sonhos , a sua vontade de viver um proximo ano...
E assim é com todos nós o ano só vai realmente começar agora .
É agora mesmo... que estamos de alma lavada , nos divertimos de um jeito ou de outro , e estamos preparados pra um ano cheio de coisas novas , propostas novas, "vidas novas".
Estamos preparados pra ir a luta e no final de tudo vencer .
E lááá em 2009 passaremos por isso tudo novamente , para enfrentarmos um outro ano , é um maravilhoso ciclo que nos dá animo.
Beijao amado...
Eu li!
Huuummm! Quer dizer que mora uma morena no coração dele? Pow! Mas esperar 365 para rever a morena é muito tempo!!??! Bom, cada um com as suas mesmo.
Não sou muito decarnaval, mas não hiberno como os ursos. Às vezes, até me supero e vou em um baile. Hehehehehe! Mas acho fantástico quem gosta e aproveita de uma forma sadia.
Obs.: Meu pai tem 44 anos e não gosta nem de carnaval e nem de futebol, só não é solteiro. Heheheheheh!
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