sexta-feira, 25 de abril de 2008

A Tara de Jorginho

O Jorginho preferia as morenas e não tinha discussão. Mas, se uma loira passasse por ele, instintivamente girava o pescoço para trás sem titubeios e analisava todas as formas daquele corpo. Às vezes, chegava até a fechar os olhinhos, balançar a cabeça e suspirar se a loira fosse realmente deslumbrante. Mas quando uma morena passava por ele! O Jorginho tinha arrepios incontroláveis, constantes, daqueles de quando o nosso time do coração faz um gol, arrepios multiplicados por dez, vinte talvez. Morenas, morenas e morenas. Elas realmente faziam o Jorginho ficar de quatro, caído, entregue. Uma tara. A tara de um homem babão.

Na época do colégio, lembro bem o Jorginho pelos corredores na hora do intervalo sempre de papo com alguma guria. Loiras, morenas, ruivas, enfim. De todos os tipos, sem exceções. Mas foi ainda no colégio que algo surpreendente aconteceu e fez com que Jorginho mudasse radicalmente o seu gosto pelas mulheres.

Na pré-adolescência nós, homens, acabamos por optando pela quantidade do que pela qualidade. Tudo culpa dos hormônios que estão a mil por hora, sem direção e sem noção como o trânsito de uma capital. Por conseqüência, a necessidade instintiva de ter o sexo oposto ao nosso lado acaba tornando-se vital para que possamos sair ilesos – nem sempre – dessa fase. Isso poderia ser uma explicação para a situação do Jorginho, mas não. O Jorginho não tinha barba muito menos pêlos perdidos no buço ou no queixo. Era um gurizinho, pequeno mesmo, o mais baixo da turma, por isso o apelido de Jorginho. Na época tinha um cabelão comprido que escondia o rosto. Era tímido, mas a timidez só o atrapalhava com os outros colegas, professores ou pessoas mais velhas que se dirigiam a ele. Só. Com as guriazinhas? Era um bom malandro.

Quando estávamos na sétima série, em 1999, bem no iniciozinho do ano letivo, uma carioca mudou-se para Rio Grande e matriculou-se no Cristo Rei. Sabíamos que era carioca pelo sotaque. Todos os guris perguntavam-se quem era aquela deusa. Realmente era uma deusa! E na nossa aula, uau! Uma carioca cheia de charme, talvez uma carioca da Gema. Na verdade uma carioquinha, carioquinha porque tinha o tamanho do Jorginho, nem mais e nem menos. Na medida. Um pequeno frasco com a melhor essência doce deste mundo. De tão doce, ela até seria capaz de fazer um diabético ter crises embriagáveis. Até hoje, posso dizer que ela está entre as poucas mulheres bonitas das quais tive amizade e convívio. Realmente era linda. Linda e doce, linda e atrativa, um completo parque de diversões para os homens. Ou melhor, dizendo, para o malandro do Jorginho que grudou os olhos nela, a carioquinha de medida exata, com o encaixe perfeito para ele. Já ia me esquecendo de descrever algo muito importante: ela era loira.

Primeiro dia de aula e muita conversa para pôr em dia. A aula era uma griteiro só até que a professora resolveu fazer a chamada e pediu a silêncio. Paramos imediatamente – ao menos, nós, os guris – para escutar com muita atenção a chamada. Era o melhor jeito de descobrir o nome dela sem que a abordássemos.

– Aline? – presente professora.
– Ana Paula? – aqui, sôra.
– Bruno? – aqui!
– Carla? – presente!
– Carolina? – Carolina? – ausente, respondeu o Jorginho, ansioso para saber o nome da coleguinha carioca.

A chamada continuou e todos nós, os guris da sétima, da 171, fomos respondendo de acordo. Fábio, Felipe, Gustavo, Hermes, Ítalo, Magregor, Marcos, Tiago e por ai adiante. Poxa vida, mas qual seria o nome dela? Zélia? E lá continuava ela sentada de ti-ti-ti com as novas amigas, com o corpo virado para elas e de costas para nós. Será que por ela ser aluna nova o nome não está na chamada? – questionou o Jorginho. Poderia ser um problema, nosso plano teria uma falha temporária porque ela haveria de falar o nome para a professora. Mas foi aí que o Tiaguinho falou: “Deixem comigo!” – e abriu o caderno, arrancou uma folha, fez uma bolhinha para ter a desculpa de ir ao lixinho que ficava atrás da porta, pertinho, pertinho da carioca. O Jorginho arregalou os olhos sem entender e ficou assistindo.

Lá foi o Tiaguinho, um pouco maior que o Jorginho, em direção ao lixo e arremessou a bolinha. A bolinha bateu na borda do lixo e inacreditavelmente parou embaixo da classe da carioca. Neste exato momento o Jorginho levantou-se da carteira e correu em direção a classe dela e praticamente mergulhou no chão para pegar aquela bolinha que nem dele era. Pegou e entregou a ela e o primeiro diálogo aconteceu, curto, mas aconteceu:

- Ó... – esticou a mão entregando a bolinha para ela.
- Obrigada, mas essa bolinha é desse outro garoto aí – disse a carioca com um ar de superioridade.
- Nem tinha percebido, desculpa.

Desculpa não era a palavra exata naquele momento, até porque não era um erro grave. O ar superior daquela carioquinha não o intimidara, não. Ela tinha o tamanho perfeito e as formas mais desenháveis e utópicas de certo modo deste mundo. Jorginho arriscou:

- Mas... qual é o teu nome?
- Vitória e o seu?
– ela havia respondido e ainda perguntado o nome dele, que felicidade! Ele respondera de bate-pronto:

- É Jorge, mas o pessoal aqui me chama de Jorginho por causa do meu tamanho!
- Que gracinha...
– no exato momento em que ela falara tal palavra a professora a chamara:

- Vitória?
- Aqui fessôra!
- falou levantando mão direita com toda a delicadeza cirúrgica.

O Jorginho e o Tiaguinho correram para seus lugares abastecidos do que queriam. Nós os cercamos para saber o que havia acontecido e o porquê que o Jorginho tinha saído em disparada em direção a ela. O Jorginho era só alegria. Nunca o havia visto daquele jeito, nem nas aulas de educação física quando a professora nos liberava dos exercícios e nos dava bola direto. Mulheres! Essa era a alegria do meu colega. Uma carioca e loira. Uma boa malandra e o alvo certeiro para a malandragem do Jorginho.

Em três meses de convívio diário, tanto no colégio quanto nos programinhas que fizeram extra-classe, acabaram finalmente trocando uns beijos, inevitável. Depois do mais duas semanas começaram a namorar. A primeira namorada do Jorginho. A loira. Uma loira oriunda do Rio de Janeiro trazida diretamente para os braços de um gaúcho, o primeiro do seu curriculum vitae. Sim, ela já havia namorado três vezes e olha que ainda não havia completado seus 15 anos.

Tudo as mil maravilhas como todo início de namoro. Além do convívio diário no colégio, freqüentavam cineminhas durante a semana e festinhas com os amigos no final de semana. Amigos. O Jorginho tinha muitos; ela não, até porque não era de Rio Grande. Por conseqüência disso, todos os amigos e amigas dele viraram amigos dela. Mas amigos mesmo! Daqueles de passar as madrugadas pendurados ao telefone só falando bobagens. Só que de todos os amigos, dois eram especiais: o Tiaguinho e o Magregor.

De quando em vez, Jorginho dava umas olhadas de canto de olho e vinha me reclamar daquela amizade da Vitória com os dois amigos. O Tiaguinho era bem despojado, adorava conversar com todos, até com aqueles que não conhecia. Não haveria de ele ter ciúme. Mas o Magregor? Ele quase não falava, e quando falava balbuciava. Só sabia jogar futebol e bem por sinal. Por que ela ficaria de papinhos e sorrisos logo com ele? Algo havia, algo havia sim, decerto.

Cerca de uma semana depois, soltamos da aula de catequese, eu e o Jorginho, e resolvemos pegar um caminho diferente para casa. Fomos conversando, falando do Inter e do Grêmio e de outras pautas. De repente, quando giramos a Francisco Marques com a Salgado Filho, nossas suspeitas haviam sido confirmadas: a Vitória estava aos beijos e abraços com o Magregor.

Poxa vida! Toda a alegria que eu havia visto nos olhos do Jorginho quando ele conversou com a Vitória pela primeira vez, havia sumido. A sua loira, a sua carioca. Mas como? Logo com o Magregor, aquele afrodescendente, o mais alto e encorpado da turma! Era uma surpresa. Uma surpresa das brabas, daquelas de sair chutando tudo pela frente. A primeira namorada! Loira. Um trauma de infância, mas que Jorginho levaria, talvez, para a vida inteira.

Acabaram. Óbvio. E por sorte, o pai da Vitória, que era da Marinha do Brasil, foi transferido para Florianópolis no mês seguinte, nem precisou enfrentá-la no colégio por muito tempo. O Jorginho ficou calado por algum tempo, quieto, bem na dele. Nem olhava para o Magregor também. Nas aulas de educação física ficava no mesmo time para não ter que enfrentá-lo, mas não tocava a bola para ele. Mágoas, ressentimentos e tristezas por causa daquela traição da namorada e do amigo – homens também sentem isso, mesmo sendo, no caso do Jorginho, ainda gurizinhos.

Hoje em dia, o Jorginho é o mais alto da nossa antiga turma e dá boas risadas nos contando sobre a Vitória, a traumática primeira namorada. Demorou muito para esquecê-la, mas deu a volta por cima. Com o passar do tempo namorou outras pessoas e ganhou experiência com as mulheres. Acabou o colégio, passou no vestibular para o 2° turno de Direito e antes de começar a faculdade foi fazer uma longa viagem pela Europa. Passando por Portugal, lá ficou até acabar suas férias. Conheceu uma linda portuguesa que, talvez por obra do destino, virá fazer intercâmbio estudantil no Brasil. Voltarão juntos de lá, juntinhos porque ela não gosta muito de samba e acha o Rio de Janeiro muito perigoso por causa das balas perdidas e do surto de dengue, por isso virá morar no Rio Grande do Sul. E como ela é?

Mo-re-na.

Um comentário:

Anônimo disse...

A gente ainda dá boas risadas dessa história mesmo!! A vida dá voltas e a gente faz parte delas, impossível sair. De vez enqto dá até vontade de voltar atrás só para viver essas coisas mesmo que elas sejam meio ruins por um lado!! Santa bolinha no lixo!

parabéns pelo texto!
falou meu irmaozinho!