sexta-feira, 28 de março de 2008

A Casa 457 - Capítulo II


A Dona Zezé era muito orgulhosa e adorava ganhar méritos por descobrir alguma coisa. Mas não havia escapatória. Definitivamente não havia. Ninguém conhecera algo palpável da casa misteriosa, muito menos sobre os possíveis moradores de lá. Ela precisava partir da premissa menor, a do nome do cidadão da casa 457 para aí sim pode pesquisar sobre a pessoa em si e não acerca da casa. Precisava pedir ajuda ao velho e teimoso Joaquim. E foi o que fez, assim que chegou a sua casa.

- Joaquim! Velho, cadê tu? – gritava na porta de entrada da casa.
- Aqui na cozinha! – respondeu o Joaquim lá do fundo corredor.
- Querido, querido, vamos jantar? – vinha gritando a Zezé para o velho. E o velho já com o tímpano desgastado escutar:


- Como? Vamos jogar?
- Jantar velho! Jantar! Ficou surdo de vez?
- Agora entendi!
- Mas desde quando nós jantamos, minha velha? Nós só tomamos café e pão, pão e café!
- Hoje vai ser diferente! Vou fazer uma janta bem saborosa para nós!
- Vai chover canivetes... Estás querendo alguma coisa, decerto? Pode pedir, pede...
- Não quero nada não querido...
– contornava a Zezé.
- Eu te conheço! 43 anos de casamento e eu conheço o teu rosto quando queres alguma coisa, pede logo e não gasta tempo fazendo janta!
- Tens razão... eu quero sim. Quero te pedir algo muito simples que é para o bem dos nosso vizinhos e meu também!
- Se estiver ao meu alcance... mas não esquece que eu não gosto de me meter em encrencas, ouviu bem?
- Tá bom seu velho lambão, presta atenção... sabe a casa aqui ao lado, a 457?
- Claro, a casa misteriosa...
- Pois bem, decidi que iria descobrir quem mora na casa e estou fazendo isso faz quase um mês.
- É por isso esse caderninho aí no teu bolso? Andas anotando as pistas, é?
- Mas como tu sabes disso, querido?
– questionava Zezé.
- É óbvio! Anos na polícia. Sei de cor e salteado cada movimento teu. E te digo, acho que isso deve ser uma encrenca das brabas!
- Sendo assim não vais me ajudar? Não vais ajudar a tua Zezé?
– disse com uma voz tão doce quanto mel que só as mulheres sabem fazer.
- Velha, velha, velha... eu já tenho 65 anos, já vi de tudo nesta vida. Mas essa casa aí ao lado – apontava para a parede da cozinha que dava lados para a casa 457 – me perturba, me coça a massa cinzenta de tanta curiosidade.
- Isso quer dizer que vais me ajudar? Isso é um sim?
- Estou contigo nesta! Talvez me arrependa mas também vou matar essa curiosidade que me assola. Porém
- disse com o dedo em riste –, porém há uma condição para isso!
- Qual meu velho? Faço qualquer coisa...
- Tu não irás sair de casa enquanto eu faço as investigações, está combinado? Abres mão do caso da casa 457! Tu serás a minha base, ficarás no máximo sentada na frente de casa cuidando o movimento, ok?
- Fazer o quê... mas não me esconderás nadinha, nadinha sobre os acontecimentos, está bem?
- Combinado! Agora me passa para cá esse caderninho aí para eu me interar do caso e sair para fazer a primeira ronda. E completou já dando ordens do velho civil Joaquim Louzada:

- Enquanto leio as tuas anotações, prepara o café para nós tomarmos antes que a tua novela acabe! Zezé, agora uma comandada, apenas balançou a cabeça positivamente e foi para o fogão.


O Joaquim gostava de ser chamado de Louzada. Isso o fazia sentir-se imponente, impávido, talvez até um tanto colossal. Lia as anotações do caderninhos com aquelas letras miúdas da canhota Zezé, com os olhos apertados, olhos momentaneamente orientais. Arrancou uma folha de papel e ia redigindo palavras-chaves. Resumiu em quinze minutos vinte e poucas folhas em míseras palavras em apenas uma folha. Uma folha de mais ou menos dez por cinco centímetros. Fechou o caderno. Caso resumido e diagnosticado. Agora era a hora de ir para a ronda. A primeira ronda do reingresso artesanal e pessoal de polícia civil. Sentia-se realmente um PM.

Engoliu o café em goles retos sem bochechar e sem nem sentir o gosto do amargo café sem adoçante. Beliscou um pedaço de pão francês com geléia de uva. Zezé tinha a mão boa para fazer doces, vivia agradando o seu velho com guloseimas de dar água na boca, mas doces com uva, era especialista. Costume que aprendera com as gerações passadas da família materna vinda de Caxias de Sul, de colonização italiana. Zezé tirava até um bom dinheiro em épocas festivas vendendo doces encomendados pela vizinhança. Sua torta de uva era um fenômeno. Certa vez até vendera uma dezena para a organização da recepção ao governador do Rio Grande do Sul Jair Soares, no final dos anos 80, que visitara a cidade do Rio Grande.

Joaquim dirigiu-se até o quarto para vestir uma roupa mais apropriada. Era de se rir o traje do velho. Parecia o 007, tal qual a imagem do agente secreto famoso. Quando fora à cozinha despedir-se de Zezé, sua mulher de desmanchara de em gargalhadas:

- Velho, só tu mesmo! Já te olhasses no espelho?
- Não. Essas tuas risadas tem um por que cabível?
- Estás com um buraco nas calças, bem na parte das nádegas!
- Não acredito...

- Deve ser coisa das traças. Já te disse que esse armário está velho e precisa ser trocado!
- Vou trocar de roupar então, ainda bem que falei contigo antes de sair...
– ignorando o necessário consumismo de Zezé.

Trocara de roupa. Um traje mais visível, mas ao menos não estava rasgado. Trajava um daqueles casacões daqueles compridos até a altura das panturrilhas, um casacão bege. Não parecia mais o 077 e sim o Inspetor Bugiganga pela cor do casaco e pela quantidade de bolsos. Sem contar o gorro verde que pegara para esconder um pouco do cabelo grisalho. Um PM aposentado, à paisana, em plena noite de Rio Grande para descobrir quem morava na misteriosa casa 457. Faca na meia direita para alguma eventualidade, caderninho no bolso esquerdo do casaco junto de caneta presa ao spiral e um saco plástico no bolso direito. Mas para quê um saco plástico? Essa era a arma secreta de Joaquim. Aprendera no filme "Tropa de Elite". O saco poderia ser a sua salvação. Estava pronto para ir à ronda.

Gritou da porta central “Já vou querida!” – e nem ouvira resposta. Decerto, Zezé estava com os olhos colados na novela das oito ou no BBB. Era fã do BBB. Adorava bisbilhotar a vida alheia dos vizinhos, talvez aprendesse isso assistindo ao Big Brother Brasil. Joaquim bateu a porta. Respirou fundo. Estralou as costas para aliviar os anos e a dor na hérnia de disco. Conferiu cada bolso para ver se estava tudo ali. Mexeu o tornozelo para verificar se a faca também estava bem acomodada. Deu o primeiro passo, enfim. Tropeçara no trilho da pantográfica e despencaria de cima do primeiro degrau com as mãos em direção ao chão. Que dor sentira. Não conseguira levantar-se de primeira, como fazia nos tempos de polícia em chamados emergenciais. E nem de segunda.

Era como se os anos lhe pesassem as costas ou algum sinal celestial o avisasse da confusão ou do perigo em que estava se metendo. Ficou ali deitado, estirado no chão com o rosto colado às lajotas trabalhadas do século vinte. A visão não era seu ponto negativo, orgulhava-se disso. Tinha olhos de lince. Mas naquele momento seus olhos estavam embaçados talvez pela batida que dera com a cabeça na calçada ou, quem sabe, as lágrimas que lhe encheram os olhos d’água pela dor. “Não posso ser Joaquim, preciso ser Louzada novamente!” - falava interiormente para ter um incentivo de levantar-se. E nada. Não conseguia. Suas pernas já respondiam, mas seus olhos o deixavam a desejar, não lhe davam certeza. Piscava-os fortemente balançando a cabeça para os lados enquanto que apoiava as mãos no chão.

Um carro parava à frente da casa 457. Um estranho descera rapidamente do carro com sacolas nas mãos e entrara na casa. Não conseguia o enxergar. Malditos olhos! Quando mais precisou deles, não puderam lhe assegurar o que via. Uma das pistas havia sido confirmada, a pista do Seu Afonso, o daltônico. Mas como o estranho não o veria ali estirado do chão? Um ancião. Que falta de humanismo e solidariedade. Não sentia raiva do estranho, até esquecera-se da dor na hérnia. Sabia que era um homem pela silhueta e pela forma de como havia caminhado, mas não conseguira identificar se o estranho era branco, pardo ou afro-descendente.

A casa 457 lhe dava mais uma confirmação: a casa não recebia apenas visitas de um carro – agora confirmando a presença também de um homem – todo o dia 7 de cada mês. Era dia 28 de outubro. Faltavam 11 dias para o dia 7. Mais uma pista confirmada e também desconfirmada. O tombo nem mais o incomodara. Ainda deitado fazia planos de continuar deitado até que o estranho homem saísse. Será que devia lhe pedir ajuda para levantar-se? Ou quem sabe levantar-se e esconder-se entre a porta de madeira e a porta pantográfica de sua casa? Ou ainda fingir-se de morto para analisar os movimentos do tal elemento? O aposentado Joaquim, ainda empunhando o imponente cavanhaque dos tempos de civil, precisava encarnar novamente o velho e destemido Louzada. O que ele deveria fazer? Teria medo? Qual seria a melhor saída?




Curiosidade mata? Ou o saco de plástico do Louzada matará alguém? Amanhã, a continuação com a terceira parte do folhetim "A Casa 457".

2 comentários:

Anônimo disse...

Não li todo o texto porque vi que é uma sequencia.. depois leio tudo de uma vez só :)!
E quanto ao teu comentário no meu flog... ah, tu sempre sabe as palavras certas ;)! Te adoro Kinhus!

Anônimo disse...

eu li todo e gostei! ^^
kiii to com saudade tua pessoa!
como diz a secéu, as palavras certas sempre!
tee adooro!
e quando vier dá sinal de vida rapaz.
beeijo :)