sábado, 19 de abril de 2008

Ela, Eu e o Elevador


Com certeza foi aquela a primeira vez que eu olhei para uma mulher com olhos de um homem e não mais com olhos de um gurizinho ingênuo que jogava bola e trocava figurinhas com os vizinhos nas calçadas de Rio Grande. Ela não era uma visão, era algo real. Mas, naquele momento, meus olhos ainda não haviam acreditado. Fitaram aquele um metro e sessenta e quatro, cinco talvez, cheirando a chocolate. Na verdade, ela não havia sido apenas uma visão, ela fora bem mais que isso: fora o ingresso da minha passagem da infância para a próxima etapa, a adolescência.

Eu tinha apenas 11 anos. Onze. O número da camiseta de Romário, o centroavante, aquele que Deus apontou e disse para ser o cara. Talvez a minha passagem para a adolescência tivesse um pouco de centroavante brotando lá no tal do meu âmago. Na época de colégio, eu era goleiro. Gordinhos sempre são goleiros. Mas foi lá no gol que eu comecei a perder os meus quilos e comecei a ousar, seguindo pela ala-equerda, depois na meia-cancha e, aos poucos, já aos onze anos, me arriscava no ataque.

O nome dela era Paula, mas não sei o porquê sempre achei que fosse Natália antes de tomar aquele elevador. Ela morava no edifício dos meus avós paternos. Uma mulher cheirosa que perfumava o elevador com cheiros tão doces quanto uma barra de chocolate ao leite sendo derretida. Talvez usasse algum perfume do Boticário. Eram odores hipnotizantes, piores que os feitiços das bruxas do século XVIII. Hoje, imagino-a acordando pela manhã e à luz do sol dando uma bela espreguiçada, completa, estralando cada osso do seu pequeno corpo frágil, quebradiço talvez por um abraço forte. Naquele dia do elevador? Perdi a respiração, estralei os olhos e apenas gaguejei:

- Bo-bo-bom Di-di-dia.

Ela apenas sorriu um sorriso com todos os dentes da boca. E eu não falei mais nada. Era um guri ingênuo, mal tinha os pêlos do bigode crescidos por completo. Um cabelo lá que outro despontava no buço. Isso nem era nada, pior havia sido meu comportamento, não dá para esquecer. A primeira vez nunca é tão prazerosa, afinal havia sido a primeira. Garantiria-me nas próximas, teria que aprender é claro. Estufaria o peito, daria um bom dia e até arriscaria falar sobre o tempo. Na terceira talvez perguntasse o nome dela. Aposto que na primeira vez de Romário em frente a uma mulher daquelas, fora do mesmo jeito e até pior. E olha que ainda tive uma vantagem em relação a ele, com 11 anos já tinha a altura dela. Ele não devia nem chegar aos 1,55 de altura.

Os meus avós moravam no terceiro andar, no apartamento 301. Ela morava no andar de cima, no 402, tinha um casal de irmãos e a mãe dela era dona de uma loja de roupas femininas. Informações precisas do porteiro e amigo Leonardo. Como sempre, porteiros são bem informados, às vezes, bons exemplos para alguns fracos jornalistas do mercado. Mas o que ela havia de querer comigo? Eu com 11 para 12 anos; ela com 20. Definitivamente ela era um holograma, um lago de águas límpidas e cristalinas no meio de um deserto.

Uma pele caucasiana e os cabelos negros; um sorriso lindo com dentes mais brancos que o açúcar. Aquele rosto não me saía da cabeça. Havíamos andado três andares apenas, coisa de menos de meio minuto. Intensidade. Era um vendaval, a mulher-vendaval. O vendaval do quarto andar. Uma luz que abrira meus olhos de tal maneira que fora impossível de apagá-la da minha cabeça, nem mais pelo meu comportamento infantil, mas por causa daquele rosto angelical esticando os lábios e formando aquele sorriso que me fizera arrepiar da ponta dos dedos mindinhos até a nuca em fração de segundos, enquanto que suava frio e apertava o molhe de chaves com uma força de mover elefantes.

Sai daquele elevador e nem dei tchau. A porta fechou e fiquei a mirando pela abertura de vidro da porta, na altura dos olhos. A porta de dentro fechou lentamente e ela seguiu finalmente rumo ao andar de cima. Fiquei desnorteado. Suei, juro. Ofeguei sem ao menos ter corrido, muito menos falado alguma palavra além daquele bom dia gaguejado. Depois daquele dia torcia para pegar elevador com ela. Fazia questão de visitar os meus avós todos os dias. Almoçava e jantava lá. A comida da casa deles era muito boa e eu ainda teria a oportunidade de encontrá-la novamente para me recuperar daquela tímida primeira vez, como adolescente diante de uma mulher, no elevador.

Comecei a freqüentar a portaria do prédio todas as noites. Mal parava em casa. Meus pais nem reclamavam, tinha notas boas e afinal estava seguro na casa dos meus avós. Jantava e descia. Quando chegava ficava conversando com o Renato e mais à noite ficava de papo com o Leonardo até às 22h30 – a hora dele soltar. Na primeira semana de campana à procura da Paulinhasim, eu posso chamar de Paulinha, ela havia sido especial – não obtive sucesso. Parecia de propósito. Eu subia e ela descia; ela descia e eu subia. Foi ai então que decidi largar de mão e deixar o acaso acontecer novamente. Até porque não havia nada de tão concreto para eu ficar correndo atrás. O que seria um bom dia gaguejante para ela de um mero gurizinho? Nada para ela, enquanto ela sim havia significado para mim.

Os dias foram passando, meses completados e eu nunca mais vi a Paulinha pelo edifício dos meus avós. Imaginei que tivesse sido um castigo do além por causa do meu comportamento, mas não. Segundo os porteiros, a Paulinha ficava dia sim e dia não na casa da mãe, lá no edifício. Por isso o sumiço da mulher-vendaval. Um vendaval pequeno, de características frágeis e formas bem definidas, não muito volumosas, que tirou o meu sossego durante um bom tempo e que me cedeu o passaporte fixo para a minha adolescência.

Atualmente, o que eu lamento não foram as minhas atitudes, pelo contrário, idolatro-as mesmo. Em tempos de mulher-melancia com formas exageradas e atitudes vulgares, fico extremamente contente com a minha mulher-vendaval de formas singelas e bem definidas. Porque ao menos ela sorriu e me fez mudanças bruscas e positivas em menos de trinta segundos, enquanto que outras dançam enlouquecidamente ao som de “Créus”, posam nuas e invadem a cabeça da gurizada da nova geração de uma forma, até então, errônea.

Tomara que os guris dessa nova geração não ganhem os seus passaportes através desses exemplos, porque se os seguirem vão acabar ficando pelo gol ou até no banco de reservas, já que centroavantes precisam ser objetivos, rápidos e precisos na hora decisiva. Tenho certeza que o Romário teve um encontro desses de elevador que o fez passar da infância para a adolescência do mesmo jeito que eu. Ai sim, depois disso, ele decidiu virar centroavante. Começou a fazer gols, se divertiu com as mulheres erradas e amadureceu felizmente, achando a pessoa certa com o passar dos anos – uma exceção, até porque ele é o cara. Hoje, ele largou as chuteiras definitivamente e goza da fama e do sucesso de seus mil e dois gols. Graças a quem?

- Quem? – pergunta você leitor e eu lhe respondo:

- Ao encontro de elevador, querido leitor!

- Maaaarcos?! – questiona novamente você e eu abro o jogo:

- Graças às mulheres... e também ao elevador!

2 comentários:

Anônimo disse...

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Mirela disse...

Graças ao elevador?! aHUAIOhoauiHIUAHuihau
Devo minha passagem pra adolescência graças ao olho mágico da porta do meu antigo apartamento, que possibilitava uma visão maravihosa quando meus vizinhos chegavam do colégio com seus amigos... E que briga aquele olho mágico dava... Eu e minhas amigas disputando um cantinho!! :D
Tem coisas que a gente não esquece!!
Beijo Kito!
=**