Desde a infância, Denise carregava para cima e para baixo uma bonequinha de porcelana, daquelas bonecas de luxo fabricadas pelos portugueses. Bonequinha mesmo, uma miniatura, do tamanho dos famosos bonecos da Lego. Poderia ser um chaveirinho ou enfeite de prateleira, mas ela preferia levar consigo. Dizia ser um amuleto. Em dias de provas a segurava firme na mão direita enquanto escrevia com a esquerda; superstição e carinho pelo presente que o seu tio Alberto lhe trouxera da visita a Lisboa.
Crescera como se aquela boneca fosse sua amiga inseparável. Talvez depositasse confiança naquele pequeno pedaço de porcelana. Uma companheira, uma confidente – já que Denise era filha única. As outras bonecas da infância, assim como os ursos de pelúcia, eram deixados de lado, esquecidos nas prateleiras do quarto rosa. Bonecas que falavam e ursos que cantavam: resto.
Mulheres quando atingem uma certa idade adquirem maturidade suficiente para estarem à anos luz dos homens. A diferença chega a ser brusca em alguns casos. Denise não fugira a regra. Quando chegou aos 12 para os 13 anos já tinha alguns costumes diferentes. Não dava muita bola para algumas coisas supérfluas que outras crianças da faixa etária dela ainda ligavam. Começara a se interessar por roupas mais extravagantes e não aquelas roupas rosas de patricinha e que tanto sua mãe lhe enchia o guarda-roupa. Entenda as roupas extravagantes como roupas ousadas. Muito ousadas para uma menina daquela idade.
Aos poucos Denise foi mostrando algumas habilidades muito estranhas. Aprendera a ler muito cedo e com isso adquiriu gosto pela leitura. Mas aos trezes anos de idade não lia mais os livrinhos com histórias óbvias da pré-adolescência. Tinha gosto pelos romances e, de preferência, por aqueles livros grossos próximos ao número de páginas da bíblia. Seu primeiro romance fora justamente “A Boneca de Luxo”, de Truman Capote, escrito em 1958 - talvez tenha escolhido esse título por causa da amiga de porcelana. Uma pré-adolescência além do seu tempo, de costumes bem distintos das outras colegas da escola e das outras mulheres da família.
O seu jeito possuía algo que aos poucos vinha se demonstrando ao passar dos anos. Coisa muito estranha essa guria! – observava a mãe para o pai a cada desejo ou ação da filha. O pai nem ligava, até achava construtivo a filha interessar-se por livros de leitura adulta. Ele acreditava que o vocabulário de Denise melhoraria com palavras mais difíceis e complexas. Mal sabia ele que algo de ruim estava à caminho com aquele tipo de formação.
Os pais não eram pessoas erradas. Talvez tenham sim errado em mimar demais a sua única filha, assim como os avós que tanto lhe deram gordas mesadas e presentes pretendidos que tanto a neta batia o pé. Tinha de tudo. Quando quis o quarto rosa, os pais lhe deram o quarto rosa. Quando inventou de entrar no inglês com nove anos de idade, os pais também atenderam sua vontade. Mas e quando ela pediu para pintar o quarto de preto? Não aconteceu nada, porque ela nem chegou a pedir. Juntou dinheiro e contratou um pintor. Os pais viajaram nas férias de julho e Denise ficou com os avós, mas ela tinha a chave. O quarto ficou pretinho. Os pais? Vermelhos de raiva.
Sua filha realmente estava tendo um comportamento diferente. As notas no colégio continuavam muito boas, não teriam porque reclamar disso. Mas porque pintar o quarto? Por que ler aqueles livros adultos? Por que Denise não era igual as outras tantas meninas do seu colégio? Eram perguntas que assolavam a cabeça dos pais e agora também dos avós. Resolveriam fazer um complô contra a filha e neta. Não dariam mais dinheiro, só assim ela poderia ver que as coisas não são fáceis como ela pensava. Porém, se tirassem o dinheiro, o rendimento da pequena poderia cair no colégio. Não queriam isso, mas precisariam arriscar.
Incrivelmente Denise aceitou sem titubear e sem fazer cara feia na frente dos pais. Óbvio que não gostou, mas não deixaria mostrar algumas caras e bocas. Não poderia ficar por baixo. Não mesmo. Lera num outro livro de Truman Capote, “A Sangue Frio” a história de uma família assassinada por dois criminosos. Tivera essa idéia na hora. Correra para o quarto, deitara e ficara pensando na hipótese. Seria interessante! – pensou. Uma rebelde. Denise havia virado definitivamente uma rebelde sem causa. Sempre tivera de tudo, mas porque a rebeldia instantânea? Culpa dos livros e das histórias? Denise pensou em matar os pais, mesmo que por um segundo. Mas pensou. E dormiu.
Seria um plano maquiavélico. Poderia ser manchete nos jornais e até aparecer na televisão mesmo com o rosto desfocado. Seria famosa. Uma criminosa. Quem sabe até uma serial killer? Desistiria da idéia. Para ser uma serial killer precisaria matar outras pessoas e ela não tinha motivo para isso. Olhara para sua pequena boneca de porcelana, sua boneca de luxo e pensara no tio Alberto. Lembrou que o tio fugira de casa com 15 anos para ganhar a vida em outra cidade. Fugir. Isso! Isso! Isso! – decidiu interiormente.
Arrumou uma mochila com algumas roupas. Poucas roupas. Reuniu todo o dinheiro dos cofrinhos e colocou os cds da CPM 22 e da Reação em Cadeia no bolso de fora da mochila junto com o cd player – sem esquecer a bonequinha, é claro. Foi tudo muito rápido. Pensou em deixar um bilhete avisando da fuga, mas preferiu arriscar ligar depois de algum lugar bem longe dali. Talvez fosse coisa de adolescente. Uma adolescente que até então era muito madura para certas situações estava dando demonstrações de instabilidade. Só podia ser culpa dos livros, decerto.
Denise fugiu de casa com 13 anos de idade.
Às 23h fugiu pela porta dos fundos e rumou até a rodoviária mais próxima. Lembrara do amigo Léo que morava em Santo Ângelo. Pegou o celular e digitou uma mensagem sem pé nem cabeça dizendo que estava indo para lá. Tinha dinheiro para isso, talvez não dinheiro suficiente para manter-se viajando para cá e para lá, mas em Santo Ângelo chegaria. Não recebera resposta do amigo Léo. Havia o primo Bruninho - filho do tio Alberto - que morava em Canoas. Pegaria um ônibus de Rio Grande para Porto Alegre e depois um metrô até Canoas, já tinha feito isso uma vez com o tio Alberto. E esse foi o destino de Denise: Canoas
Crescera como se aquela boneca fosse sua amiga inseparável. Talvez depositasse confiança naquele pequeno pedaço de porcelana. Uma companheira, uma confidente – já que Denise era filha única. As outras bonecas da infância, assim como os ursos de pelúcia, eram deixados de lado, esquecidos nas prateleiras do quarto rosa. Bonecas que falavam e ursos que cantavam: resto.
Mulheres quando atingem uma certa idade adquirem maturidade suficiente para estarem à anos luz dos homens. A diferença chega a ser brusca em alguns casos. Denise não fugira a regra. Quando chegou aos 12 para os 13 anos já tinha alguns costumes diferentes. Não dava muita bola para algumas coisas supérfluas que outras crianças da faixa etária dela ainda ligavam. Começara a se interessar por roupas mais extravagantes e não aquelas roupas rosas de patricinha e que tanto sua mãe lhe enchia o guarda-roupa. Entenda as roupas extravagantes como roupas ousadas. Muito ousadas para uma menina daquela idade.
Aos poucos Denise foi mostrando algumas habilidades muito estranhas. Aprendera a ler muito cedo e com isso adquiriu gosto pela leitura. Mas aos trezes anos de idade não lia mais os livrinhos com histórias óbvias da pré-adolescência. Tinha gosto pelos romances e, de preferência, por aqueles livros grossos próximos ao número de páginas da bíblia. Seu primeiro romance fora justamente “A Boneca de Luxo”, de Truman Capote, escrito em 1958 - talvez tenha escolhido esse título por causa da amiga de porcelana. Uma pré-adolescência além do seu tempo, de costumes bem distintos das outras colegas da escola e das outras mulheres da família.
O seu jeito possuía algo que aos poucos vinha se demonstrando ao passar dos anos. Coisa muito estranha essa guria! – observava a mãe para o pai a cada desejo ou ação da filha. O pai nem ligava, até achava construtivo a filha interessar-se por livros de leitura adulta. Ele acreditava que o vocabulário de Denise melhoraria com palavras mais difíceis e complexas. Mal sabia ele que algo de ruim estava à caminho com aquele tipo de formação.
Os pais não eram pessoas erradas. Talvez tenham sim errado em mimar demais a sua única filha, assim como os avós que tanto lhe deram gordas mesadas e presentes pretendidos que tanto a neta batia o pé. Tinha de tudo. Quando quis o quarto rosa, os pais lhe deram o quarto rosa. Quando inventou de entrar no inglês com nove anos de idade, os pais também atenderam sua vontade. Mas e quando ela pediu para pintar o quarto de preto? Não aconteceu nada, porque ela nem chegou a pedir. Juntou dinheiro e contratou um pintor. Os pais viajaram nas férias de julho e Denise ficou com os avós, mas ela tinha a chave. O quarto ficou pretinho. Os pais? Vermelhos de raiva.
Sua filha realmente estava tendo um comportamento diferente. As notas no colégio continuavam muito boas, não teriam porque reclamar disso. Mas porque pintar o quarto? Por que ler aqueles livros adultos? Por que Denise não era igual as outras tantas meninas do seu colégio? Eram perguntas que assolavam a cabeça dos pais e agora também dos avós. Resolveriam fazer um complô contra a filha e neta. Não dariam mais dinheiro, só assim ela poderia ver que as coisas não são fáceis como ela pensava. Porém, se tirassem o dinheiro, o rendimento da pequena poderia cair no colégio. Não queriam isso, mas precisariam arriscar.
Incrivelmente Denise aceitou sem titubear e sem fazer cara feia na frente dos pais. Óbvio que não gostou, mas não deixaria mostrar algumas caras e bocas. Não poderia ficar por baixo. Não mesmo. Lera num outro livro de Truman Capote, “A Sangue Frio” a história de uma família assassinada por dois criminosos. Tivera essa idéia na hora. Correra para o quarto, deitara e ficara pensando na hipótese. Seria interessante! – pensou. Uma rebelde. Denise havia virado definitivamente uma rebelde sem causa. Sempre tivera de tudo, mas porque a rebeldia instantânea? Culpa dos livros e das histórias? Denise pensou em matar os pais, mesmo que por um segundo. Mas pensou. E dormiu.
Seria um plano maquiavélico. Poderia ser manchete nos jornais e até aparecer na televisão mesmo com o rosto desfocado. Seria famosa. Uma criminosa. Quem sabe até uma serial killer? Desistiria da idéia. Para ser uma serial killer precisaria matar outras pessoas e ela não tinha motivo para isso. Olhara para sua pequena boneca de porcelana, sua boneca de luxo e pensara no tio Alberto. Lembrou que o tio fugira de casa com 15 anos para ganhar a vida em outra cidade. Fugir. Isso! Isso! Isso! – decidiu interiormente.
Arrumou uma mochila com algumas roupas. Poucas roupas. Reuniu todo o dinheiro dos cofrinhos e colocou os cds da CPM 22 e da Reação em Cadeia no bolso de fora da mochila junto com o cd player – sem esquecer a bonequinha, é claro. Foi tudo muito rápido. Pensou em deixar um bilhete avisando da fuga, mas preferiu arriscar ligar depois de algum lugar bem longe dali. Talvez fosse coisa de adolescente. Uma adolescente que até então era muito madura para certas situações estava dando demonstrações de instabilidade. Só podia ser culpa dos livros, decerto.
Denise fugiu de casa com 13 anos de idade.
Às 23h fugiu pela porta dos fundos e rumou até a rodoviária mais próxima. Lembrara do amigo Léo que morava em Santo Ângelo. Pegou o celular e digitou uma mensagem sem pé nem cabeça dizendo que estava indo para lá. Tinha dinheiro para isso, talvez não dinheiro suficiente para manter-se viajando para cá e para lá, mas em Santo Ângelo chegaria. Não recebera resposta do amigo Léo. Havia o primo Bruninho - filho do tio Alberto - que morava em Canoas. Pegaria um ônibus de Rio Grande para Porto Alegre e depois um metrô até Canoas, já tinha feito isso uma vez com o tio Alberto. E esse foi o destino de Denise: Canoas
Conseguiu comprar a passagem para Porto Alegre sem que o vendedor lhe perguntasse a idade. Embarcou no ônibus e nem olhou para trás. Estava decidida. Mulheres são assim, mesmo que na adolescência. Já possuem o instinto de decisão. Denise possuía. No caminho pensou na loucura que estava fazendo. Cogitou cortar os cabelos e tingi-los de outra cor. Fora olhando os anúncios nas placas de publicidade na beira de estrada, escutando um cd da Reação em Cadeira, pensando se estava fazendo a coisa certa em fugir de casa por causa do corte da mesada. Aos poucos os seus olhos começariam a pesar e o sono a bater. Resistiu durante uns três minutos. Adormecera em seguida com o balançar da estrada, levando na mão direita a sua companheira de porcelana.
Acordou algum tempo depois e não compreendera onde estava. Piscou fortemente os olhos tentando ter uma visão mais definida do lugar. O sono ainda a balançava. Esticou as pernas e estralou os tornozelos que estavam dormentes pelas pernas cruzadas no banco. Salivou e engoliu a seco. Lembrou para aonde estava indo e o que estava fazendo. Tirou os fones dos ouvidos e desligou o cd player. Aquilo não era um ônibus e sim um carro.
Era um carro familiar. Conhecia aquele tecido dos bancos. Um tecido cinza escuro com pequenos rabiscos azuis, amarelos e laranjas. O cheiro lhe era familiar, um cheiro a carro novo. Meu Deus, onde estou? – pensou. Não sabia o que fazer. Fingiria estar dormindo ainda para ver o que estava acontecendo? Certamente já a teriam visto acordar. Será que eu pedi carona para alguém em algum paradouro? – perguntou-se mentalmente. Precisava fazer alguma coisa. Lembrou de um filme engraçado de Jim Carrey, "Eu, eu mesmo e Irene", em que o personagem pulava do carro com o veículo em movimento. Seria uma saída, mas não para ela. Uma pequena de nem um metro e meio de altura e com 50 quilos. Não, não pularia. Perguntaria, sim. Perguntaria para o motorista onde estava.
Havia duas pessoas nos bancos da frente do carro. Um silêncio que só era quebrado pelo barulho do motor e dos pneus na estrada esburacada pela qual trafegavam. Será que teriam seqüestrado-a? Até cogitou isso, mas não. Amarrariam-lhe os pulsos ou pés. Estava livre. Foi quando olhou para a sua esquerda e avistara um pacote de bolachinha recheada de morango e um achocolatado, justamente os seus preferidos. Na hora relutou, ainda estava com o plano de fingir-se dormindo na ativa. Mas não agüentaria por muito tempo. Estava com fome, muita fome. Se fosse abrir aquele pacote teria de falar com aquelas pessoas.
- Quem são vocês? Onde estamos indo?
Ninguém respondeu de imediato. Denise desatara o cinto, apertara a bonequinha na mão com toda as forças do mundo, empurrara os alimentos para o canto do carro e sentara no banco do meio. Foi quando uma voz masculina lhe respondeu:
- Filha! Estamos indo para Canoas ver o teu tio Alberto e o teu primo Bruninho, esqueceu?
Na infância até temos vontades malucas de pintar o quarto de preto, ler livros de adultos e até vontade de cometermos certas insanidades. Com essas loucuras e ainda com outras vontades é que preenchemos a nossa infância, pré-adolescência e até a adolescência. Mas ainda bem que maluquices como essas da Denise só aconteceram em sonho – ao menos no caso dela. Sorte da boneca de porcelana de Denise que não tem vida. Mas dizem os portugueses criadores que elas vêem tudo, inclusive fazem os sonhos das crianças, em certos casos, parecerem realidade.
3 comentários:
adorei!
:)
saudade kiii!
beeijo :)
Confesso: eu ameaçava fugir de casa. aHUIahuiHIUHuhOUHau
Só tinha dente de leite ainda e já reclamava de tudo :D
Engraçado, eu nunca tive bonecas de porcelana, ursinhos, barbies, essas coisas. Meus interesses sempre eram diferentes das meninas da minha idade. Quando eu tinha uns 9 anos o meu cantor preferido era Zeca Baleiro e a cantora era a Elis Regina. Quase surreal isso! :D
Eu não brincava quando chegava em casa: eu via Friends, That's 70 show, Will & Grace, The Nanny. AhaHaui
Isso que é evolução heim... Enquanto os guris ainda brincavam de tazo eu aprendia inflês vendo tv. Mulheres são demais mesmo! AhaUHauiha :D
Beijo Kitooo!
Ameiiiiiii a historia de Denise :D
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