terça-feira, 1 de abril de 2008

Carta Ao Amigo



Pelotas, 1° de abril de 2008.


Grande Roberto!



Como estão as coisas por ai? Muita praia? Diversão? Que inveja boa cara! – como se existisse mesmo uma inveja positiva. Sabes como eu sou, perco o amigo, mas não perco a sinceridade e, claro a piada. Eu queria é estar aí no teu lugar mesmo, pegando uma praia e cuidando as silhuetas das gurias na beira da praia, escondendo meus olhos atrás do meu ray-ban bem sentadinho numa cadeira ou escorado no carro como se nada estivesse passando perto dos meus olhos.

Cara, que saudade do Cassino! Não tens noção como aqui em Pelotas o semestre já anda corrido. É trabalho assim, trabalho assado. Textos para entregar, entrevistas para fazer e projetos experimentais para tocar em frente. Sem contar a temida monografia. Cortei o cabelo e minhas entradas já começaram a aparecer. Acabou o horário de verão, o verão e eu ainda estou derretendo dentro das salas de aula. Porém, como tu sabes, amo a faculdade e faço com prazer todos os trabalhos. Continuo o mesmo fissurado pelo jornalismo. De quebra, eis a minha sobremesa: aqui na UCPel tem desfile de gurias o tempo inteiro. É uma loirinha para cá, uma morena de salto alto para lá. Uma recompensa em alto nível para aliviar o meu estresse. Ainda mais com aqueles perfumes do Boticário ou da Natura, com essências doces, tão doces quanto o pudim de laranja da avó Fany.

Buenas, a parte boa eu já te contei. Já te deixei feliz em saber que eu estou bem mesmo vivendo sob pressão. Agora preciso te contar algo cabuloso, até certo ponto meio macabro. Preciso que guardes isto contigo, beleza? Não conta para ninguém! Muito menos para a mãe ou alguém da minha família. Fui até a redação do jornal, como sempre faço todas às manhãs, e me pediram para fazer uma reportagem sobre alfabetização em um colégio no bairro Dunas, um dos bairros com mais incidências de assaltos aqui em Pelotas - como se fosse o bairro Getúlio Vargas em Rio Grande, para pior.

Fui até a parada de ônibus na Santa Tecla e entrei no ônibus das 14h. A entrevista com a diretora da escola estava marcada às 15h30, mas como sempre faço nas reportagens, resolvi chegar um pouco antes para conhecer o lugar e às pessoas. Pois bem, até aí tudo bem. Estás sentado? Não? Senta agora mesmo. Vai começar agora uma daquelas histórias de filmes de terror do Zé Caixão: “- Judite, vou sugar o seu sangue pela orelhas e dar aos morcegos!”.

Depois de entrar no ônibus, entreguei a passagem para o cobrador e procurei um banco para sentar. O banzo estava quase cheio, acabei que encontrei um lugar vago, do lado da janela, lá no fundão, ao lado de uma senhora. Ela parecia estar dormindo, assim como fazia o Professor aquele que te contei uma vez, o Cilon, que depois de ler seus livros teóricos sempre tirava uma pestaninha até chegar a sua parada. Eu, muito educado, com a velha mania de vereador querendo voto, cheguei até a senhora e disse:

“- A senhora poderia me dar licença para sentar?”.

A velhinha nem bola para mim. Insisti mais uma vez em um tom mais alto:

“- Com licença?”.

A paciência já estava acabando, mas era uma senhorinha tão queridona, mais enrugadinha que um sharpei. Cutuquei a senhora e nada. Fiquei em pé no corredor até que na parada seguinte, enquanto o ônibus havia parado para subir mais alguns passageiros, dei um pulo por cima das pernas da senhora e entrei no banco do canto. Antes que me perguntes sobre ela: dormia um sono merecido, sem ressonadas, engasgadas ou tosses secas. Praticamente não respirava. Tranqüila, com a cabeça caída em direção às pernas.

Como não conheço ainda todos os bairros de Pelotas, fui acompanhando o movimento pela janela. Vendo a quantidade de erros de português das placas de alguns estabelecimentos. Contando quantas irregularidades dos motoristas de Pelotas em não usar a seta de pisca na hora de dobrar as ruas. E assim fui indo. Passei por vários brechós, não sei aí em Rio Grande ou no Cassino existe uma grande quantidade deles, mas aqui em Pelotas é a onda do momento. Passei por 13, 13 brechós, acredita cara? Sem contar no número de guardadores de carro. Sem noção, eu perdi a contagem quando cheguei por volta dos 24, porque fiquei olhando a senhora ali do meu lado com a cabeça caída, sem retomar a posição correta ao assento e sem fazer nenhum barulho. Já estava começando a ficar com medo de que ela estivesse desmaiada.

Quase chegando ao tal bairro Dunas, o ônibus fez uma curva violenta para desviar de uns buracos. Buracos não. Eram crateras praticamente. Com essa curva a senhora caiu sobre o meu colo. Cara, a senhora ficou caída sobre mim! Com a cabeça bem naquele lugar. Obsceno, impróprio. Na hora, todos que estavam próximos ficaram olhando aquela cena bizarra. Na hora, fiquei muito envergonhado e num ato reflexo tentei encostá-la na poltrona. Quando olhei para seu rosto, os olhos estavam abertos, saltados e sem estímulos. Simultaneamente olhei para a boca da pobre vovó e vi que escorria sangue. Comecei a gelar. Minhas mãos ficaram tremulas. Tu não vais acreditar: a velhinha estava com uma faca cravada no omoplata direito, na parte inferior. Mas cravada mesmo! Quase não se via o cabo da faca. Devia ter atingido em cheio o pulmão dela.

Depois de verificar toda a situação em fração de segundos, respirei fundo e gritei:

“- Motora! Pára o ônibus! Pára o ônibus! Tem uma mulher morta aqui!”.

Insisti, gritei mais uma vez, porque estávamos na penúltima fila do ônibus. Nem o cobrador tinha escutado, porque o maledeto estava com o fone de ouvido nas orelhas - talvez escutando a entrevista coletiva do novo técnico do Brasil, o Lisca aquele do Inter-B, lembra? O pessoal que estava em pé no corredor gritou e gritou até o motorista escutar. Na hora o ônibus parou, o motorista desligou o motor, travou as portas e ligou correndo para uma ambulância. Não sou médico e muito menos sei nada, mas empiricamente, a velhinha estava morta há muito tempo. Quanto a segurei para colocá-la na posição correta do assento, seus braços estavam gelados. Estranhei, mas para uma pessoa daquela idade, até se torna normal ter a temperatura um pouco mais fria devido à baixa circulação do sangue durante uma pestana.

O motorista, depois de ligar para a ambulância, veio correndo até o local e deitou a senhora no chão do corredor do ônibus. E com um kit de primeiros-socorros tentou auscultar o coração e a respiração. Nada, sem pulso, sem estímulos. Ela realmente estava morta, ou quase. Afinal, não éramos médicos. E com a demora da ambulância e da polícia para chegarem até o local e resolverem aquela situação, ela viria a morrer. Sem bolsa e, por conseqüência, sem nenhum documento de identificação. A única coisa que se pôde perceber era um broche do Xavante na lapela preso no lado esquerdo do casaco. A coitadinha morreu sem ver o Lisca estrear como técnico.

A polícia demorou 15 minutos para chegar e a ambulância um pouco mais disso. Ninguém saiu daquele ônibus até ser revistado e entrevistado um a um. Foi um burburinho só. Perdi a reportagem, furei com a diretora, levei bronca do editor do jornal e mais, o pior de tudo: estou sendo acusado de homicídio culposo seguido de latrocínio. Neste momento, tenho a oportunidade de te escrever esta carta, pois sozinho estou em uma cela privilegiada até com direito a usar o meu celular – já que tenho segundo grau completo, curso ensino superior e não tenho antecedentes criminais. Ficarei aqui até dia 16 de abril de 2009 aguardando pelo julgamento. Tive direito a uma ligação e falei com um, o Susini, pai da Renata da Nice e do George, para ver se consigo um habeas corpus para responder em liberdade. Até porque sou inocente, podes acreditar meu amigo. Não é papo furado de Titicas ou Maníacos do Parque.

Despeço-me aqui com esta triste notícia contando um pouco dos meus dias bons aqui em Pelotas e do trágico desfecho que me fez parar nesta cela. Passo os dias deitado pensando em quantos verdadeiros homicidas estão lá fora gozando de liberdade e eu pagando por um crime de um vagabundo sem escrúpulos que matou uma senhora indefesa por causa de uma bolsa incentivada por alguma necessidade ou por uma rivalidade besta. Decerto, ele devia ser Pelotinhas o danado – o que nada me espanta. Aguardo tua visita, ok? Os horários são estes: pela manhã das 10h às 12h e à noite das 18h às 20h, de segunda à quinta. Traz um caderno e uma caneta para mim? Não esquece! Reza por mim!



Saudações meu velho, querido e eterno amigo!




Marcos Leivas





p.s.: Ainda bem que hoje é primeiro de abril, não é?! Não precisas vir me visitar não! Eu fugi pela saída de emergência das janelas do ônibus e já estou a caminho do Cassino para pegar um sol, fazer um churrasco, bater uma bola e olhar as gurias contigo neste final de semana! Calma, eu sou inocente! Esta é a carta-pegadinha de 1° abril já que eu não pude te ligar e te pregar uma peça!

2 comentários:

MaxCirne disse...

Sabia que hoje, 1º de abril, ia ter uma piadinha! Mas, claro, deixasse para o final!
Enquanto eu lia o texto, não estava entendendo porque tinhas utilizado uma foto com um ônibus sorrindo! Tá explicado ne!
Bom trabalho que tu fez para o professor Manoel! Deu para aproveitar quase tudo! Se tu tivesse escrito como algo real, era uma tragédia mesmo! aheuiaauiea
Depois dou uma olhado na novela da Casa 457!
Abraço

Nati Leivas disse...

hahahha :D

Comecei a me assustar, se eu não soubesse que hj era 1º de abril :D
uihaiuahaiua

mto boa a carta :)

beijos