sábado, 29 de março de 2008

A Casa 457 - Capítulo III


Joaquim levantara-se num pulo. Tão rápido como um guepardo asiático. Surpreendente para um homem sexagenário e aposentado que só ficava em casa enfurnado em seu escritório. Mas não era Joaquim que havia saltado do chão. Era Louzada. O velho Louzada voltava à ativa como nos velhos tempos de civil. Em seguida de levantar-se apalpou o bolso direito para ver se o saco plástico não havia caído. Mexera o tornozelo para verificar a faca na meia. Tudo nos conformes. Podia atacar caso fosse necessário. Atacaria se houvesse necessidade, num bote só.

Imaginou os tempos de civil e decidiu esconder-se antes que o homem saísse de dentro da casa 457. O carro estava parado em frente da casa. Era verde, verde musgo, bem escuro. Mas se esconderia onde? Não havia muitos carros parados na Rua Dezenove de Fevereiro. Volta e meia e passavam alguns, mas nenhum perto da casa 457. Não poderia dar na vista do homem e das pessoas que passavam, até porque elas pensariam que Louzada não fosse um civil aposentado à paisana e sim um larápio, escondendo-se para assaltar o homem que havia descido do carro. De repente um barulho de porta se abrindo. Louzada precisava ser rápido, incorporar a agilidade dos felinos caçadores.

Correu em rápidos e largos pulos como João do Pulo e metera-se atrás do carro verde do outro lado da calçada, para que o tal homem não os visse. Agachou-se e esgueirou-se no pneu traseiro. Sem barulhos significativos. Louzada estava em forma. Mas sua agilidade havia sido em vão. O barulho da porta se abrindo vagarosamente não era da casa 457 e sim a porta da sua casa. Zezé. Louzada gesticulou para que entrasse no mesmo instante em que metera seu rechonchudo rosto na porta para espiar a ronda do marido. Ela obedeceu acenando com a cabeça e entrou.

Após o alarme falso, Louzada saiu detrás do carro e correu em direção à entrada de um edifício do outro lado da rua. Neste edifício havia uma floreira repleta de petúnias roxas. Mergulhou no meio daquelas flores e ficou observando tudo de lá. Cada movimento de cada transeunte das duas calçadas. Um verdadeiro felino. Nem o cheiro das petúnias o fazia espirrar. Nada e nem ninguém, a não ser um formigueiro. Um enorme formigueiro. Louzada tinha horror de formigas. Todo o dia pela manhã matava centenas delas no quintal de sua casa. Decerto, o zelador daquele edifício não realizava o serviço com sucesso.

Subiam pelos pés e entravam pelas calças. Panturrilhas e virilhas repletas delas em fração de segundos. Louzada era caucasiano daqueles bem brancos, beirando o albinismo. Suas canelas e coxas já estavam repletas de brotoejas. Coçava, coçava e coçava. Não agüentaria por muito tempo permanecer ali. Nem o casacão no estilo do famoso Inspetor Bugiganga o salvara daquelas ferozes formigas que estavam danadas por ele ter sentado suas secas nádegas em cima de suas casas subterrâneas. Louzada não suportou e saiu arrancando petúnias e levando outras pela frente. Não vira a grade de proteção da floreira; mais um tombo. Louzada caíra mais uma vez, porém, não ficaria deitado pensando no que fazer. Estava no clima, com a adrenalina nas alturas.

O velho civil ficou rodopiando como se estivesse incorporando uma entidade para tirar as formigas que ainda lhe cutucavam a pele. Algumas pessoas que neste momento passavam pela calçada certamente pensaram que Louzada fosse um maluco ou um homem tomado pelo efeito do álcool. Nada disso. Louzada detestava o álcool. Para ele um homem que bebe é a mesma coisa que um gato. Ou seja, não se deve confiar. Mas álcool era o que mais precisava naquele momento. Um outro tipo de álcool. Para passar nas horrendas bolotas vermelhas na pele. Mal sabiam as pessoas que Louzada era um civil e detestava o álcool.

Rodopiava feito o pião da casa própria do dono do baú. Nem notou os olhares atravessados dos transeuntes. Preocupava-se em tirar aquelas safardanas formigas de seu corpo. Tirou o casaco, levantou as calças até os joelhos, coçou-se em demasia até que a coceira passasse. Precisava ficar tranqüilo. Inspirava duas vezes seguidas sem expirar o ar – havia aprendido isso com o amigo Clóvis Korting. Mas e o carro verde musgo? E o homem da casa 457? Deu-se de conta da falta de atenção causada pelo ataque das formigas. “Ufa!”pensou. O carro ainda estava lá. Deu graças aos céus. Sua chance ainda estava de pé.

Recolheu o casaco do chão, arrumou as calças e apalpou-se novamente para conferir os pertences. Todos nos conformes. Deu apenas uma mexida constante no tornozelo para verificar a faca. Ela estava lá. Olhou para trás e jurou morte àquelas formigas da floreira das petúnias. Jurou morte a elas pensando em um bom inseticida para efetuar a chacina. E agora, onde iria esconder-se? Precisava de um lugar. De preferência um lugar próximo com uma visão direta para o carro e para a casa 457. “O latão de lixo!” – sugeriu-se interiormente. O latão era o melhor e mais próximo esconderijo, excluindo a floreira.

Em cinco passos largos estava sentado atrás do latão de lixo verde. Aqueles latões, além de serem bons para a coleta do lixo, eram altos e davam espaço para até três pessoas esconderem-se. Louzada estava folgado. Vários sinais lhe davam indícios para desistir: o tombo na frente de casa, sua esposa curiosa na porta de sua casa e o ataque das formigas da floreira. Teimava, assim como os velhos tempos de policial. Mirava com os olhos estalados aquele carro. Era um Golf. Talvez 2004 ou 2005. Com os vidros escuros e rodados espelhados, reluzentes. Um investimento de mais sessenta mil reais, certamente. Mais de sessenta. Louzada ficaria bem naquele carro. Pensou em trocar o seu Golinho mil, vinho, por um daqueles mas relutou. O dinheiro da aposentadoria não lhe conferiria oportunidade para esse tipo de luxo.

Um sinal. Um carro? Outro carro? “Ah, meu Deus!” – exclamou. A casa nunca havia dado sinais tão fortes de visitas tampouco de moradores. Havia estacionado atrás do golf verde musgo, um gol vermelho, quase igual ao seu. Vermelho? Os carros haviam aprontado uma com o problema de daltonismo do velho Seu Afonso: um carro vermelho e outro verde e não apenas um carro. Um carro colorado tão colorado quanto o velho Louzada. Faróis ligados e ninguém descia dele. As pernas de Louzada já davam indícios de dormência e dor pelo tempo que ficara agachado atrás do latão de lixo. Através do vidro enxergava somente uma silhueta. A silhueta de uma mulher. Certamente era uma mulher.

“Um homem e agora uma mulher?” – analisou mentalmente. A casa 457 seria uma casa de encontros? Um motel? Mas como isso se ninguém havia enxergado nenhum sinal, muito menos um caminhão de mudanças trazendo as tralhas de novos moradores. Realmente era um mistério que Louzada precisava descobrir. As formigas nem eram nada. O problema eram as pulgas atrás de suas orelhas que cada vez mais lhe mordiscavam. A casa misteriosa realmente fazia jus ao título que ganhara dos vizinhos.

A porta do gol vermelho se abrira. Uma mulher. Havia sido confirmada a suspeita de Louzada. Aqueles olhos felinos não se enganavam nunca. Uma estonteante mulher. “Uma balzaca” – analisava o civil. Decerto sabia pelos trajes que vestia e pelo modo de andar. Porta do carro fechada e os faróis do carro ligados. Mulheres sempre esquecem os faróis ligados, não aprendem. Louzada se conteve em avisá-la, chegou a pressionar os lábios para manter a língua lá dentro. Conseguiu ficar em silêncio.

Dedo na campainha. Três toques repetidos e uma batida com a mão na porta. Talvez um código. Louzada analisava e anotava mentalmente esses detalhes. O homem. Um homem havia aberto a porta e esticado a mão para a mulher. Talvez o homem que Louzada havia visto. Ou outro? Tudo muito rápido, mesmo sem as pestanejadas de Louzada. Duas incógnitas agora apenas em uma noite. Quem seria o homem do golf verde musgo? E a mulher do gol vermelho? Louzada esperaria os dois saírem de lá? Avisaria para a esquecida mulher dos faróis ligados? Louzada precisaria decidir qual o próximo passo a seguir.




Um sexagenário curioso, aposentado da polícia civil, pagando uma de detetive! Qual seria o próximo passo de Louzada? Isso é o que você confere no capítulo de amanhã do folhetim "A Casa 457".

Um comentário:

Anônimo disse...

Coitado do Louzada! E que cagão o Lacerda! :>