domingo, 13 de abril de 2008

Trauma de Infância


Ao ver uma reportagem do Otávio Mesquita no “A Noite é Uma Criança” sobre o Dia do Beijo, comemorado hoje, 13 de abril, lembrei de um trauma de infância. Até os meus oito anos não gostava de beijar ninguém, exceto meus pais. Avós, avôs, tios e tias e qualquer outra pessoa, estranha ou não, que se aproximasse para colocar a mão na minha cabeça para falar aquelas frases de adulto “Como cresceu!” ou “Quem é a namoradinha?”, era certo que logo em seguida da minha resposta, tal pessoa iria inclinar-se para me beijar. Uma lei. Talvez algo tácito oriundo da educação dos adultos para com as crianças. Impressionante.

Hoje eu fico pensando se eu não era meio bitolado, mal-educado ou até um parvo. A grande maioria das crianças adora carinho. Gostam de abraçar, beijar e distribuir sorrisos em troca de atenção. Gostava muito de abraçar, apertar as mãos das pessoas. Gostava até de cumprimentar pessoas estranhas nas ruas – coisa que ainda faço – para ganhar um sorriso de volta. Mas beijos? Sem beijos. Sem ósculos. Repelia o beijo dos outros assim como um goleiro tira a bola das proximidades da sua pequena área.

Já com meus pais era diferente. Diferente mesmo. Dos outros eu fugia; deles eu ficava e pedia mais. Um abraço, um beijinho. Um beijinho e outro abraço. A definição que tinha na época para querer apenas os beijos deles, era de que eles eram limpinhos. Sabia dos hábitos de higiene deles. Não repelia nem da barba do meu pai que pinicava meu rosto, muito menos do cabelão da minha mãe que escondia o rosto dela. Não que os outros não fossem limpos, mas meus pais eram e eu tinha convicção disso.

Minhas avós sempre desejaram ganhar um beijo meu. Nos aniversários de família, viviam fazendo chantagem comigo. “Te dou uma camiseta nova do Inter e tu me dás um beijo!” – dizia a avó Fany. Já a avó Maurêa tentava me pegar pela barriga: “Eu faço umas cuecas viradas que nem as da dona Alice, cheias de açúcar mascavo para ti!”. Eram propostas tentadoras. Fecharia os olhos, lacraria os lábios e os encostaria rapidamente em seus rostos. Eram tiros na água das duas. Não cedia de maneira alguma. Mais teimoso que o Quico querendo a bola quadrada ou o Chaves querendo sanduíche de presunto. Ninguém tinha paciência comigo!

Na escola, assistia os meus colegas a darem os primeiros passos em relação às gurias. Puxavam o urso de algumas; de outras arrancavam a merendeira. Não queriam o urso ou a comida, queriam é chantageá-las para ganhar atenção e mostrar que os homens – ainda guris – são mais fortes, mandões. Mas, na verdade, queriam um beijo. Ficava apenas olhando aquilo e tentando entender o porquê. Na segunda ou terceira vez que vi o meu amigo Fabinho, um futuro médico, aprontando de novo com uma menina no pátio grande do Instituto Cristo Rei, em Rio Grande, definitivamente tive de seguir o mesmo exemplo dele.

Queria beijar aquelas menininhas também. Rosto ou talvez na boca. Talvez tivesse de chantageá-las no começo, mas aos poucos pegaria a malandragem. Lembro que na casa do Fabinho, quando o visitava para brincar nos finais de semana, a família dele era beijoqueira. Chegava lá e a mãe dele, a Tia Tânia, já vinha me cumprimentar com os lábios estalando e ostentando um batom rosa, em outras vezes vermelho. Ela abraçava e beijava o ar. Já eu, passava por baixo dos braços dela fugindo daquele carinho e desviando do restante da família sentada no sofá. Não queria beijos de adultos e a partir do exemplo do Fabinho eu queria beijar as meninas. Era o que mais queria na época, além de ter um Nintendo 64, uma bola autografada pelo Romário e de ser um famoso arquiteto no futuro – só os beijos aconteceram, o restante ficou na história.

Mesmo não tendo ganhado aquele videogame, uma bola autografada do Romário e tendo seguido por outra profissão não me arrependo daquela lição que aprendi no colégio com o meu amigo Fabinho. E aprendi bem, muito bem. Convenhamos: eu também sou humano. Tenho sentimentos, acreditem! Não gostava de beijar as pessoas por um motivo que só fui descobrir com a minha mãe lá com os meus nove anos, quando dúzias de pêlos já me escureciam o buço e quando já havia ganhado a responsabilidade de ser o único homem da casa. E o motivo de não gostar de beijar os outros?

Culpa da minha babá.

A dona Marilda, que hoje deve beirar os sessenta anos. Ela foi a culpada por esse meu trauma de não oscular as pessoas. Ela não era suja, bem pelo contrário. Sempre bem vestida, cheirosa e ostentando um sorriso nuvem com os beiços atroados de batom rosa. O rosa da mangueira. Ela adorava uma samba. Ficava na cozinha preparando a minha mamadeira ao som do rádio em cima da velha geladeira marrom da Consul. Ela fora a algoz do meu trauma de infância. Fugia dos beijos dos outros quando já conseguia caminhar e disparar deles. Mas da Marilda? Necas de pitibiriba. Ela me agarrava à força. Não para me machucar ou me forçar, claro que não. Pelo contrário, queria me fazer agrado, me dar carinho como se fosse a minha mãe temporária.

Segundo a minha mãe, a dona Mariza, a Marilda ficava horas e horas me cuidando. Chegava às 9h da manhã e só ia embora às 18h quando os meus pais retornavam dos trabalhos. Nove horas! Se calculasse que ela me dava um beijo ou uma seqüência deles em cada choramingo – o que na infância é comum – durante essas nove horas, levando em conta que ela trabalhava de segunda a sexta-feira. Valha-me Deus! Haja fôlego para tanto beijo e batom rosa para apenas uma boca.

O resultado era sempre o mesmo no final do dia: a mãe e o pai chegavam do trabalho e me viam com as bochechas flamejando. Não era por causa do choro. Era batom. Somente batom. Aquele batom quase limpo, esfregado pela Marilda para sair a marca da boca dela em meu rosto. Falei bochechas? Eu tinha bochechões! Um gordinho sacana que chorava para ganhar banana amassada com leite e Nescau na mamadeira. No fundo, lá no fundo do meu âmago, já devia gostar daqueles beijos, mas ainda não tinha percebido.

Hoje, depois de ter passado por esse trauma de infância, não tenho nenhum sentimento negativo em relação à Marilda. Pelo contrário, gosto ainda mais dela. Da última vez que eu a vi, lá estava ela com os lábios carnudos tinindo com o inseparável batom rosa. Prometeu ir à minha formatura e que iria me encher de beijos caso eu não a convidasse. Eu não tenho dúvidas que vou convidá-la e na hora do discurso vou fazer questã – como diria o meu querido professor Cilon – de citá-la. Por que é por causa dela que hoje eu beijo avó, tia, tio, primo, prima, professora, cachorro, papagaio e qualquer outra pessoa que eu tenha afinidade, ou não. Preciso falar de beijar mulheres? Porque tem uma coisa que assumo com orgulho: virei um beijoqueiro convicto e devo isso a ela e, sobretudo, ao malandro do meu amigo Fabinho.





* p.s.: Isto não vai mudar o mundo muito menos o seu dia, mas hoje este blog deste modesto metido-a-escritor completa 100 posts! Seguirei Pelé, conto com vocês para passar dos mil! :-)

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei...
Sabe que eu também não gostava de dar beijo... minha mãe sempre diz que passava maior vergonha. Qdo as pessoas vinham me beijar eu dizia: ACABOU.É... convenhamos que pra uma mae deve ser vergonhoso... mas pra uma criança a pura verdade e o que sente... a vontade de nao beijar.
Ainda bem que as coisas mudam hahahaha
Mas cada um de nós tem um jeito especifico de lidar com as coisas, é algo muito particular que um dia a gente acaba mudando ou nao.

Muito bom amado... Beijao e desculpa aparecer tao pouco por aqui.

Anônimo disse...

Essa história de não gostar de beijo eu já conhecia, só não sabia q tinhas largado essa locurinha pq tinhas vontade de beijar as guriazinhas... Tsc tsc! iuaehiuaehiae
E eu sempre fui beijoqueira, alias, era muito mais quando era pequena..
Beijos, Marcos! Muuito bom o texto, como sempre!