sexta-feira, 9 de maio de 2008

Os Sussurros do 903


Fernanda, uma loira espetacular. Resumia-se assim, nada menos que do isso. Espetacular. Quando passava pelos homens torneando e balançando a cintura para esquerda e para a direita, fazia todos os pares de olhos masculinos acompanhá-la como se ela fosse um ponto de referência. E realmente ela era um ponto de referência dos homens pelas ruas de Pelotas, pelos halls dos edifícios e pelos tribunais da região: advogada. Uma mulher da lei... e de lei!

Durante o dia trajava terninhos justinhos para representar algumas pessoas e defendê-las em frente ao juiz. Um coração dócil de comportamento como o de uma criança. Adorava passarinhos, cachorros e até os traiçoeiros gatos. Acreditava não somente nos gatos, mas em tudo e em todos. Defendia todos sempre, desde a época do colégio e da faculdade, onde conhecera Felipe e iniciaria a sua história com ele, de paixão sim, talvez de amor com o tempo.

Foi na fila da catina do Colégio São José onde tudo começou. Ela zagueira; ele atacante. Ele goleador; ela não tão boa na defesa assim. Oi, olás e papinhos soltos de frases curtas e respostas monossilábicas da boca carnuda de Fernanda. Um investimento de curto, médio e longo prazo. Felipe se transformaria em Lipe em três semanas e ela em Fernandinha depois do primeiro beijo. O passo inicial de um relacionamento ainda de colégio, mas que se bem investido e administrado, poderia tornar-se algo muito palpável no futuro.

Lipe, ãrrãm!, quer dizer, Felipe administrou muito bem aqueles dois últimos anos de colégio. Resistiu às piadinhas dos invejosos, conteve-se na verdade em ouvir frases como: “Gostoooosa!”, “Eu casaria contigo!”; e outras do tipo: “Cornooo!”; “Guampuuudo!”. Coisa que nem era, já que Fernanda realmente era uma moça de família. Uma moça que queria tanto ser a advogada para defender as pessoas inocentes de que tanto tinha pena.

Felipe não resistiu apenas ao colégio, resistiu também ao período da faculdade, a sonhada faculdade de Direito que ambos tanto pretendiam entrar. Cinco anos de muito esforço e estágios intermináveis. Mais provas de OAB e período de teste em Porto Alegre. Agüentou a saudade, outras piadinhas bem mais profundas e até desconfiança. Oito anos de namoro. Oito anos suportando aquelas piadinhas. Um teste de resistência. Talvez fosse o pior teste, bem pior do que defender um homem que realmente matara o vizinho por causa de um aparelho do som.

Não era à toa que Felipe olhava para o homem ali, ao seu lado, o assassino, lhe distribuindo sorrisos falsos para que lhe conferisse a melhor defesa ao juiz da comarca. Pensava incansavelmente em como estaria sua Fê, Fernanda, Fernandinha ainda em Pelotas aguardando uma nova oportunidade na prova da OAB já que ela não havia passado na primeira tentativa. Ele em Porto Alegre, na capital, pegando casos ainda pequenos. Aquele homem lhe olhando atravessado o incomodava.

Precisava falar com sua namorada. Teria tempo ainda já que o julgamento ainda não havia começado. Pegou o celular embaixo da mesa, abriu o flip e discou...

- Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens e estará suj... – anunciou uma voz eletrônica feminina do outro lado da linha.

Perderia sua primeira causa? Ele era bom no que fazia. Firme, impávido e, às vezes, até colossal pelo jeito que falava ao juiz.

Ligou de novo em três minutos e nada, a mesma coisa, a mesma voz eletrônica. Não gostava de deixar recados na caixa de mensagens. Sabia que sua Fernandinha não o leria. Mas como que ela está com o celular desligado? Como? Por que? – questionava-se internamente enquanto bufava feito um touro.

Touro? Não, não. Fernandinha sempre fora fiel ao seu Lipe. Era tímida, lembra? Uma guria que se tornou um mulherão, mas que ainda preservava a timidez da infância e a doçura de distribuir comida embaixo da lixeira do edifício em que os dois moravam em Pelotas, o Ed. Rembrandt.

Moravam há quase dois anos juntos, desde o penúltimo ano de faculdade quando os pais de Fernanda se mudaram para Veneza. Será que ela estaria de papo com o Ed? – cogitava Felipe. Fernanda adorava conversar com os porteiros, especialmente com o Ed, que além de ter um bom papo e ser uma boa pessoa, lhe fazia favores dos mais diversos – inclusive quando escondia do síndico de onde estava vindo o barulho musical-sexual, do apartamento 903.

O Ed já havia livrado o casal de muitas em dois anos de moradia no edifício. Quando o síndico, o seu Antônio chegava e escutava algum barulho muito alto depois das 22h, interfonava para a portaria para saber de onde vinham aqueles gemidos e gritos que preferia chamar de sussurros. O Ed negava e dizia não saber de nada, negava até a morte.

Até que um dia, como tudo tem o seu fim, o seu Antônio escutara os mesmos sussurros em um sábado à noite. Sem interfonar para a portaria saiu colando os tímpanos nas portas dos vizinhos. Descobrira: o barulho vinha do apartamento da ordem, o apartamento de Felipe e Fernanda, a dupla FF.

O síndico desceu em seguida até a portaria e pediu ao Ed para interfonar e pedir que um dos dois descesse para comunicar a reclamação de barulho e assinar a ata:

- Felipe?
- Sim, diga...
– com uma voz cansada.
- Podes descer aqui na portaria? O seu Antônio quer falar contigo!
- Aconteceu alguma coisa?
- Aquilo...
– respondeu o Ed.

Em dois minutos lá estava o Felipe com o cabelo todo emaranhado e com um pseudo-rosto de sono. O seu Antônio comunicou o acontecimento e dizia entender que aquilo acontecesse, mas na altura que era seria impossível dormir e também falta de respeito com os vizinhos.

- Felipe, aqueles sussurros estão muito alto, sabes...
- Não vai acontecer mais, seu Antônio!
- Não é bem assim! Pode acontecer, mas não naquela altura!
- O senhor fique tranqüilo isso não se repetir!


Felipe girou nos calcanhares e subiu pela escada esbanjando um vigor físico de dar inveja em qualquer Ronaldinho e continuou o ato, mas desta vez, em silêncio. Ou não continuou também, ninguém sabe dizer.

As lembranças e a saudade de sua Fernandinha lhe apertavam o coração. E nada de o julgamento começar. Mais saudade e mais vontade de voltar para casa. Já era sexta-feira. Acabaria o julgamento, ele tomaria o seu Clio preto pretinho e rumaria 254 km ao sul do Rio Grande do Sul. Em três horas, três horas e meia veria Fernandinha novamente em solo pelotense. Mas precisava antes escutar a sua voz, a sua doce voz. Era uma espécie de ritual. Em todos os julgamentos sempre falava com ela minutos antes do início da sessão e ganhava as causas. Perderia desta vez? Não poderia. De jeito maneira! Mesmo defendendo aquele vizinho ladrão de meia tigela.

- Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mens... – fechou o celular e nem deixou a mensagem completar. No mesmo instante o juiz adentrou o ambiente e uma voz masculina anunciou:

- Está iniciado o julgamento. Por favor, fiquem de pé para a entrada do meritíssimo senhor juiz Plínio de Carvalho Albuquerque de Almeida.

Todos levantaram.

- Podem tomar seus assentos novamente.

Todos sentaram em seguida.

E novamente a voz masculina saía do sistema de som do tribunal:

- Que entre a defesa da vítima.

Todos levantaram, inclusive Felipe, a defesa da parte acusada.

Abaixou a cabeça, abotoou os três botões do paletó. Um, ok. Dois e três ok. Girou o corpo para a esquerda e viu, lá no fundo do tribunal a loira. A sua Fernandinha, a loira espetacular que todos enchiam de adjetivos trajando naquele momento um terno marrom, o terno feminino mais bonito do mundo para Felipe. Ele nem olhara para a defesa da vítima que adentrava ao local. Tinha olhos apenas para ela. Ela! Conteve-se em não sair do lugar ou acenar para ela. Dera-lhe apenas uma piscadinha de olho e recebera um beijo jogado no ar, por aqueles lábios carnudos e rosados de Fernanda. Respirou fundo e concentrou-se. Agora iria ganhar, decerto que sim.

Fez a sua defesa mais colossal de toda a sua curta história como advogado. Gostava disso também, talvez até mais que Fernanda. Fizera um discurso colossal, impávido, nunca antes feito. Convencera não somente o juiz como também o júri popular que estava naquele tribunal. Não fizera aquilo por aquele ladrãozinho risonho que lhe sorrira para incentivá-lo a defendê-lo sublimemente. Fizera por Fernanda, a sua Fernanda, a dona da lei da sua legislação.

Saíram daquele tribunal de maneira civilizada. Passaram no shopping, antes de tomarem a estrada, para jantar e fazer umas algumas compras rápidas. Em três horas e meia, coisa para mais ou para menos, já estavam em casa. Entraram no elevador correndo, apertaram o botão do nono andar, invadiram o apartamento e... e... e...

O interfone da portaria tocou:

- Ed, que barulho é esse? – perguntou bufando o seu Antônio.

- Não sei de naaada seu Antônio! Nem estou ouvindo nada...

Os sussurros continuariam até altas horas da madrugada até a mesma história acontecer de novo, e no dia seguinte, e no domingo e em todos os finais de semana em que os dois estavam juntos. Sorte dos dois sim, mas mais sorte do atacante Felipe, no trabalho e muito, mas muito mais sorte com a ex-zagueira Fernanda, agora, a dona das leis do amor dos dois.

2 comentários:

Anônimo disse...

Que mania que tens de dizer que gato é traiçoeiro!! '¬¬ Vou te trazer aqui em casa e te apresentar os meus trocentos gatos pra tu mudar de idéia, vais ver!! aHAuiohaUIHAOIhuaioHIAUhiuaHIUA
Ahhh... Não entendo porque o Seu Antônio se irritava com os 'sussuros'. Na maioria das vezes é muito engraçado de escutar, ou no mínimo excitante... O síndico era broxa. :P aOAUIHIUAOAIUhaUIAIu
Beijo Marcos!!

Anônimo disse...

será que o fato de o Felipe passar a chamar a Fernanda de FernandINHA foi o mesmo que eu passei a te chamar de MarquINHOS??? haha
acho que foi :P
muito bem escrevido esse texto hauihaihua só pra te acompanhar nos erros gramaticas nele presente! ;P
Beijócaaaa vizinho