Ele disse:
- Relaxa! Eu sei que eu vou fazer... – falou com uma voz bem baixinha, quase inaudível.
Dois segundos depois, a comunicação pelo telefone cessou. A única coisa que se ouviu foi um barulho de água, como se ele houvesse mergulhado numa piscina.
Aquela havia sido a última frase do telefonema dele.
Toda a malandragem de um bom motorista parte do princípio, nada modesto, de que o próprio sabe dirigir muito bem. Afinal, ele tem carteira desde os dezoito anos, quando catou as moedas para atingir o alto preço da aquisição da permissão para dirigir.
Aulas teóricas, vídeos de acidentes para fazer o sujeito tomar consciência e as aulas práticas. Dezenas delas, às vezes. Balizas, garagens; subidas e descidas. Um exercício repetitivo como se o cidadão fosse um rato de laboratório na rodinha. Um exercício necessário, diga-se de passagem.
Porém, mesmo com toda a estrutura que as escolas de habilitação cedem aos seus alunos, muitas vezes, eles nem aprendem nada. Mas sabe quando o nada é nada mesmo?
Quando eu tirei carteira de motorista há cerca de quatro anos atrás, tive um colega desses, o Matias. Um cara de nem um metro e sessenta de altura. Tinha os cabelos os raspados e uma voz de locutor de rádio AM. Um tanto quanto prepotente quando o professor repassava as lições e os vídeos. Ficava escutando seus Irons nos tímpanos nem dando bola para as aulas que estavam sendo dadas.
Por outro lado, a prova teórica já estava chegando. Faltava menos de três ou quatro dias, não recordo bem. E ele ali, do meu lado, batucando com o allstar preto na cadeira da frente os graves da guitarra de Dave Murray. Nem prestando atenção na aula como se o professor fosse o cara mais asqueroso de Rio Grande. Definitivamente o professor não era – por surpresa. Fazia o conteúdo repetitivo e até então bizarro (de fácil) parecer mais atraente dentro das obviedades formuladas nas questões dos livrinhos didáticos da Auto-Escola.
No dia da prova, cheguei atrasado. Mas o Matias estava lá, sem os fones de ouvido. Um milagre. Nem os allstars calçavam os pés pequenos, talvez tamanho 38 ou 39. Um sapato social havia agora tomado o lugar. Achei estranho, mas dei uma balançada de cabeça e um sorriso de bom dia e tomei o meu lugar lá na frente. Respondi as perguntas em menos de dez minutos e fiz sinal para ele que o esperaria lá na frente.
Ele demorou quase uma hora e meia para responder aquelas questões.
- E aí? O que achasses da prova? – perguntei.
- Uma barbada meu! – respondeu ele, de modo irônico.
- Jura? Tu demorasses quase duas horas, cara!
- Tava uma barbada, velho! Eu é que sou meio lerdo...
No dia seguinte, fui até a Auto-Escola ver a minha nota. 28 de 30. Havia passado, agora só me faltavam as aulas práticas e pimba!, teria a minha carteira. Sabe qual foi a nota do Matias? 29! Pasme você.
Na semana posterior, já iniciamos as aulas práticas de baliza e talicoisa. Aula e aula. Não agüentava mais o sol do verão de Rio Grande. Escaldante. Cerca de 32° graus na sombra e aproximadamente uns 40° no sol. Mas a minha instrutora, a Eliete, fazia aquele calor sumir rapidinho me mandando ir por outras ruas mais sombrias. Santa Eliete!
Aquelas duas semanas passando voando – não corri, aliás, não passei nem da terceira marcha, nem dos 40km/h – e a prova prática final havia chegado. Teria eu a possibilidade de ter finalmente a minha CNH. O Matias? Só o vi nas duas primeiras aulas, depois, nem sinal dele. Talvez o carro dele não tivesse um rádio com cd para as músicas dele. Vá saber!
Oito horas da manhã e um frio de rachar lenha. Todos estavam lá aguardando os avaliadores oriundos de Santa Maria. Eu seria o décimo terceiro de cinqüenta alunos. O Matias apareceu sim, ele era o 34°.
Embarquei no carro, dei um bom dia e seguir as ordens do avaliador. Cinco minutos depois, estava aprovado tendo zerado o percurso. Nenhum erro. Palmas para mim! Obrigado, obrigado... mas ainda havia o Matias! Será que ele passaria? Na teoria, mesmo demorando, conseguiu passar na teórica. E na prática? Seria ele bom suficiente para encarar a cara feia dos avaliadores e todos aqueles colegas que o ficaram assistindo?
Ar-rãm.
Esperei para vê-lo enquanto conversava com algumas pessoas conhecidas. Ele encarou. Subiu no carro, colocou o cinto de segurança e... nem saiu do lugar! Apagou o carro, sem querer, por uma vez. O limite de erro é de três pontos. Apagar seria três pontos, ou seja, não poderia mais errar.
Depois do erro, engatou novamente a primeira, a segunda com o carro meio engasgado e foi em frente. Na hora da baliza a fez uns dois minutos guiando-se pelas estacas métricas através dos espelhos do carro. Ok, passou. Era a vez então da garagem, uma das mais fáceis... passou. Mas por pouco não rodou. O avaliador saiu do carro, mediu a traseira do Fiestinha branco, mediu de novo e de novo. Ele e toda a platéia, aflitos de certo modo, olhavam para avaliador.
- Ok, vamos para a via agora! – ordenou ele com uma voz grossa, igual a do Matias, e com um sinal de positivo na mão direita.
O Matias arrancou e fez o mesmo ritual de marcha. Chegou à esquina e... e... seguiu. Não parou. Não respeitou a placa de pare e nem olhou para os lados para ver se vinha alguém. É pênalti, caiu na própria área, deixou-se levar pela ansiedade ou pela pressa de acabar o quanto antes aquele teste.
Rodou.
Hoje pela manhã, fui abrir uns jornais antigos e li uma reportagem de capa que possuía o seguinte título: “Carro cai no mar e vítima sobrevive”. Agora pense e responda: quem seria o motorista responsável pela queda do carro daquela ponte, no tal "mergulhinho" no mar? Qualquer um certo? Sim, mas decerto, algum destrambelhado relaxado que houvesse bebido ou estivesse falando ao telefone com o carro em movimento.
Era ele mesmo, o Matias.
- Relaxa! Eu sei que eu vou fazer... – falou com uma voz bem baixinha, quase inaudível.
Dois segundos depois, a comunicação pelo telefone cessou. A única coisa que se ouviu foi um barulho de água, como se ele houvesse mergulhado numa piscina.
Aquela havia sido a última frase do telefonema dele.
Toda a malandragem de um bom motorista parte do princípio, nada modesto, de que o próprio sabe dirigir muito bem. Afinal, ele tem carteira desde os dezoito anos, quando catou as moedas para atingir o alto preço da aquisição da permissão para dirigir.
Aulas teóricas, vídeos de acidentes para fazer o sujeito tomar consciência e as aulas práticas. Dezenas delas, às vezes. Balizas, garagens; subidas e descidas. Um exercício repetitivo como se o cidadão fosse um rato de laboratório na rodinha. Um exercício necessário, diga-se de passagem.
Porém, mesmo com toda a estrutura que as escolas de habilitação cedem aos seus alunos, muitas vezes, eles nem aprendem nada. Mas sabe quando o nada é nada mesmo?
Quando eu tirei carteira de motorista há cerca de quatro anos atrás, tive um colega desses, o Matias. Um cara de nem um metro e sessenta de altura. Tinha os cabelos os raspados e uma voz de locutor de rádio AM. Um tanto quanto prepotente quando o professor repassava as lições e os vídeos. Ficava escutando seus Irons nos tímpanos nem dando bola para as aulas que estavam sendo dadas.
Por outro lado, a prova teórica já estava chegando. Faltava menos de três ou quatro dias, não recordo bem. E ele ali, do meu lado, batucando com o allstar preto na cadeira da frente os graves da guitarra de Dave Murray. Nem prestando atenção na aula como se o professor fosse o cara mais asqueroso de Rio Grande. Definitivamente o professor não era – por surpresa. Fazia o conteúdo repetitivo e até então bizarro (de fácil) parecer mais atraente dentro das obviedades formuladas nas questões dos livrinhos didáticos da Auto-Escola.
No dia da prova, cheguei atrasado. Mas o Matias estava lá, sem os fones de ouvido. Um milagre. Nem os allstars calçavam os pés pequenos, talvez tamanho 38 ou 39. Um sapato social havia agora tomado o lugar. Achei estranho, mas dei uma balançada de cabeça e um sorriso de bom dia e tomei o meu lugar lá na frente. Respondi as perguntas em menos de dez minutos e fiz sinal para ele que o esperaria lá na frente.
Ele demorou quase uma hora e meia para responder aquelas questões.
- E aí? O que achasses da prova? – perguntei.
- Uma barbada meu! – respondeu ele, de modo irônico.
- Jura? Tu demorasses quase duas horas, cara!
- Tava uma barbada, velho! Eu é que sou meio lerdo...
No dia seguinte, fui até a Auto-Escola ver a minha nota. 28 de 30. Havia passado, agora só me faltavam as aulas práticas e pimba!, teria a minha carteira. Sabe qual foi a nota do Matias? 29! Pasme você.
Na semana posterior, já iniciamos as aulas práticas de baliza e talicoisa. Aula e aula. Não agüentava mais o sol do verão de Rio Grande. Escaldante. Cerca de 32° graus na sombra e aproximadamente uns 40° no sol. Mas a minha instrutora, a Eliete, fazia aquele calor sumir rapidinho me mandando ir por outras ruas mais sombrias. Santa Eliete!
Aquelas duas semanas passando voando – não corri, aliás, não passei nem da terceira marcha, nem dos 40km/h – e a prova prática final havia chegado. Teria eu a possibilidade de ter finalmente a minha CNH. O Matias? Só o vi nas duas primeiras aulas, depois, nem sinal dele. Talvez o carro dele não tivesse um rádio com cd para as músicas dele. Vá saber!
Oito horas da manhã e um frio de rachar lenha. Todos estavam lá aguardando os avaliadores oriundos de Santa Maria. Eu seria o décimo terceiro de cinqüenta alunos. O Matias apareceu sim, ele era o 34°.
Embarquei no carro, dei um bom dia e seguir as ordens do avaliador. Cinco minutos depois, estava aprovado tendo zerado o percurso. Nenhum erro. Palmas para mim! Obrigado, obrigado... mas ainda havia o Matias! Será que ele passaria? Na teoria, mesmo demorando, conseguiu passar na teórica. E na prática? Seria ele bom suficiente para encarar a cara feia dos avaliadores e todos aqueles colegas que o ficaram assistindo?
Ar-rãm.
Esperei para vê-lo enquanto conversava com algumas pessoas conhecidas. Ele encarou. Subiu no carro, colocou o cinto de segurança e... nem saiu do lugar! Apagou o carro, sem querer, por uma vez. O limite de erro é de três pontos. Apagar seria três pontos, ou seja, não poderia mais errar.
Depois do erro, engatou novamente a primeira, a segunda com o carro meio engasgado e foi em frente. Na hora da baliza a fez uns dois minutos guiando-se pelas estacas métricas através dos espelhos do carro. Ok, passou. Era a vez então da garagem, uma das mais fáceis... passou. Mas por pouco não rodou. O avaliador saiu do carro, mediu a traseira do Fiestinha branco, mediu de novo e de novo. Ele e toda a platéia, aflitos de certo modo, olhavam para avaliador.
- Ok, vamos para a via agora! – ordenou ele com uma voz grossa, igual a do Matias, e com um sinal de positivo na mão direita.
O Matias arrancou e fez o mesmo ritual de marcha. Chegou à esquina e... e... seguiu. Não parou. Não respeitou a placa de pare e nem olhou para os lados para ver se vinha alguém. É pênalti, caiu na própria área, deixou-se levar pela ansiedade ou pela pressa de acabar o quanto antes aquele teste.
Rodou.
Hoje pela manhã, fui abrir uns jornais antigos e li uma reportagem de capa que possuía o seguinte título: “Carro cai no mar e vítima sobrevive”. Agora pense e responda: quem seria o motorista responsável pela queda do carro daquela ponte, no tal "mergulhinho" no mar? Qualquer um certo? Sim, mas decerto, algum destrambelhado relaxado que houvesse bebido ou estivesse falando ao telefone com o carro em movimento.
Era ele mesmo, o Matias.
6 comentários:
Ééé.. de maus motoristas tá cheio por ai mesmo. :P
Tava lendo teu texto do dia dos namorados... bonitas palavras, e saindo da tua "boca" (na verdade, da tua mão hioahuiae), sinto o quanto são sinceras! Só sei que essas gurias tão perdendo O cara! :)
Beijos Kinhus! SAUDADEEEEEE!
Meu Deeeeus, que cara maluco! Oo
É por essas e por outras que as leis tão cada vez mais rigorosas e prejudicando os bons motoristas...
Que absurdo isso... Não entendo como dão a carteira prum sujeito assim. Por isso o país não vai pra frente, que raiva!
O pior de tudo é que se esses aí não se matam sozinho, sempre acabam ferindo ou matando quem não tem nada a ver com a demência deles... Mundo cruel.
Beijo Kito!
P.S.: eu sumo mas apareco de vez em quando, ao contrário do senhor. aAIUhoaUIHAuia
E só pra constar, sobre o texto do dia dos namorados:
'Acordar e não ver nenhuma chamada ou mensagem no celular dói.'
...Sonhei contigo quinta-feira e me acordei no meio da noite... Fiquei pensando em ti e senti saudades... Te liguei, e teu celular tava desligado.
Se recebesse msg avisando que eu te liguei eu não sei, mas eu queria te desejar um feliz dia dos namorados e te convidar pra jantar lá em casa e tomar vinho porque eu também tava me sentindo sozinha. Mas como tu disse no texto: 'paciência'. :)
sério isso?? eu fico inventando história com pedacinho de coisa real.. e aí as vezes as pessoas confundem com vida real. Quando leio o que escreves, fico meio assim... será? é só ficção,né?
Eu rodei duas vezes nessa prova prática,já, sem ser Matias, prestei atenção em tudinho, fiz tudo direitinho, mas.. aconteceu na prova o que não fiz em nenhuma das aulas práticas. E tô pensando seriamente em não ser mesmo motorista. Primeiro que não gosto de dirigir, me dá nos nervos, depois que.. é uma grana, né? Dois vestibulares seguidos que eu pego o dinheiro das correções de redação e dou tudo pra Habilitar...
Desculpa o desabafo de condutora frustrada.
Bjão
Bãããããi!!!
Tem gente q parece q faz por merecer mesmo :/
Aueeeeeeeei
Esse problema dos maus motoristas acho daqui há algum tempo vai virar o mal do século, huahuahua.
A gente que vive na estrada (tu sabes bem disso) se apavora com a quantidade de acidentes que acontecem todos os dias e que, na maioria das vezes, são causados por imprudências mesmo, descuido fazendo que a palavra acidente perca totalmente o sentido.
Adorei o texto!
Talvez depois desse "sustinho" o Matias dê mais valor às aulas da auto-escola.
Beijosss!
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