domingo, 2 de março de 2008

O Trote

Quando eu era criança adorava passar trotes. Fazia voz de bebê, vendia bíblias, imitava o Chacrinha e até o Sílvio Santos. Esses dois últimos personagens, quase nunca colavam, mas a voz de bebê e a do vendedor de bíblias! Claro, hoje não tenho mais essa mania. Tudo culpa da fase infantil, um pouco marginal da minha parte, inocente. Na época até passava. Já hoje em dia, quem passa trotes são os marginais, os verdadeiros. E quem sofre são pessoas de bem, como eu e você.

Já me ligaram dizendo que meu carro havia sido encontrado abandonado em uma rua. Já inventaram que meus documentos tinham sido achados na poltrona de um cinema. Mas o pior ainda está por vir: já ligaram para minha casa dizendo a meus familiares que eu havia sofrido um acidente de carro, na BR-392, a estrada Rio Grande – Pelotas. Mentira, tudo mentira, o problema foi acalmar a minha mãe do outro lado da linha:

- Mãe! Eu tô bem! Recém cheguei no trabalho!
- Mas meu filho, conta para a mãe, tu não ficasses machucado? E o carro? Ligasses para o seguro? Me diz, me conta! Não me deixa preocupada!
- Mãe, me escuta por favor! Eu não sofri nenhum acidente de carro!
- Como não? Ligaram para cá agora e falaram que tinhas batido com o carro numa curva antes do pedágio! Até pedi para repetirem para a tua avó escutar e ela confirmou!
- Claro que não! Cheguei faz pouco e vim direto para o clube (na época era Assessor de Comunicação do G. E. Brasil) para o jogo de hoje à noite! Não lembra que te disse na hora do almoço quando te liguei?
- A mãe nem lembrou...
- Mãe, isso é comum hoje em dia! Esses marginais ficam passando trote para as pessoas para conseguir dinheiro ou só para dar sustos.
- Na hora eu nem pensei Marcos. Tudo o que eles me falaram batia contigo: o teu nome, as tuas características, o final da tua placa e o teu carro vermelho...
– opa, algo errado, a interrompi no mesmo instante:

- Como assim carro vermelho, mãe? O meu carro é cinza chumbo, esqueceu?
- Pior meu filho! Eu nem prestei atenção na hora. Fiquei desesperada, quase peguei o carro e fui atrás de ti!
- Presta atenção mãe, vamos combinar o seguinte: começa a olhar o identificador de chamadas e anota os números estranhos que ligarem, ok?
- Vou anotar... Mas, estás bem, não?
- Mãããããe...

Voltei ao trabalho e fiquei pensando na nova atividade desses marginais. Conversei com algumas pessoas, inclusive com os seguranças do clube e eles comentaram sobre o grande número de presidiários que tem acesso aos celulares dentro da cadeia, inclusive na cidade de Pelotas, onde eles haviam trabalhado antes de fazerem a guarda do clube.

Na televisão, quando aparecem reportagens falando sobre essas atividades não percebemos o quão perto se encontra o perigo. As pessoas caem no trote. Por pouco, minha mãe não caiu e quase enfartou. Ficou escutando as sandices de algum filho de uma cachorra que inventava do outro lado da linha, com a maior serenidade e quase perfeita atuação, um possível acidente comigo. Digno de um Oscar de melhor ator. Tirando troféus da estante de um Daniel Day-Lewis em "Sangue Negro" ou do Forest Whitaker em "O Último Rei da Escócia".

Comigo foi de leve, apenas um susto. Casos piores acontecem a cada instante em todo o Brasil, especialmente nas capitais como Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. E não trotes com situações de acidentes falsos, mas de seqüestros-relâmpagos, tão mais fantasiosos que qualquer Big Brother. Exigem dinheiro, trazem preocupações e uma série de complicações para a rotina de um lar. Choro, tristezas e stress. Tudo culpa desses marginais, grupo do qual um dia já fiz parte quando criança, mesmo que inocentemente.

As pessoas que recebem os trotes se abalam na hora pela notícia. O meu celular, por sorte, estava com bateria. Imagina se ele estivesse desligado e minha mãe não tivesse me ligado para verificar se realmente eu estava bem? Ninguém tem os sentidos normais nessas horas. O psicológico toma conta, estremece. Por mais que a pessoa citada no telefone esteja na portaria do prédio, jogando papo fora com o porteiro. Não adianta. A adrenalina sobe, a mãos tremem, os sentidos fogem.

Depois do que aconteceu comigo, eu sinto vergonha. Sinto vergonha pelas brincadeiras que fiz com os meus amigos e até com minha dinda. Minha dinda uma vez me mandou passar no consultório dela para ver as bíblias que eu estaria supostamente vendendo. Foi engraçado, no mínimo engraçado. O ruim é quando o problema é conosco, quando a nossa pele está em jogo. Preferível atender um dos telefonemas do Big Fone do Big Brother Brasil do que atender um trote de um marginal desses. Ao menos, no BBB, é tudo fantasia criada pela holandesa Endemol e modificada pelo Pedro Bial. Tudo virtual – até rimou. Já aqui fora é outro mundo, o mundo real, onde os indivíduos eliminados e exclusos tentam ser líderes e dar suas jogadas, algumas vezes com sucesso, infelizmente. Brasil.

Desde então, minha mãe tem um caderninho, daqueles de ir ao supermercado com a lista de compras do mês, com todos os números desconhecidos que ligaram ou ainda ligam para nossas casas e para o celular dela, inclusive números de outros estados. Vocês “fantasmas” que adoram nos procurar, aviso de antemão: se cuidem! A dona Mariza tem a resposta na ponta da língua. Suas mães podem ser as mais afáveis mães do mundo, mas podem ser transformadas, em segundos, em elétrons pela minha. Eu avisei, quem avisa, bom porta-voz é.

2 comentários:

Anônimo disse...

post cabeça hoje!
gostei!
não vo escreve muito poq minha cabeça ta em outro mundo!
beij okinhos (:

Jennifer Azambuja de Morais disse...

esse problema é vergonhoso...isso começou com trotes dados a polícia, a bombeiros a samu....viram que isso funcionava, e dar um pulo para dar trotes como esse que deram na tua mãe é pequeno e agora pode ser lucrativo...nesse caso não se busca a graça como trotes feitos por crianças, mas se busca prejudicar e ganhar em cima do emocional das pessoas...todos devem tomar cuidado com isso...ninguém está livre...