Mesmo com os olhos apertados pelo desconhecido, Alaor olhou e viu: a mesma mulher que conhecera há mais de trinta anos ainda na já saudosa Alegrete. A pele já não era mais a mesma, assim como a dele também não era. As rugas do rosto que vira já amassavam os cantos daqueles olhos, um pouco do nariz, do queixo e também da papada. Uma mulher com os cabelos pendurados até o ombro. Cabelos que pareciam ter sido pintados para esconder a ação do tempo; cuidados de certo de modo.
Aquele rosto o olhara e ele retribuía o olhar. Mudos, calados. Cortados apenas pelo barulho dos bifes sendo fritados e quase já queimados na frigideira. O tempo havia parado para valer. Valer o tempo que os levaria para bem longe durante anos e os faria novamente ficar juntos frente a frente em um lugar inusitado, extremamente desconhecido – ao menos para Alaor, o cavaleiro que havia andado quilômetros e quilômetros no lombo do cavalo e amigo Amanhento em busca de alguma coisa que ninguém sabia a certo o que era.
A fumaça e o cheio de queimado já preenchiam a cozinha da casa de Carlos Alberto e os dois permaneciam intactos, como se tivessem brincando do jogo do sério ou até do jogo pisca-pisca. Quem piscasse primeiro, falaria a primeira palavra, quem sabe. Imóveis, tão pertos e tão longe ao mesmo tempo. Suas mentes certamente estariam voltando anos no tempo para se lembrarem de momentos agradáveis vividos pelos dois.
O primeiro beijo escondido do pai dela que haviam dado na porta do galpão; o primeiro banho de riacho juntos; a primeira noite de amor seguida de um belo carreteiro feito com muito amor e, sem dúvida, disso estavam pensando ou ao menos cheirando.
O barulho oriundo da frigideira havia parado e a fumaça já havia diminuído. Dona Eulália havia adentrado a cozinha e quando vira tal cena, apagara a boca do fogão e saíra à francesa. A surpresa havia se revelado por forças do destino e não na hora de servir o prato principal do almoço surpresa de Alaor.
A troca de olhares seria interrompida com a chegada de Amanhento, cutucando as costas de Alaor em forma de ver o dono são e salvo depois de horas. Um diálogo despretensioso começaria entre Alaor e a tal mulher, com a frase mais simples da história dos folhetins românticos do mundo da literatura:
- Oi... – disse ela.
- Então era aqui em Rio Grande que te escondesses esses anos todos? – retrucou o bom e duro gaudério.
- Digamos que nos últimos treze anos, sim. Moro aqui agora, no final da rua...
- Treze?
- Eu conheci uma pessoa e até fiquei algum tempo junto com ela, mas não deu certo e vim tentar a vida aqui. E tu? Não estavas casado?
- Não, não casei. Conheci uma pessoa também nesses últimos anos, só que não deu certo. Eu ainda tinha esperança em te reencontrar...
- Me reencontrar? Foi tu que...
- Esquece isso, falei demais... – interrompeu ele.
- Mas me diz! Como tu viesses parar aqui? – perguntou ela.
- Eu segui a minha estrada pelo instinto e pela esperança de te reencontrar!
- Isso parece história de pescador! Quer dizer que pegasses o cavalo e viesses até Rio Grande para me procurar? – ironizou a mulher, balançando a cabeça.
- Foi mais ou menos isso. Eu dei muitas andadas por ai antes de arriscar a vida do macanudo na estrada por causa da idade dele. Treinei bastante ele, andando para lá e para cá durante algum tempo. Nessas pequenas andanças fui encaixando pensamentos e formulando trilhas que pudesse seguir para te reencontrar.
- Continuas falando bonito como há anos atrás, hein?
- Até pode ser, mas, desta vez, eu nem pensei muito. Tu perguntasses e saiu, saiu assim como uma andorinha voando da árvore quando assustada pelo caçador...
- Assustada a andorinha? Boa comparação, mas sou eu que estou assustada com o teu aparecimento por aqui. Não esperava por isso! Até estranhei o comportamento da dona Eulália me fazendo perguntas e perguntas sobre ti, mas até compreendi porque ela é meio fofoqueira aqui no bairro...
- Tudo bem que estás assustada, mas não sabes as coisas que passei em menos de dois dias aqui no teu bairro! – disse ele.
- Sei sim, mas não sabia desse teu lado andarilho ai...
- É, as coisas funcionam assim comigo! Tu sabes como sou impulsivo e persistente. Quando coloco alguma coisa na cabeça eu tento até conseguir...
- Mas vem cá, me fala direitinho agora... – interrompia a cozinheira.
- Já sei, queres saber como que eu acabei dormindo com a vizinha do Albertinho?
- Tu dormisses com a vizinha é, seu safado? – falou Maritza com a voz alterada e com as mãos na cintura.
- E tu não ficasses sabendo pela boca da tua vizinha, não? – questionou Alaor.
- Fiquei sabendo que fosses dar água para o teu cavalo e que a vagabunda daquela prostituta te puxou para dentro provavelmente para te oferecer água enquanto o safado do Ari carneava o teu cavalo!
- É, foi isso sim, mas quer dizer então que ficasses com ciúme dela, é? – falou Alaor com um tom galanteador em forma de seda, com o olhar atravessado e com a boca entreaberta.
- Não Alaor, não fiquei não. Não fiquei!
- Ficou sim, tu estás mordendo o lábio inferior e olhando para baixo! Tu não mudasses! És a mesma que conheci há anos e anos!
- Alaor... deu! – tentou cortar o assunto Maritza.
- Lembra do galpão do teu pai? – reforçava o cavaleiro.
- Como que eu vou me esquecer! Foi o nosso primeiro beijo! Mas porque essa pergunta?
- Era para ver se tu ainda lembravas das coisas que a gente viveu...
- Não tem como esquecer, dá até saudade daqueles tempos! – nostalgiou ela.
- Então me diz uma coisa, trocarias um almoço por um passeio a cavalo comigo?
E foi ali pela mesma janela que se olharam de modo inesperado que Maritza saiu em dois toques. Olhou para trás, caminhou três passos e fechou a porta vagarosamente. Voltou, subiu no balcão, esticou a perna direita, puxou a perna esquerda e colocou as pernas no lombo de Amanhento. Não disse nada, nem sim, nem não. Apenas agiu. Teve a oportunidade que tanto sonhara interiormente nos últimos anos de sua vida. Estava finalmente perto do seu homem, o único amor da sua vida.
Não voltaram para ao almoço com os amigos de longa data e com a vizinha queridona. Trocaram o carreteiro e os bifes por um passeio a cavalo que ninguém soubera o destino que tomara. Talvez um riacho, um campo ou a Praia do Cassino de que tanto gostavam. Voltaram do passeio, claro. E hoje, depois de alguns meses, como todo final feliz, de filme romântico ou de novela mexicana, moram juntos na casa verde com amarelinho que até então era só de Maritza e agora é a casa de Alaor, Maritza e da futura herdeira – que não vai ser Paula nem Lurdes e sim em homenagem a vizinha que armaria todo aquele reencontro inesperado entre dois:
Eulália, da pseudo-jornalista de beira de portão e informante da polícia, dona Eulália.
A alternativa de Alaor e Maritza era igual, mas com formas diferentes de alcançá-la: um mudando de cidade para fugir do passado; o outro indo atrás do passado em outra cidade. Ambos queriam encontrar o caminho que lhes deixassem feliz, dando oportunidade e chance ao acaso do destino.
E não adianta! Será sempre por estradas alternativas que as coisas do coração retomarão o rumo, disso você pode ter certeza. Não adianta fugir! Se você ainda não passou por essas perturbações indecisas, irá passar. Mas o objetivo não é perder o foco, nem desviar da rota, a jogada perfeita funciona em olhar para frente e acreditar no destino final. Por mais que haja buracos e acostamentos estreitos, no horizonte ou até em janelas aleatórias, acabará aparecendo aquilo, aquele ou aquela que nos deixará feliz. É tudo questão de paciência e, sobretudo, de tempo nestas estradas (alternativas) da vida.
Aquele rosto o olhara e ele retribuía o olhar. Mudos, calados. Cortados apenas pelo barulho dos bifes sendo fritados e quase já queimados na frigideira. O tempo havia parado para valer. Valer o tempo que os levaria para bem longe durante anos e os faria novamente ficar juntos frente a frente em um lugar inusitado, extremamente desconhecido – ao menos para Alaor, o cavaleiro que havia andado quilômetros e quilômetros no lombo do cavalo e amigo Amanhento em busca de alguma coisa que ninguém sabia a certo o que era.
A fumaça e o cheio de queimado já preenchiam a cozinha da casa de Carlos Alberto e os dois permaneciam intactos, como se tivessem brincando do jogo do sério ou até do jogo pisca-pisca. Quem piscasse primeiro, falaria a primeira palavra, quem sabe. Imóveis, tão pertos e tão longe ao mesmo tempo. Suas mentes certamente estariam voltando anos no tempo para se lembrarem de momentos agradáveis vividos pelos dois.
O primeiro beijo escondido do pai dela que haviam dado na porta do galpão; o primeiro banho de riacho juntos; a primeira noite de amor seguida de um belo carreteiro feito com muito amor e, sem dúvida, disso estavam pensando ou ao menos cheirando.
O barulho oriundo da frigideira havia parado e a fumaça já havia diminuído. Dona Eulália havia adentrado a cozinha e quando vira tal cena, apagara a boca do fogão e saíra à francesa. A surpresa havia se revelado por forças do destino e não na hora de servir o prato principal do almoço surpresa de Alaor.
A troca de olhares seria interrompida com a chegada de Amanhento, cutucando as costas de Alaor em forma de ver o dono são e salvo depois de horas. Um diálogo despretensioso começaria entre Alaor e a tal mulher, com a frase mais simples da história dos folhetins românticos do mundo da literatura:
- Oi... – disse ela.
- Então era aqui em Rio Grande que te escondesses esses anos todos? – retrucou o bom e duro gaudério.
- Digamos que nos últimos treze anos, sim. Moro aqui agora, no final da rua...
- Treze?
- Eu conheci uma pessoa e até fiquei algum tempo junto com ela, mas não deu certo e vim tentar a vida aqui. E tu? Não estavas casado?
- Não, não casei. Conheci uma pessoa também nesses últimos anos, só que não deu certo. Eu ainda tinha esperança em te reencontrar...
- Me reencontrar? Foi tu que...
- Esquece isso, falei demais... – interrompeu ele.
- Mas me diz! Como tu viesses parar aqui? – perguntou ela.
- Eu segui a minha estrada pelo instinto e pela esperança de te reencontrar!
- Isso parece história de pescador! Quer dizer que pegasses o cavalo e viesses até Rio Grande para me procurar? – ironizou a mulher, balançando a cabeça.
- Foi mais ou menos isso. Eu dei muitas andadas por ai antes de arriscar a vida do macanudo na estrada por causa da idade dele. Treinei bastante ele, andando para lá e para cá durante algum tempo. Nessas pequenas andanças fui encaixando pensamentos e formulando trilhas que pudesse seguir para te reencontrar.
- Continuas falando bonito como há anos atrás, hein?
- Até pode ser, mas, desta vez, eu nem pensei muito. Tu perguntasses e saiu, saiu assim como uma andorinha voando da árvore quando assustada pelo caçador...
- Assustada a andorinha? Boa comparação, mas sou eu que estou assustada com o teu aparecimento por aqui. Não esperava por isso! Até estranhei o comportamento da dona Eulália me fazendo perguntas e perguntas sobre ti, mas até compreendi porque ela é meio fofoqueira aqui no bairro...
- Tudo bem que estás assustada, mas não sabes as coisas que passei em menos de dois dias aqui no teu bairro! – disse ele.
- Sei sim, mas não sabia desse teu lado andarilho ai...
- É, as coisas funcionam assim comigo! Tu sabes como sou impulsivo e persistente. Quando coloco alguma coisa na cabeça eu tento até conseguir...
- Mas vem cá, me fala direitinho agora... – interrompia a cozinheira.
- Já sei, queres saber como que eu acabei dormindo com a vizinha do Albertinho?
- Tu dormisses com a vizinha é, seu safado? – falou Maritza com a voz alterada e com as mãos na cintura.
- E tu não ficasses sabendo pela boca da tua vizinha, não? – questionou Alaor.
- Fiquei sabendo que fosses dar água para o teu cavalo e que a vagabunda daquela prostituta te puxou para dentro provavelmente para te oferecer água enquanto o safado do Ari carneava o teu cavalo!
- É, foi isso sim, mas quer dizer então que ficasses com ciúme dela, é? – falou Alaor com um tom galanteador em forma de seda, com o olhar atravessado e com a boca entreaberta.
- Não Alaor, não fiquei não. Não fiquei!
- Ficou sim, tu estás mordendo o lábio inferior e olhando para baixo! Tu não mudasses! És a mesma que conheci há anos e anos!
- Alaor... deu! – tentou cortar o assunto Maritza.
- Lembra do galpão do teu pai? – reforçava o cavaleiro.
- Como que eu vou me esquecer! Foi o nosso primeiro beijo! Mas porque essa pergunta?
- Era para ver se tu ainda lembravas das coisas que a gente viveu...
- Não tem como esquecer, dá até saudade daqueles tempos! – nostalgiou ela.
- Então me diz uma coisa, trocarias um almoço por um passeio a cavalo comigo?
E foi ali pela mesma janela que se olharam de modo inesperado que Maritza saiu em dois toques. Olhou para trás, caminhou três passos e fechou a porta vagarosamente. Voltou, subiu no balcão, esticou a perna direita, puxou a perna esquerda e colocou as pernas no lombo de Amanhento. Não disse nada, nem sim, nem não. Apenas agiu. Teve a oportunidade que tanto sonhara interiormente nos últimos anos de sua vida. Estava finalmente perto do seu homem, o único amor da sua vida.
Não voltaram para ao almoço com os amigos de longa data e com a vizinha queridona. Trocaram o carreteiro e os bifes por um passeio a cavalo que ninguém soubera o destino que tomara. Talvez um riacho, um campo ou a Praia do Cassino de que tanto gostavam. Voltaram do passeio, claro. E hoje, depois de alguns meses, como todo final feliz, de filme romântico ou de novela mexicana, moram juntos na casa verde com amarelinho que até então era só de Maritza e agora é a casa de Alaor, Maritza e da futura herdeira – que não vai ser Paula nem Lurdes e sim em homenagem a vizinha que armaria todo aquele reencontro inesperado entre dois:
Eulália, da pseudo-jornalista de beira de portão e informante da polícia, dona Eulália.
A alternativa de Alaor e Maritza era igual, mas com formas diferentes de alcançá-la: um mudando de cidade para fugir do passado; o outro indo atrás do passado em outra cidade. Ambos queriam encontrar o caminho que lhes deixassem feliz, dando oportunidade e chance ao acaso do destino.
E não adianta! Será sempre por estradas alternativas que as coisas do coração retomarão o rumo, disso você pode ter certeza. Não adianta fugir! Se você ainda não passou por essas perturbações indecisas, irá passar. Mas o objetivo não é perder o foco, nem desviar da rota, a jogada perfeita funciona em olhar para frente e acreditar no destino final. Por mais que haja buracos e acostamentos estreitos, no horizonte ou até em janelas aleatórias, acabará aparecendo aquilo, aquele ou aquela que nos deixará feliz. É tudo questão de paciência e, sobretudo, de tempo nestas estradas (alternativas) da vida.
2 comentários:
Enfim, o fim! aHAOIhauIHAUihauI
Que bom, não vou precisar ler tudo aaiaHIAUhiauHIUA
Terça to passando aqui pra ler um texto então :)
Beijo!
ACABOU!!! :""(
Adorei o final, quer dizer, adorei a história inteira!! Vou sentir saudades do Alaor e das suas confusões, hehehehe!
Valeu! :)
Beijoss!!!
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