terça-feira, 11 de março de 2008

Eu e as Baratas

Viajar para lugares desconhecidos sempre é uma grande aventura, uma verdadeira indiada. Ainda mais quando não se conhece os bairros, as ruas e ruelas do lugar. Péssimo. Uma incógnita. Pior ainda é quando não se acha um hotel acessível para passar uma noite. Era só tomar um banho, dormir e sair no outro dia. Talvez um café-da-manhã, talvez. Oito horinhas no hotel valeriam R$ 255 reais? Nada disso. Não sou canga, longe disso. Resolvi ir atrás de outro hotel, mais barato. E quem disse que eu acharia? Um quarto que fosse simples já era suficiente. Mas não tão ralé. Ao menos, limpo.

Foram horas e horas rodando à noite pela vazia Porto Alegre. Mais precisamente três horas e vinte minutos até achar o hotel mais em conta para descansar a carcaça depois do jogo do Internacional contra o Brasil de Pelotas. Uma alegria pela vitória do campeão do mundo, uma tristeza por mais uma derrota do meu time de adote pelotense. Paciência. Precisava descansar. As pernas estavam bambas de dirigir durante horas, ficar em pé no sol escaldante das quatro horas da tarde do Beira-Rio e ainda mais procurar os extintos retornos das ruas e avenidas da capital gaúcha para voltar ao centro da cidade.

Hotel Conceição II. Nome chique, muy chique! Qualidade péssima. Você, dono deste hotel pode estar me lendo neste exato momento, então, compreenda: o que estou falando aqui não é nenhuma depredação da sua imagem organizacional até porque ela provavelmente inexista. Não sei há quantos anos ou décadas deles sua excelência não aplica em investimentos no seu hotel. Poderia começar a falar das baratas no ralo do banheiro ou dos fios pubianos encontrados na saboneteira e no televisor Telefunken do quarto 404. Mas, entenda, eu apenas quero colaborar para que haja investimento no hotel. Imagine só o novo slogan: “Conceição II, o hotel da família, o hotel do seu coração!”. Hein? Não vai falar nada? Então vou continuar contando a minha aventura...

74 quilômetros foram percorridos para achar o Conceição II. Garanto que nem o Cauby Peixoto se animaria a entrar no hotel de mesmo nome do que a famosa “Conceição”, música de 1956 na voz do próprio. Depois de passar por outros sete hotéis da capital, com pernoites passando e beirando os três dígitos, resolvi perguntar para algum taxista sobre um hotel mais acessível apenas para tomar um banho, dormir e rumar para a casa na manhã seguinte.

- Olha seu moço, tem muitos...
- E qual é o mais perto daqui?
- O senhor tá de carro? Eu posso fazer a corrida, eu vou na frente e o senhor me segue!
- Então deixa, obrigado ami...
– fui interrompido:

- Faz assim, dobra na primeira à esquerda e segue até a rodoviária. Na última quadra, do lado esquerdo da rua é que fica o Hotel Conceição II. Diz ao Clóvis, da noite, que fui eu, o Nélson do 1356, que te indicou.
- Obrigado então seu Nélson...
- De nada, bom descanso seu moço!

Segui na direção indicada pelo grande seu Nélson. Que nada! Ou eu errei a direção ou o tiozinho quis tirar sarro com a minha cara. Claro, viu que eu não era da capital. Decerto era do interior e ele queria zombar um pouco ou que ele fosse gremista já que eu estava com a camiseta do colorado. Procurei retornos, extintos retornos e resolvi que iria achar a rodoviária me guiando pelas placas azuis informativas. Depois de 20 minutos rodando e rodando, achei a bendita estação rodoviária. Estaria eu pertíssimo do Hotel Conceição II, indicado pelo velho e bondoso taxista Nélson, do 1356. Eu é que havia errado o caminho, assumo.

Olhei se não vinha ninguém. Engatei a dei ré, colei os olhos no retrovisor e acelerei. Achei o bendito hotel. Aparentemente um hotel simples, mas que segundo seu Nélson seria muito bom já que mantinha um preço acessível comparado aos outros hotéis de Porto Alegre. Coloquei a seta de pisca para esquerda e estacionei em oblíquo no estacionamento do hotel, na única vaga disponível. Desliguei o carro e respirei fundo. Ufa, iria tomar um banho e cair na cama, aos braços do Morpheu - como diria o meu saudoso avô Ernane.

- Boa noite, o senhor tem um quarto de casal disponível?
- Sim, vai assinando aqui, aqui e aqui. Coloca o nome e o pagamento é adiantado
– apressadinho o tal recepcionista.

Enquanto olhava para o tal Clóvis indo em direção ao escritório do hotel pensei em sacanear e colocar um nome falso só pelo tratamento que ele havia tido comigo. Resolvi fazer o correto e ainda comentei que havia chegado ali naquele hotel com indicação do seu Nélson, o taxista do 1356.

- Foi o seu Nélson do 1356 que me indicou este hotel – avisei pensando em ganhar uma regalia com isso. O cidadão de gravata preta, daquelas bem fininhas, e com camisa branca apenas respondeu:

- Tu vê só... O café é das 8h às 10h da manhã. Boa noite.

Peguei a chave e as toalhas da mão do Clóvis e rumei ao apartamento 404. Chegando ao elevador suspeitei de que o hotel realmente era simples. Até porque por R$ 50 reais a pernoite com direito a café da manhã era praticamente um prêmio de loteria. Capaz que teria um elevador com temperatura ou espelho? Nada disso. A porta fazia “Nhêêêêêm” quando abria e “Nhôôôôm” quando fechava. Que barulhinho medonho, nem um óleo para lubrificar a porta. Imagina o que me esperaria ao abrir a porta do 404. Já estava ficando com medo, até achando o banco do meu carro mais confortável.

Chegando ao quarto andar procurei a luz do corredor. Nada, sem luzes artificiais. Uma penumbra em todo o corredor. Apenas a luz da lua e as luzes dos outdoors iluminavam, de leve, o andar. Passei pelos apartamentos 401, 402, 403, 405, 406... e cadê o 404? Descobri que havia passado por ele, pois tinha uma porta diferente. Uma porta cinza, bem surrada. Diferente das outras portas dos outros apartamentos do andar: marrons com trincos dourados. Por que a minha seria a única porta diferente? Pegadinha do Mallandro?

Coloquei a chave na porta. Girei duas vezes no sentido anti-horário com a mochila e mala no penduradas no ombro direito. Mesmo cansado, minha cabeça imaginava milhões de coisas desagradáveis ao abrir aquela porta. Será que eu teria, ao menos, uma noite de sono recompensadora? Eu só queria dormir e debandar de Porto Alegre na manhã seguinte, depois de um suco de laranja bem gelado e um sanduba reforçado de três camadas. Não era pedir muito. Caso não tivesse meu três andares, quem sabe, um pão francês com manteiga. Ou ao menos um copo de leite. Beberia e diria adiós!

Abri a porta, liguei a luz. O quarto tinha luz. Viva! À direita o banheiro, preferi não olhar e seguir em direção à cama para largar a mochila e a mala. Incrível. Havia uma televisão! Uma Telefunken! Lembrei da minha infância na hora. Sem controle remoto e com o botão de girar os canais que fazia “cleque, cleque, cleque!” ao girá-lo. Uma cama king-size, de casal! Perfeito, perfeito, perfeito. Será que a porta cinza era tipo de um quarto especial? Será que o seu Nélson havia sido uma alma generosa em plena capital? Nada disso.

A cama era muito boa. O ar-condicionado funcionava na velocidade média – já estava de bom tamanho. A televisão ligava e ainda sintonizava três ou quatro canais. Eu nem a assistiria, dormiria em seguida. Resolvi tomar um banho. Tirei a roupa, abri a mala, peguei uma cueca e uma bermuda velha para dormir. Eu não havia ido ainda ao banheiro. Apertei o interruptor da luz. Bela maldição! A pia suja com cabelos compridos, obviamente femininos. A privada com a tapa levantada e bem na frente ao vaso sanitário – ou se preferirem, a patente – um tampo de esgoto quebrado e um pedaço de jornal solto que dizia Zero Hora. Seria um sinal? Um estágio na Zero Hora? Assim como o repórter Régis Rondelli em "Pistoleiros Também Manda Flores", do David Coimbra? Pensamentos cansados e sexto sentido esgotado depois de um dia de muitos quilômetros percorridos. Ou quem sabe fosse verdade, nunca se sabe. Abri o registro do chuveiro, água morninha. Perfeito, fazia calor em Porto Alegre, 27°C, em plena madrugada. Entrei e esqueci-me da vida por alguns minutos. Só depois que percebi a falta de azulejos nas paredes, o limo nos cantos do vidro do banheiro e o teto azul estralado de infiltrações. Eu queria mesmo era uma cama.

Liguei a televisão, brinquei um pouco com aquela relíquia da década de 60. Sintonizei na Globo para ver o Altas Horas, do Serginho Groisman e a banda Capital Inicial que estava no programa. O sono veio vindo, bocejos, bocejos, travesseiro abarrotado para acomodar melhor a cabeça, o barulho do ar-condicionado, do antigo frigobar que nem tinha olhado ainda. Tudo sob controle. Mas havia um barulho estranho, como se fossem rastejos de algum bicho. Levantei daquela beleza de cama e fui procurar. Olhei dentro dos armários, olhei dentro do frigobar e nada. Resolvi olhar no banheiro. Péssima idéia. Quando abri a porta de correr da latrina, dezenas de baratinhas criadas a toddy faziam a festa no ralo em frente à privada. Só faltavam cantar “E vai rolar a festa, e vai rolar”. Lembrei na hora do filme “Joe e as Baratas”. Eu não queria ser o Joe.

Peguei o meu desodorante dentro da mochila e taquei nas gordinhas. Não era um SBP ou um Rodox, mas as queridonas ficaram tão perturbadas que morreram ali e outras caíram para dentro do ralo. Percebi que tinha em mãos um forte matador de baratas. Deve ser por isso que eu não costumo ficar com nenhum cheiro nas axilas. O desodorante é potente. “É porreta!”diria talvez o seu Nélson, do 1356. Pronto, o barulho havia acabado e eu poderia dormir sem ter desconfiança nenhuma, mesmo tendo visto pêlos pubianos em cima da televisão. Deixei de lado a nojeira e fui dormir. Por R$ 50 reais já estava mais do que bom.

Paciência.

Acordei na manhã seguinte por volta das 9h30. Corri para comer o café-da-manhã. Como mesmo? Eu falei café-da-manhã? Era um lanchinho pior do que me deram quando fui ao quartel. Tudo bem, havia chegado na meia hora final do período do café. Uma única fatia de pão de sanduíche. Meus planos do sanduba de três fatias já iriam por água abaixo ali mesmo. Presunto, queijo e margarina tinham de sobra. Comi enroladinhos, enroladinhos de presunto e queijo. E para molhar o bico, peguei a jarra do buffet (não deveria ser esse o nome ao menos daquela mesa com míseros alimentos) e coloquei na minha mesa. Enroladinhos de queijo e presunto acompanhados por mais de um litro de suco de laranja.

Depois de comer, sempre dá sono. É lei. Um soninho de leve, talvez por causa da satisfação em ter preenchido a barriga com alguma coisa. Os médicos dizem que não se deve dormir após as refeições, ainda mais depois do café da manhã. Faz mal. Discordo, precisaria dormir. Fiquei bocejando e observando as cortinas e detalhes do lugar. Talvez muito bonito na década de 60, mas 48 anos depois estaria fora de moda e bem caidinho. Uma xícara, um pires e uma colher na minha frente, não usados. Pegaria? Recordação. E ficaria pela troca do meu trabalho de dedetização para com as baratas, gordinhas baratas. Sem dúvida, os peguei e subi para tirar mais um soninho até vencer a diária.

Onze e meia da manhã, hora de ir embora antes de estourar a diária. Mas antes, hora de mais um banho e de recolher os pertences do quarto para arrumar a mala e a mochila. Tirei fotos do lugar, claro. Ainda mais daquela relíquia de Telefunken no meu quarto. O quarto 404, o quarto das baratinhas gordinhas criadas à toddy e da cama king-size; do frigobar atroado de gelo, do ar-condicionado que não passava da velocidade média; o quarto das toalhas amarelas, do banheiro sem azulejos e teto quase desmoronando, e claro, da bela televisão. Embestei com a televisão, não adianta. Coisa de infância, assim como eu adoro Fiats 147 e Rurais.

Apaguei as luzes, fechei a porta do quarto e entreguei a chave para a camareira que estava no corredor. Na hora, por pouco, com a minha santíssima cara-de-pau não falei sobre as baratas e da higiene daquele quarto. Engoli a seco e agradeci. Entreguei a chave e desejei bom trabalho. Ao menos bom trabalho, pois ela haveria de limpar bastante o quarto – ou não também. Cheguei à recepção, avisei o recepcionista – já era outro – que a chave havia ficado com a moça da limpeza e desejei bom dia. Ele apenas sorriu e disse:

- Até a próxima seu Marcos! Obrigado pela preferência!

Eu apenas o olhei e sorri com o meu melhor sorriso cínico, pensando que não haveria próxima vez. Fui educado. Poderia ter estourado com o pobre velhinho de cabelos grisalhos e barba ralinha, poderia ter reclamado e falado sobre as baratas e os pêlos pubianos. Ou quem sabe avisá-lo do teto do banheiro ou da tampa do ralo. Ele sabia meu nome, resolvi tolerar. Ele havia sido cortês, isso havia sido o meu melhor bom dia depois de uma noite de muita desconfiança e nojo. “Marcos e as Baratas”. Digno de uma concorrência com o “Joe e as Baratas”. Pé na estrada, rumo ao meu apartamento. Meio bagunçado, sem ar-condicionado, mas limpo, bem mais limpo do que o quarto 404, do Hotel Conceição II, indicado pelo seu Nélson do táxi 1356. Limpo, limpo, limpo. De verdade.

Depois de tudo isso, na estrada vinha pensando em como arquitetar e montar este texto e cheguei à conclusão de que não é apenas o morro que não possui as coisas que até o Cauby Peixoto vivia a sonhar e cantar na sua música Conceição. O Conceição II também não as tem e, talvez, nem ande sonhando em ter. O dono deve estar acordado pensando em quanto custaria uma boa dedetização e uma intensa limpeza no seu Hotel Conceição II. Uma reforma, um refresh total. E até quem sabe, pensando em renovar o estoque de xícaras, pires e colheres. Porque era óbvio: eu também levaria algumas dessas lembrancinhas de lá, além das fotos e das lembranças não muito confortantes deste hotel próximo a estação rodoviária de Porto Alegre. O Cauby poderia dar um milhão para o Conceição II, assim como diz a sua música, porque a verdadeira Conceição já deve ter passado pelo hotel - já que não conseguiu ser dar bem na cidade grande, segundo também fala música - e sofrido um chilique ao ver aquelas baratas que eu também vi acabei as desodorizando no ralo do banheiro. Eram gordas baratas, ricas baratas. Decerto, eram criadas a toddy. Eu o protagonista, elas e o Conceição II, os coadjuvantes. Foi uma aventura, uma roteiro digno de cinema, na cidade grande, na bela capital do Rio Grande do Sul.

2 comentários:

Anônimo disse...

AAAI KINHOS..
ninguém merece barata!
nao tenho medo mas acho o auge o nojo..
ô bixinho sujo, barata e mosca..
nao sei que eu odeio mais...
mas entao..
continuo me divertindo! :D
beeijo

Nati Leivas disse...

ecaaaaaa, baratas... uihauhaiuhiauha ;x

passei aqui senhor hotel de baratas...
;@@@@@@