Andressa. A primeira da chamada em todas as séries que havia freqüentado. Freqüentava sim, pois não era a mais dedicada aos estudos. Dedicava-se em freqüência ao colégio e, mais ainda, aos colegas, homens, das séries mais avançadas da instituição de ensino. Preferia os mais experientes, mais malandros.
Não tinha muita inteligência, mas era esperta de sabida na arte de conquistar os homens que queria. Em compensação da falta de competência estudiosa, sabia como enlouquecer os marmanjões do Lemos Júnior com seus cabelos encaracolados e com sua boca carnuda, que mais pareciam os sete pecados para os homens pecadores do colégio.
Chegava pontualmente ao colégio, mas só aparecia para a segunda ou terceira ou, às vezes, nem aparecia. Ficava sentada em frente ao colégio tragando cigarros para fazer charme ou jogando conversa fora com as outras amigas que nem eram tão belas quanto ela. De amigas, só na convivência para emprestar blusas e sapatos, porque no fundo – ou nem tão no fundo assim – a invejavam. Queriam a beleza de Andressa, o cheiro irresistível de Andressa, o charme de Andressa. Queriam ser Andressa e ponto.
Os anos foram passando e ela, claro, rodando no colégio. Rodou cinco vezes. Duas vezes na oitava série, duas no segundo ano e uma no terceiro. Sabia de suas limitações de estudo, mas lembrava do pai que lhe incentivava dizendo que ter estudo seria uma das coisas que ninguém poderia lhe tirar na vida. Ela lembrava, mas não conseguia seguir o conselho paterno. Preferia a vadiagem.
Formou-se em 2002 com muito sacrifício. Matemática, física, química e biologia eram os seus problemas. Praticamente tudo. Gostava de português. Lia de quando em vez uns romances, pois gostava de uma boa trama, mas dava preferência às revistas de fofocas que eram mais baratas, práticas e boas para ler no ônibus.
Em casa, quase não tinha a companhia de ninguém. Sua mãe, dona Jurema, era a única pessoa que morava na casa, mas mal parava no lar devido aos trabalhos, na verdade bicos, que fazia. Limpava uma casa num dia, um apartamento no outro e assim ia. Conseguia trazer o arroz e feição, diários, para casa e até pagar algumas prestações da televisão de 29 polegadas que havia comprado.
Andressa envergonhava-se.
Era muito difícil ver Andressa triste. Sempre ostentava um sorriso no rosto quando a vadiagem e o papo sem preocupação da vida eram as pauta principais. Mas quando nesses assuntos o termo mãe vinha a preenchê-los, Andressa saía à francesa, pois tinha vergonha da sua mãe ter que limpar casas, apartamentos e até privadas de banheiros públicos para manter os seus sustentos. Os outros também não eram afortunados, mas possuíam condições melhores de vida.
Quando estava no terceiro ano, prestes a concluir o segundo grau, em novembro de 2001, dona Jurema morreu. Saiu para mais uma faxina e não mais voltou. Andressa recebera a notícia dois dias depois da morte da mãe, pela instrutora de ensino do colégio. Naquele ano, Andressa fechou-se. Não sorria mais, não rebolava propositalmente para os homens do colégio e recusava qualquer convite para matar a aula e ir tragar um cigarro.
Andressa mudou.
A dor da perda da mãe fez com que Andressa tomasse um rumo na vida. Um rumo guiado pelo desejo do pai, de que concluísse o colégio e seguisse uma vida mais digna. Passou a morar sozinha de fato, na humilde casa herdada dos pais, tendo a tia com tutora, no bairro São Miguel.
Em 2002 concluiu o colégio. Pensou em fazer vestibular para Letras. Com sacrifício pagou a inscrição, fez o vestibular com certa dificuldade, mas não passou. Fora bem no português, literatura, nas dissertativas e na redação, mas pecara demais nas exatas, a ponto de errar todas as questões de matemática – sendo excluída do processo seletivo justamente por ter zerado uma das disciplinas.
Após o resultado do vestibular resolveu que iria tentar novamente no final do ano, mas para isso necessitava trabalhar para ganhar um dinheiro e sustentar-se sem depender da tia. Recusou alguns convites de vida fácil proposta por alguns de seus pseudo-amigos. Nos dois primeiros meses não encontrava nada a não ser faxinas como sua mãe costumava fazer para manter a casa.
Passado mais um tempo, recebera um telefonema do SINE de Rio Grande, de que havia sido selecionada para uma vaga de doméstica numa casa de família no centro da cidade. Deixaria então os bicos e teria um trabalho fixo, com carteira assinada e tudo. Teria uma rotina e uma recompensa por seus trabalhos. Aquela oportunidade se tornaria tão importante quanto o ar.
Colocou a sua melhor roupa casual e apresentou-se então na casa dos Martinatto. Premeu a campainha por duas vezes e fora recebida pela dona da casa, Adelaide, e pelo major Francisco. Entrou, sentou numa poltrona marrom da sala e deu uma rápida olhada nos móveis, na grande televisão antiga e na decoração da casa. Uma casa bonita, luxuosa até. Achou um máximo a casa ser próxima de seu antigo colégio, um ponto bom do centro de Rio Grande.
- Quer dizer então que estudasses aqui no Lemos é, guria? – questionava o major.
- Sim senhor! Estudei bons anos aqui, me formei em 2002.
- Eu também estudei ali. É um bom colégio, tem um bom ensino!
- É verdade! Eu demorei a ver isso, mas hoje dou muito valor a tudo que aprendi ali.
Adelaide interrompeu o assunto inicial e foi para a parte que mais interessava:
- Tens experiência em cuidar de uma casa? Fazer comida, lavar roupa, essas coisas?
- Nunca trabalhei como doméstica contratada, mas faço bicos e faço todos esses serviços. Me viro bem. Desde que minha mãe morreu, nos últimos dois anos, tenho trabalhado bastante e já aprendi muito com a lida.
- Hmmm... – balbuciou Adelaide.
- Estás contratada! Começas amanhã! – intrometeu-se o prático e rápido major Francisco, tendo o cruzado olhar de espanto de Adelaide.
Andressa saiu dali dando pulos de alegria. Finalmente havia encontrado um emprego que lhe seria de muita serventia para seu sustento. Talvez pudesse pagar até um cursinho pré-vestibular e fazê-lo no turno da noite e tentar letras novamente no final do ano.
É, mas não foi bem assim que as coisas aconteceram na casa da família Martinatto com a chegada de Andressa.
sexta-feira, 20 de junho de 2008
Ela Sabia de Tudo - Capítulo V
O que haveria acontecido com a chegada de Andressa na casa dos Martinatto? Isso é o que vai saber na seqüência do folhetim "Ela Sabia de Tudo", aqui no Palavra de Guri.
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Um comentário:
Êbaa, trÊs capítulos juntos!!!
Tô adorando a história e esse misto de suspense com aventura deixa tudo mais instigante. :)
Beijoss!!!
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