domingo, 25 de maio de 2008

Estradas Alternativas - Capítulo XIV


Dona Eulália havia pedido ao vizinho Fernando para ligar a chave geral do fornecimento de energia elétrica do bairro. O filho pulara o muro assim como o tal homem que havia apagado e ameaçado a mãe dele. Pronto. O transformador estralou e forneceu novamente luz ao bairro. Dona Eulália, a Super-Vovó.

Alaor agora pudera ver depois de apertar as retinas por alguns segundos até a nitidez lhe preencher as órbitas: a peça dos fundos da casa de Paulinha, na verdade, mais parecia um açougue do que propriamente uma peça dos fundos que abriga normalmente a casa de um filho que casa e não quer sair de casa ou até um quarto para coisas antigas.

A peça mais parecia um guarda-roupa gigante repleto de cabides e ganchos que penduravam algumas coisas. Mas o que é aquilo pendurado? – questionou-se espantado com o que agora compreendia ver através da porta e das janelas sem cortinas.

- É um açoooougue! – definiu.

Tudo muito estranho. Um açougue no fundo da casa? Como assim? Mais estranho ainda seria as carcaças daqueles bichanos penduradas em ganchos metálicos. Porcos, bois e cavalos. Sim, cavalos! Aquela peça não era apenas um açougue como também um matadouro de animais. O tal homem atacaria Amanhento por causa de suas carnes rijas. Queria ganhar dinheiro com os músculos inteiriços do companheiro de longas jornadas de Alaor. Talvez vendesse para os açougues dos outros bairros de Rio Grande ou ainda para os churrasquinhos de porta de Estádio. Churrasquinho de gato? Que nada! Churrasquinho de cavalo!

Lembrara na hora do romance que havia lido de David Coimbra sobre os crimes que aconteceram na Rua do Arvoredo, em Porto Alegre, há muitos anos atrás, onde pessoas eram atraídas por uma mulher e transformadas em lingüiça por um homem que ouvia música clássica e freqüentava teatro. Um friozinho gelado percorrera a espinha de Alaor no exato momento que a lembrança fixava a possível relação com o que estaria vivendo juntamente com o amigo Amanhento.

Tinha que fazer alguma coisa, não poderia mais ficar ali esperando a morte chegar ou ainda ver Amanhento virar enchimento de lingüiça na sua frente. Não poderia também esperar que Paula viesse lhe chamar para ir janta, até porque talvez ela nem fizesse isso mesmo. Por que esperar de uma mulher de sexo casual e prazer de apenas uma noite aquilo que não tivera nos últimos anos com Deise? A pressão no peito lhe apertaria no seguinte momento que elucidou essa relação: sentiu a falta de Maritza.

A luz havia voltado então poderia arriscar sair do quarto. Pensou duas vezes: porta ou janela? Porta ou janela? Optou pela janela, claro. O pit-bull talvez estivesse trancado em casa desde que a campainha havia sido tocada. Conferiu mais uma vez se nenhum dos dois havia saído da peça. Esperou que fechassem a porta ou dessem algum sinal de que demorariam a sair de lá. Paula aparecera na porta, olhara para os dois lados e encerrara-se com aquele homem na peça dos fundos.

Alaor abriu a janela com todo o cuidado do mundo. Nunca fora tão delicado. Tão mais delicado do que os carinhos primários que fizera em Maritza no dia do primeiro beijo dos dois. Escorou o corpo na janela e calçou as botas. Colocou a camisa, respirou fundo e foi. O primeiro pé, o corpo torcido como uma mola, a cabeça, o outro ombro e o outro pé. Pronto. Estava livre finalmente.

Teria de ser rápido, tão rápido como um puma. Olhou para os lados e viu: de um lado o amigo Amanhento que obedecera ao sinal com a mão esquerda que Alaor sempre fazia quando era para o bichano ficar parado no lugar que estava. Do outro, a saída lateral para o quintal da frente.

O cavaleiro espalmou o lombo do companheiro e o conduziu ainda no chão até aquela saída lateral. O cavalo fora como se fosse uma formiga, com passos leves na grama surrada e alta do quintal. Alaor nem olhara para trás, sabia que se olhasse travaria. Seguiu à frente do amigo o puxando pelas rédeas pelo lado da casa. Quando chegara quase ao final do pequeno corredor lateral, ouviu passos rápidos e riscados, como se unhas riscassem o chão com aquele caminhar.

Era o pit-bull.

Alaor em dois toques pulou para a garupa do amigo e seguiu caminho. Tremelicou de medo de ver aquela tora de patas envergadas para dentro lhe devorando apenas com os olhos. Mas diferente do que pensou o bichano nem lhe mostrou os dentes ou latira. Certamente já conhecia o cheiro do companheiro de pestanas. A sorte voltava a soprar para as estradas do velho cavaleiro.

Mesmo com a sorte ao seu lado, Alaor sabia de uma coisa: precisava achar alguém que o ajudasse já que estava mais uma vez em apuros. O destino agora era certo, tão certo quanto dois mais dois, a casa do amigo Carlos Alberto.






Será que Alaor conseguiria chegar até a casa do amigo Carlos Alberto sem que nada lhe acontecesse? Não sei não! Tem cheiro de coisa ruim no ar... Fique sabendo o que aconteceu no capítulo de amanhã do folhetim "Estradas Alternativas".

Um comentário:

Narca disse...

Hmmm, esse toque de suspense tá me agradando!!
Ao menos agora parece que o Alaor tá tendo um pouco mais de sorte. \o/
Como sempre, esperando o próximo!!
Beijosss!