quinta-feira, 8 de maio de 2008

As Quatro Mulheres


Fatos muito suspeitos aconteciam no apartamento 1202. Músicas altas e gargalhadas com vozes masculinas e femininas. Até aí tudo bem senão fossem as mulheres que visitavam aquele apartamento. Dia sim e dia não. Assim como os dias, elas também eram intercaladas em tipos. Um dia uma loira, no outro uma morena. Depois uma ruiva, no outro dia uma negra. Mas por que diabos todas aquelas mulheres visitavam o apartamento dele? Moraria ali um homem perfeito?

A suspeita do apartamento 1202 fora desvendada pelo porteiro noturno, o Ed. O cara mais bem informado das redações de qualquer meio comunicativo do Brasil, quiçá do mundo! Porteiros são assim, sempre atualizados sobre tudo o que acontece. Se você conversar com um saberá que ele certamente não puxará um assunto sobre como está o tempo e sim como está a cotação do dólar ou até poderá dar mais detalhes sobre o caso da menina Isabela. Informadíssimos.

No tal apartamento do 12° andar, em 2002, morava um homem que aparentava ter uns 25, 26 anos. Poderia ter 27 ou 28, talvez, mas não chegava aos 30. João. João Carlos. Alto, forte, cabelo castanho repartido e olhos claros. Não era um cara boa pinta. Só que como me contou o Ed, dava para o gasto. Sim, dava muito para o gasto. Talvez fosse charmoso ou talvez soubesse utilizar a lábia para conquistar todas aquelas mulheres que perfumavam o hall de entrada do Edifício Rembrandt a cada visita que lhe faziam.

O ritual de todas era o mesmo. Chegavam, davam boa-noite, identificavam-se ao porteiro para que ele interfonasse ao João avisando da chegada e, pimba!, subiam e aí sim começava a festa. Vozes, gargalhadas e o som da televisão ou de alguma música ao fundo que ecoavam pelos corredores, atravessavam os espaços vazios e viajavam pela escada até a portaria do edifício. Uma loucura só. Além das gargalhadas, sons mais íntimos, sussurros mais fortes como diria o antigo síndico da época. E o Ed lá embaixo, sentadinho, aguardando a descida da vítima de João para dar o boa noite de despedida e aquele ritual de seu trabalho, abrir e fechar porta e coisa e tal. Martirizava-se ao escutar aqueles sussurros daquela festa íntima. Ficava pensando em sua Paula tentando apressar as horas para voltar a sua casa para abraçá-la. Apenas escutava os sons e imaginava. Apenas.

Três ou quatro horas depois a mulher da vez descia com um cheiro não mais tão doce, mas a sabonete. João descia com ela até a portaria, abria a porta do elevador, despedia-se com um beijo rápido no rosto da vítima da vez e voltava ao seu apartamento. Não era de muitas palavras. Apertava o botão do 12° e nem queria mais olhar para a mulher. Talvez fosse uma tática para não querer envolver-se com a presa. Talvez fosse um encontro casual regado a bebidinhas e sexo, sem envolvimentos maiores. A presa da vez seguia até as duas outras portas de saída do hall sendo acompanhada pelo o incansável Ed, com seus boa noites e papos rápidos de portaria.

Um cheiro de sexo com sabonete impregnava a portaria por alguns instantes. Um cheiro conhecido pelo Ed, dia sim e dia não. Só nos seus dias de trabalho – já que seu horário também é de um dia sim e outro não. Sabia de cor a seqüência e até os nomes das mulheres: Andréia, a negra; Cíntia, a morena; Juliana, a ruiva e a Bruninha, a loira. Uma loira de botar qualquer Carla Perez no chão com suas nádegas polpudas e peitos empinados. Uma loucura! O Ed suava frio quando a via chegar naquele prédio, mas preferia a sua Paula que lhe era a mulher mais linda do mundo. As outras eram os restos perto de Bruninha – que de inha não tinha nada. Poderia ser Brunona, com ona de tantas medidas preenchidas que carregava naquele corpo de 1,70m.

A ordem das mulheres sempre havia funcionado para o garanhão 1202. Tinha quatro mulheres. Fixas de certo de modo. Um hárem, o sonho utópico de todo o homem ocidental solteiro – e também dos casados, sim, dos casados. Segunda, quarta, sexta e domingo. Quatro dias, quatro mulheres. Uma boa tática de não enjoar da mesma mulher. Talvez ele procurasse em todas aquilo que procurasse apenas em uma. Talvez preferisse as nádegas de Bruninha com os peitos de Cíntia mais a boca carnuda de Andréia e mais a inteligência e o carinho de Juliana. Ah, Julianaaaa!pensava com muitos a’s, depois de consumar o fato com a pequenina. Outra probabilidade também seria a de não ter conflitos com as moças devido aos períodos de tensão pré-menstrual. Teria mais chances de evitá-los. Quem sabe até as ordenasse por esse motivo. Vá saber!

Nessas subidas e descidas das mulheres do João, o Ed decidiu que iria descobrir alguma coisa sondando de leve alguma delas e escolheu a Bruninha para puxar um papo. Ela era a única que parecia mais despojada, mais comunicativa. Num dia de chuva, depois de João a despedi-la como normalmente fazia, ela teve de chamar um táxi e como aquela coisa de celular sem crédito e sem sinal ela acabou pedindo ao Ed para usar o telefone da portaria. Até o táxi chegar ficaram de papo. O Ed acabou falando até de tempo, coisa que não costumava falar, mas já que estava chovendo, paciência. Entre um assunto e outro, ele falou a Bruninha que não conhecia muito o morador do apartamento 1202. Ela o apresentara com a seguinte frase:

- Ele é maravilhoso! Ma-ra-vi-lho-so!

O Ed a ouvira soletrando e pensou que certamente o João seria tudo aquilo mesmo, afinal eram tantas mulheres! Em seguida não titubeou em perguntar o que lhe surgira na cabeça no exato momento do ponto final da frase de Bruninha:

- E vocês são namorados?
- Sim, namoramos já faz três anos desde que nos formamos em Administração. Não convivemos muito junto por causa do trabalho dele. Coitadinho, trabalha quase todos os dias, só tem tempo para nós uma ou outra horinha na semana.

É claro, o Ed segurou a língua dentro da boca para não falar bobagens alusivas às outras visitantes. Fora salvo pelo gongo, ou melhor, pelo táxi que chegaria ao exato momento que a língua insistia em largar outras perguntinhas maliciosas. Abriu as portas do hall e viu aquela loira, traída, indo embora rebolando em cima de um par de sapatos de salto mais finos do que uma caneta Bic. A loira entrou no carro e foi-se.

Em menos de cinco minutos, chegaria a Andréia, a negra Andréia. Uma globeleza pelotense. Uma morena jambo com um perfume amorangado. Duas mulheres em apenas um dia?pensou o Ed. O João era mesmo um administrador de elite, não apenas no tal trabalho que lhe tirava as horas com a namorada Bruninha, mas também com as outras mulheres, as postiças de sua vida. Abrira as portas do hall, distribuíra o famoso boa noite e avisara ao João da chegada da moçoila. Perfeito. Ela subira e substituía a cama ou o sofá ou a mesa ou o chão ou qualquer lugar daquele apartamento ainda impregnado com o cheiro de Bruninha.

Tudo nos conformes. O João se divertindo e o Ed contando as horas para ir embora. Quando ele já estava pensando em dar aquela pestanejada no alto da madrugada enquanto escutava aqueles sussurros e risos ecoados e vindos pelas escadas, alguém batera na campainha do prédio. Era a loira! Ela havia voltado. Mas como? Em três anos ela nunca havia retornado, assim como nenhuma das outras mulheres. O Ed fez um sinal de espera, com a palma da mão aberta para a loira. Na chuva, coitadinha! – pensou. Mas precisava avisar o 1202 sobre a chegada inesperada da loira. O João demorou a atender, claro. Depois de duas insistidas atendeu e disse para o Ed dizer que ele não estava, que havia saído para ir a farmácia. O Ed defendeu a mentira da classe e assim o fez.

Teve de abrir a porta para a loira e informou-a que o namorado havia saído. Mas como se o carro dele está estacionado aqui na frente?questionou ela de imediato. O Ed, bem, o Ed ficou sem resposta. A loira pegou o interfone e tocou para o apartamento. Adivinhe você quem atendeu? Andréia. A negra de perfumes amorangados. Que loucura! Discussão pelo interfone. As luzes dos outros andares começaram a serem ligadas pelos outros vizinhos importunados pelos gritos das duas. Uns até escutaram a discussão na extensão, pois pegaram o interfone de seus apartamentos para reclamar ao Ed do barulho. Uma confusão daquelas de tirar o fôlego. Ainda bem que o Ed estava com o preparo físico em dia. Segurou-a na portaria sem deixá-la passar para as escadas e nem para o elevador. Depois de muito custo ela se acalmou, aparentemente, e disse que iria sair do hall para evitar problemas maiores para com os moradores. Saiu sim, mas anunciara ao Ed:

- Ou ele desce agora ou eu tiro a roupa aqui na frente do prédio!
- Mas coooooomo? Não faz isso mulher!
– negou o Ed, pensando em primeiro lugar em sua Paula e depois no seu trabalho.
- Eu vou tirar...

E tirou a blusa. Estava sem soutien.

- Mulher de Deus, coloca isso!

- Eu vou tirar...

E tirou a calça. Ficou só de calcinha.

- Mulher eu vou perder o meu emprego! Coloca essas roupas!

E... e... e... quase tirou a calcinha, agarrando-a com o polegar e com o indicador, rebolando para cá e para lá, provocando o Ed.

- Eu vou lá em cima chamar ele, até trago ele pela orelha, mas coloca essas roupas agora!

Quando o Ed virou as costas o João saíra do elevador possuído por ver aquela cena da namorada (uma das ou nem isso) desnuda, em plena chuva de quarta-feira, no hall do seu prédio. Nem sinal de Andréia. O foco agora era Bruninha, a loira Bruninha de curvas simétricas e ímpares.

Ela se vestiu e colocou o dedo em riste em direção ao rosto de João, para ela: João Carlos e disse com todas as sílabas pausadamente e repetidamente:

- A-ca-bou... a-ca-bou... a-ca-boooou João Carlos!

Ela virou as costas e fora embora debaixo daquela chuva, talvez ela nem sentisse os pingos gelados devido à raiva do momento. João nem quis impedi-la, ainda lhe restavam três mulheres. Teria quantidade, talvez perdesse em qualidade, mas, cada um com suas armações e negócios, ainda mais ele, o administrador João Carlos.

Semanas depois, João ainda recebera as visitas, mas agora, apenas de duas das quatro freqüentadoras, bailando da lista a loira e a negra. Pouco tempo depois, mudar-se-ia do Ed. Rembrandt sem deixar o novo endereço. Segundo as más línguas do prédio de algumas vizinhas fofoqueiras do mesmo andar de João que contaram ao Ed que o vizinho delas era administrador de canudo e tudo realmente, mas na verdade, não era o cara ideal, muito menos perfeito, justamente por causa da sua esdrúxula profissão administrativa: um gigolô. O gigolô do apartamento 1202.

4 comentários:

Anônimo disse...

Marcos do céu, estou chocada! hehehe
Meu Deus como isso tudo aconteceu no meu predio e eu não sabiaa! Tem uns erros grotescos ai hein?! Apartamento 1202?! Oo hehehe suposições eu intendo..

Marcos adorei! Ficou mto show... e o Éd estava louco para encontrar a Paula éé? hahaha ai ques figura!
Ficou muito legal... cada um q aparece nesse nosso prédio né? coisa triste... mas a vizinhança é salva por mim e por uma meia duzia hahahahahaha
Beijão

Ane Kosinski disse...

A cada texto descubro novas habilidades de linguagem desse guri! Mais um texto excelente! Gosto desse tipo de crônica (ou conto) em que mistura-se literatura de ficção e realidade, com uma pitada de erotismo que não deixa o texto vulgar. Parabéns! bju

Anônimo disse...

Quando comecei a ler pensei: 'meu apartamento?' aIUAhuaioHAOiuhiau
Sempre cheio de vozes masculinas e femininas, risadas, música e algumas garrafas junto com o lixo do outro lado da porta. ahhaOIUAhui
Olha, que existem homens gainhas é verdade, mas será que um homem que 'namora' 4 mulheres não gosta de nenhuma delas? Me surgiu a dúvida, sei lá... aHUIOAhuia
Muito bom o texto, apesar do rebolado explícito da Bruninha. aHOUIAHuiah
Beijooo Kito!

Anônimo disse...

Tchê, adorei o texto! Como sempre, tu e tuas habilidades de escrita, que expressa sem vulgaridade e com muita clareza e sutilidade! Beeeeeijãozão pra ti meu Kinhus! Adooooooro :*