quinta-feira, 27 de março de 2008

A Casa 457 - Capítulo I

Ninguém entendia a rotina da casa 457 da Rua Dezenove de Fevereiro. Era tudo muito estranho, extremamente estranho. Era a casa mais antiga da rua, talvez um mistério por ser a primeira. Quem sabe uma casa mal assombrada? Uma bruxa em pleno século vinte e um? Ninguém realmente compreendia o que acontecia ali. As cortinas eram o único sinal de gente dentro da casa. À noite, fechavam-se sem ninguém aparecer para fechá-las. Pela manhã, amanheciam abertas. Os vidros? Sempre fechados. Talvez uma casa fétida devido à umidade ou ao mofo, sem ventilação.

A casa 457 era o nome diabólico e misterioso pela qual a casa ficou conhecida. Normalmente os vizinhos sabem o nome de seus vizinhos ladeados. Da casa 457 ninguém sabia o nome de algum morador. Há mais de anos, nunca se viu o rosto ou a silhueta de alguém dali. De quando em vez, alguns entregadores de panfletos colocavam por debaixo da porta propagandas de supermercado ou de lojas de eletrodomésticos. Mas no outro dia, os folhetos já estavam do lado de fora, expulsos pelo mesmo lugar que entraram. Uma incógnita das boas para qualquer vizinho metido a detetive averiguar.

Poucas pistas, nada muito palpável para começar-se uma investigação. Mas suficiente para a Dona Zezé, a vizinha ao lado esquerdo da casa misteriosa, iniciar uma coleta de informações e pequenos fatos com a vizinhança. A Dona Zezé era uma professora aposentada do município. Ficava em casa todos os dias assistindo televisão e perambulando para lá e para cá nas portas das casas da vizinhas sexagenárias. Um tipo de mulher desocupada, que já trabalhara demais pela educação do município de Rio Grande e que precisara ocupar-se para não começar a sentir as pernas retraídas pelas varizes ou pela falta de caminhadas ao corpo. Resolvera então levar o caso a sério. Bem a sério.

Durante semanas abordou desde os vizinhos mais antigos até os mais novos. A Rua Dezenove de Fevereiro era uma rua geriátrica. 95% dos moradores dela já passavam dos sessenta anos. Os 5% restantes eram representados pela segunda e terceira geração da família dos mais antigos, das avós e avôs, ao longo da única quadra da rua.

Dona Zezé, como uma boa vizinha fuxiqueira, andava com um caderninho dentro do maior bolso de seus camisolões. Não sentia vergonha de andar para um lado e para o outro com aqueles vestidos chamativos. Talvez eles fossem até um disfarce de efeito contrário. Com os olhos das pessoas atentos aos seus vestidos, tinha a oportunidade de passar despercebida pelos vizinhos enquanto apontava as pistas, discretamente, em seus alfarrábios. Um mês. Esse era o prazo que lhe tinha estipulado para o recolhimento de pistas para depois sim agir na prática. Talvez invadindo a casa pelo muro do quintal já que era vizinha de lado da casa 457. Era o único plano que tinha até então.

Com o tempo, descobrira muitas pistas pequenas que teriam possivelmente uso a médio-longo prazo. Do Seu Afonso pescou que os moradores daquela casa recebiam visitas de um carro verde ou vermelho – Seu Afonso não tinha certeza da cor, pois era daltônico – todo o dia 7 de cada mês. Da Dona Maria Izabel conseguiu a informação de que um menino de vez enquanto os folhetos das propagandas expurgados por baixo da porta e pegava um envelope de dentro dos folhetos. Entre outras pistas, Dona Zezé havia conquistado do eletrecista Bartolomeu a melhor delas: a casa 457 não possuía luz e nem telefone.

"Mas como alguém poderia viver sem luz e sem telefone nos dias de hoje?" – foi a primeira coisa que Dona Zezé pensara. Pensou duas vezes no que faria para descobrir o porquê da casa 457 não ter luz. Telefone até era de se entender devido aos altos preços das novas regras de telefonia fixa. Mas luz? Como viveriam as pessoas, a pessoa ou qualquer coisa desconhecida naquela casa? À luz de velas? Ou talvez lampião com óleo de baleia? Precisava descobrir. Essa seria a primeira pista que correria atrás. Resolvera então ligar para a CEEE para averiguar qual a razão da falta de luz. Achou melhor não ligar de casa. Esperaria acabar a novela das sete, o Jornal Nacional e ligaria de um orelhão. Um orelhão!

Após o Jornal Nacional, deu boa noite ao William Bonner e a Fátima Bernardes, e correu então até o telefone da esquina carregando em mãos a sua conta de luz com o 0800 para não esquecer o número. Levantou o telefone do gancho com a mão direita, segurando a chave de casa e a conta na mão esquerda. Pensara mais uma vez: “Será mesmo que eu devo fazer isso?” – receosa do que poderia vir a acontecer caso a descobrissem. “Mudo a voz, faço uma voz mais rouca e abafo o fone com papel. É isso!” – e assim o fez:

- Bem-vindo a CEEE 24 horas! Se você precisa comunicar alguma emergência disque 1. Para outros serviços disque 2. Para falar com algum de nossos atendentes disque 9!” – anunciou a central automática de atendimento. Dona Zezé nem titubeou em qual dos números apertaria. Apertou o 9 em seguida do anúncio do número. Precisava falar com alguém e assim foi:

- Boa noite, meu nome é Carlos, em que posso ajudar?
- Oi... olá...
– sestrosa com a situação. – Preciso descobrir em que nome está vindo a conta da luz de uma casa?
- Como assim senhora? A senhora poderia ser mais objetiva?
- Eu preciso saber o nome do dono ou da dona da casa que aluguei para efetuar a troca do nome do cadastro
– explicou falsamente.
- Agora compreendi. Pois bem, o cadastro pode ser alterado, mas a informação do nome do proprietário ou locatário da casa não pode ser concedida para qualquer pessoa.
- Como não?
– disse em alto tom com a voz abafada pelo papel da conta da luz.
- Senhora, é uma norma que nós da CEEE temos em preservar a identidade das pessoas. Para descobrir o nome do cadastro relativo a uma residência apenas com uma ordem judicial ou com a intercessão da polícia. Para que depois de recebida a ordem ou a intercessão, possamos estar passando para a gerência autorizar, para que depois possamos aguardar o retorno até o setor de atendimento para que em seguida possamos estar repassando o número do termo para que aí sim concebamos dentro de 48 horas o repasse do nome completo que está no cadastro da CEEE – explicou com aquele jeito de atendente de telemarketing, exagerando nos gerúndios.
- Mas eu só preciso saber o primeiro nome! – falou Zezé, irritada pela negação e pelo exagerado gerundismo de Carlos.
- É norma senhora, sinto não poder ajudá-la. CEEE 24 horas agradece a sua ligação. Tenha uma boa noite! – despediu-se o atendente, desligando o telefone sem mais delongas no tímpano de Dona Zezé que ficou ouvindo o "tu-tu-tu" constante.

A tática do aluguel da casa para descobrir o último nome registrado no banco de dados da CEEE havia falhado como os velhos transformadores da Rua Dezenove de Fevereiro, que de quinze em quinze dias davam problema. A detetive Zezé teria uma outra idéia retornando após a negativa do 0800. Seu marido, o velho Joaquim, era um velho português aposentado da polícia civil local. Ele poderia mexer os pauzinhos com os velhos conhecidos da polícia e conseguir uma ordem para quebra de sigilo do nome no banco de dados da CEEE. Seria essa a melhor saída? O velho Joaquim não gostava de meter-se em encrencas. Zezé abriria o jogo da investigação da casa 457 para Joaquim? E quem seria o vizinho ou a vizinha da casa 457? Uma bruxa? Um extraterrestre? Ou talvez o esconderijo de Ulisses Guimarães?



Ficou curioso? Hein? Mate a sua curiosidade amanhã, no segundo capítulo do folhetim "A Casa 457"!

Um comentário:

Anônimo disse...

Oiii Marcos!!
Não sei se já notasse isso, mas o número da minha casa em Rio Grande é 457!!! Mas acho q ela não se parece muito com essa casa do texto! Huahuihauiha Ainda bem!
De misteriosos acho q nao temos nada!
Beijos!