segunda-feira, 9 de junho de 2008

O Malabarista


Não tenho muitos preconceitos no meu dia-a-dia. Não acho mais estranho ver dois homens ou duas mulheres se beijando em lugares públicos. Aceitei. Não acho mais esquisito um cabeleireiro ou uma manicure serem homossexuais. Tudo bem! Mas o problema nem é achar ou deixar de achar que esses grupos que citei sejam desse jeito “diferente” de outros tantos. Carrego comigo um de que, às vezes, não abro mão: não dou dinheiro a nenhum pedinte em esquinas, portas de banco e muitos menos no trânsito.

Lutar contra certos preconceitos e pré-conceitos do nosso dia-a-dia é algo extremamente difícil. Somos assim e ponto. Teimamos como se fôssemos crianças pedindo um carrinho ou uma boneca nova. Se gostamos daquilo de um jeito e o diferente não nos é conveniente, teimamos. Já quando o diferente é quase a única saída, batemos o pé. Ou seja, nossa teimosia virou mania e, por conseqüência, um pré-conceito que pode virar preconceito no mesmo instante. Complicado, não?

Mas situação mais complicada e quase que irracional se olharmos pelo prisma da igualdade diante de todos os cidadãos da sociedade, é assistir aqueles que nos pedem dinheiro. É, no dia-a-dia, tentar ajudar alguém mendigando umas moedas ou as sobras de uma comida de que, nós esbanjadores, excedemos pela gula ou pela pança cheia...

Difícil.

Não sei de onde surgiu o meu preconceito com essas pessoas. Crianças pequenas, médios marmanjões e até homens idosos já vieram me pedir dinheiro e eu agi como se estivesse com frio: fechando a janela do carro e ignorando o fato ou passando reto por eles como se não os visse - não enquadro neste texto os cuidadores de carro. Porém, por mais que ignorasse o fato e temesse algum ataque pela minha resposta negativa, na maioria das vezes, ficava com o coração na mão junto de um misto de medo e raiva. Seguia caminhando com a cabeça erguida ou empunhava as mãos na direção e esperava o semáforo abrir. Pronto, assim eu estaria livre. Aí é que entrava o meu maior engano, ou como cantaria James Blunt: “the same mistake”.

Já fui assaltado seis vezes na vida. Uma vida curta até então, sim, tenho 21 anos e alguns meses. Talvez seja daí que eu certamente tenha ligação a esse lado obscuro das pessoas que passam necessidade acabarem assaltando para ao menos terem o que comer, vendendo os pertences furtados que seriam importantes para os outros – no caso, nós. Talvez. Muito talvez.

A sociedade fecha os olhos para esses que tanto pedem dinheiro ou ajuda. Essas mesmas pessoas se humilham literalmente a fim de adquirirem cinqüentas centavos, ou nem isso, para juntarem a outras moedas apenas por um prato de comida. Um arroz, feijão e massa – ou nem isso. O leite do bebê da família que já conta com mais de cinco filhos, ou nem isso.

Ou nem isso é a resposta que demonstra a realidade dos nossos medos misturados com a desgraça desses que vivem pelos semáforos esperando o sinal verde, a sorte grande, o verdadeiro milagre da salvação. Seja ele oriundo dos céus, da boa vontade dos que por eles passam, acelerados em seus possantes, ou ainda do dorminhoco governo.

Cheguei ao semáforo da rua 24 de maio, esquina Senador Corrêa, em Rio Grande, e me deparei com a mesma cena que já havia visto outras centenas de vezes em vários outros lugares. Um jovem, com quase 1,90m de altura trajando calças pretas com faixas brancas feitas com fita crepe e uma camiseta também preta com listras verdes feitas com algum tipo de fita colorida. O semáforo fechado e eu ali, na frente dele, o primeiro carro esperando o sinal verde para seguir minha vida e meus afazeres. Ele jogava três limões para cima. Circulava-os rapidamente fazendo círculos temporários. Eu olhava os limões como ele, atentamente. Um sorriso no rosto dele brotava a cada volta que completava mais uma volta com os limões. E outra volta, e outro tipo de malabarismo. Mais um sorriso contido de canto boca.

E o sinal abriu.

Lá veio ele, sem pedir, andando entre os carros com a intenção de receber alguma coisa em troca. Um dinheiro, um troco que lhe fosse suficiente para compra, quem sabe, um pacote de bolachinhas, ou seja lá o que fosse. Imediatamente abri o vidro com a mão esquerda e catei alguma moeda com a mão direita no cinzeiro que uso de cofrinho no carro e peguei a única moeda – de um real – restante do último pedágio da BR-392.

- Hey, amigo! – e estiquei a mão pela janela do carro com o meu melhor sorriso. Simultaneamente naquele momento rápido, mas que para mim parecera durar uma eternidade escutei:

- Muito obrigado! Mesmo, mesmo! Uma boa viagem para o senhor! – respondeu, enquanto as buzinas dos carros já começavam a zunir em nossos tímpanos.

Decerto que ele vai continuar lá naquele semáforo por mais algum tempo. Talvez procure outro e troque para variar um pouco os patrões temporários que nem sempre lhe são gratos pelos seus serviços de malabarismo. Não sei para ele, mas uma coisa em mim começou a mudar com o meu inesperado gesto. Claro que não mudou como se eu tivesse trocado de camiseta.

Espero que meu preconceito tenha ficado em algum daqueles três limões, porque ser azedo, aliás, preconceituoso, realmente, não faz bem a ninguém, por mais que os nossos medos sejam mandantes em nossas ações do dia-a-dia. Portanto:

- Muito obrigado, seu malabarista!

2 comentários:

Narca disse...

Realmente, esses pedintes são uma questão muito delicada. Eu também já refleti muito sobre dar ou não moedas e acabei chegando a uma conclusão. Sempre que posso, ao invés de dar dinheiro, dou algo que possam comer, algo que possam saciar a fome pelo menos daquele momento ou daquele dia.
Quanto aos guardadores de carro, já tive todo o tipo pensamento em relação a eles. Às vezes me pegava pensando: "que forma fácil de ganhar a vida...", mas me dei conta que as coisas não são bem assim, por isso sempre tenho um dinheirinho no mesmo lugar do carro em que citasse, o cinzeiro do carro.
Beijoss!!!
Adorei o texto!!!

Unknown disse...

Mto interessante o teu texto.mtas vezes já me peguei pensando se deveria dar ou ñ dinheiro p essas pessoas,ate pq se nós podemos trabalhar pq eles ñ? sem ver a real situação delas.
preciso rever meus conceitos tbm...

textinho complicado esse teu.hehehe
bjão marquinhos!!!!