Pela manhã, todos passavam por ela e nem a notavam. Nem bom dias, oi ou olás. Uns de cabeça baixa, outros de cabeça erguida com o nariz em riste ao infinito. E ela ali, abandonada no corre-corre dos outros.
Já na hora do almoço, a história era diferente: todos a notavam. Até conversavam como se nada tivesse acontecido no desjejum da manhã. A questionavam em algumas vezes. A premiam os dedos com as unhas sujas de feijão e ela nem reclamava. Em outras vezes também, a esbofeteavam como se ela fosse culpada por algum imprevisto ou pelo conteúdo real de suas palavras.
Coitada dela.
Ela era tratada como objeto. Mulher objeto, resume-se assim. Era atenciosa quando a procuravam, quando a acarinhavam na hora de gritar gol. Não relutava nenhum carinho, nenhum chamego. Mas elas danava-se por dentro ao saber do tratamento das pessoas daquela casa. Agia como se tivesse uma bucha de algodão nos ouvidos e no nariz, uma maça na boca e uma venda nos olhos – aliás, grandes olhos – para esconder cada cena cabulosa que vira em anos e anos na sala da família dos Martinatto.
Já era uma senhorita, beirava os 32 ou 33 anos. Seu sobrenome era Toshiba, igual ao nome japonês de uma famosa marca. Seria ela uma nipônica? Seria ela então parente da famosa família japonesa? Não sabiam, porque não carregava consigo nenhuma identidade. Sem marcas. Nem tatuagens ou cicatrizes. Era um espanto. A receberam dos pais de Adelaide, no casamento da filha com o major Francisco, e a tinham como uma filha no começo do casamento.
Mas aos poucos ela foi sendo esquecida, assim como aquela fotografia do nosso primeiro namoro. Primeiro a ostentamos conosco, na carteira, depois colamos em qualquer mural. Daí o namoro vai enfraquecendo: a colocamos dentro da primeira gaveta do nosso bidê, sobre chaveiros, bolinhas de ping-pong. Acabado o namoro, a escondemos dentro de qualquer livro da última gaveta.
Bem longe de nós.
Aos poucos, depois de anos e anos sem dar nenhum trabalho a terceira geração dos Martinatto, tudo começou a mudar. E mudar mesmo. Um sentimento de revolta e abandono começara a tomar conta dela. Aquela falta de bom dias e olás ao amanhecer lhe perturbavam. Sentia-se excluída, literalmente, um lixo. Nem todo o divertimento que dera e, sobretudo, os serviços de babá que tivera com os Carolina e com o Tales – os filhos de Adelaide e Francisco – eram suficientes para ter uma retribuição do casal e também dos filhos, que hoje, nem bola davam para ela.
Pensou em vingança, mas relutou. Lembrou do famoso seriado Chaves em que seu Madruga dizia e repetia: “A vingança nunca é plena, mata a alma e envenena!” – e aquilo lhe martelava a cabeça. A dúvida era cruel. Em contrapartida, poderia fazer de tudo para vingar-se. Quem sabe uma maneira sutil? Roubando alguns pertences ou, quem sabe, enlouquecendo-os até os parentes postiços ao esconder alguns de seus objetos pessoais? Algumas intrigas seriam de bom tamanho! – apontou mentalmente.
E foi o que fez.
No dia seguinte, em mais um amanhecer sem ser lembrada, ligou-se para o dia e anunciou aos quatro ventos:
- Bom dia vocês! – com se a voz dela estivesse no volume máximo de uma televisão por exemplo.
Todos a notaram e responderam em voz coletiva, como se houvessem combinado, com os olhos estralados pela surpreendente ação:
- Bom diiiiia! – com muitos i’s e com vozes ainda mergulhadas em seus confortáveis colchões.
Era chegava a hora da vingança. Aquele bom dia havia sido o primeiro passo da liberdade em relação ao sentimento de grupo que não havia mais deles para com ela. Uma escrava, até então, por tudo que fizera nas décadas que estava imersa na família Martinatto. Ela havia escolhido lutar e optara pelo grito de liberdade, que despontava, agora, como a primeira medida de seu plano maquiavélico.
Já na hora do almoço, a história era diferente: todos a notavam. Até conversavam como se nada tivesse acontecido no desjejum da manhã. A questionavam em algumas vezes. A premiam os dedos com as unhas sujas de feijão e ela nem reclamava. Em outras vezes também, a esbofeteavam como se ela fosse culpada por algum imprevisto ou pelo conteúdo real de suas palavras.
Coitada dela.
Ela era tratada como objeto. Mulher objeto, resume-se assim. Era atenciosa quando a procuravam, quando a acarinhavam na hora de gritar gol. Não relutava nenhum carinho, nenhum chamego. Mas elas danava-se por dentro ao saber do tratamento das pessoas daquela casa. Agia como se tivesse uma bucha de algodão nos ouvidos e no nariz, uma maça na boca e uma venda nos olhos – aliás, grandes olhos – para esconder cada cena cabulosa que vira em anos e anos na sala da família dos Martinatto.
Já era uma senhorita, beirava os 32 ou 33 anos. Seu sobrenome era Toshiba, igual ao nome japonês de uma famosa marca. Seria ela uma nipônica? Seria ela então parente da famosa família japonesa? Não sabiam, porque não carregava consigo nenhuma identidade. Sem marcas. Nem tatuagens ou cicatrizes. Era um espanto. A receberam dos pais de Adelaide, no casamento da filha com o major Francisco, e a tinham como uma filha no começo do casamento.
Mas aos poucos ela foi sendo esquecida, assim como aquela fotografia do nosso primeiro namoro. Primeiro a ostentamos conosco, na carteira, depois colamos em qualquer mural. Daí o namoro vai enfraquecendo: a colocamos dentro da primeira gaveta do nosso bidê, sobre chaveiros, bolinhas de ping-pong. Acabado o namoro, a escondemos dentro de qualquer livro da última gaveta.
Bem longe de nós.
Aos poucos, depois de anos e anos sem dar nenhum trabalho a terceira geração dos Martinatto, tudo começou a mudar. E mudar mesmo. Um sentimento de revolta e abandono começara a tomar conta dela. Aquela falta de bom dias e olás ao amanhecer lhe perturbavam. Sentia-se excluída, literalmente, um lixo. Nem todo o divertimento que dera e, sobretudo, os serviços de babá que tivera com os Carolina e com o Tales – os filhos de Adelaide e Francisco – eram suficientes para ter uma retribuição do casal e também dos filhos, que hoje, nem bola davam para ela.
Pensou em vingança, mas relutou. Lembrou do famoso seriado Chaves em que seu Madruga dizia e repetia: “A vingança nunca é plena, mata a alma e envenena!” – e aquilo lhe martelava a cabeça. A dúvida era cruel. Em contrapartida, poderia fazer de tudo para vingar-se. Quem sabe uma maneira sutil? Roubando alguns pertences ou, quem sabe, enlouquecendo-os até os parentes postiços ao esconder alguns de seus objetos pessoais? Algumas intrigas seriam de bom tamanho! – apontou mentalmente.
E foi o que fez.
No dia seguinte, em mais um amanhecer sem ser lembrada, ligou-se para o dia e anunciou aos quatro ventos:
- Bom dia vocês! – com se a voz dela estivesse no volume máximo de uma televisão por exemplo.
Todos a notaram e responderam em voz coletiva, como se houvessem combinado, com os olhos estralados pela surpreendente ação:
- Bom diiiiia! – com muitos i’s e com vozes ainda mergulhadas em seus confortáveis colchões.
Era chegava a hora da vingança. Aquele bom dia havia sido o primeiro passo da liberdade em relação ao sentimento de grupo que não havia mais deles para com ela. Uma escrava, até então, por tudo que fizera nas décadas que estava imersa na família Martinatto. Ela havia escolhido lutar e optara pelo grito de liberdade, que despontava, agora, como a primeira medida de seu plano maquiavélico.
Mas o que será que ela fez? Qual foi o primeiro passo da vingança dela? Confira amanhã, no segundo capítulo do folhetim "Ela Sabia de Tudo".
Um comentário:
Tu e os teus mistérios! Me deixasse curioso, volto amanhã para ver a sequência!
Abração!
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