Praia, sol, mar perfeito e céu azul. Sem contar no vento que soprava sul. O dia ideal para colocar as pranchas no deck do carro e rumar para a praia. Repito: o dia ideal. Mas, como tudo na vida, por mais que tudo indicasse a perfeição, no fundo, a Talita sabia que algo daria errado. Era lei de Murphy. E para piorar, sempre quando alguma coisa dava errado com ela, era sinal de que elas iriam piorar mais ainda. Aquele dia de praia certamente escondia algum problema, algum perigo.
Cadeiras de praia, guarda-sol cravado na areia e cinco mulheres enfileiradas na areia bronzeando-se com aquele sol dilacerante. Alguns homens já na água, remando e enfrentando a forte ondulação de sul; outros na areia ainda alongando-se para adentrar o mar e ainda alguns que não surfavam, preparavam um churrasquinho à beira-mar bebericando umas cervejas ouvindo música e falando sobre futebol e daquelas beldades estiradas na areia. Uma maravilha dos céus, quiçá a visão mais linda do mundo. E somente eles poderiam assistir àquilo já que a praia estava deserta. Um prêmio dos céus!
Final de verão e praticamente ninguém na praia. O clima de outono ainda não chegara, mas era suficiente para as pessoas rumarem à cidade para retornarem às suas rotinas de trabalho. A praia era deles a não ser pelos pescadores que de quando em vez passavam em pequenas embarcações lá fora do canal, onde as ondas não lhes atacavam e a navegação era tranqüila. Bem diferente da tranqüilidade que deixaria de fazer parte daquela tribo de amigos do surf.
Puxa daqui, puxa de lá; rema forte, diminui e os amigos pegavam as melhores ondas daquele início de outono com clima de verão. O melhor swell daquela temporada, certamente. Ondas tubulares e cristalinas, ondas extintas na Praia do Cassino. Nem os locais da guarderia haviam presenciado aquelas ondas desde a sua criação. E nem poderia, já que o grupo de amigos pegara aquelas ondas para o lado do navio, bem próximo do navio encalhado. Um mar totalmente diferente daquele conhecido pelos surfistas locais que têm o pico do terminal como seu quintal de brinquedos.
O Tadeu surfava como nunca havia pegado aquelas ondas antes. O Tiaguinho estava nas nuvens com a euforia daquelas ondas fechadas, abertas. Havia de tudo naquela manhã. Todos sabiam que o mar pela manhã tinha a melhor ondulação, as melhores condições para o surf. Por isso, esbaldavam-se naquela manhã perfeita ou quase isso. Enquanto os dois remavam facilmente após a rebentação, o Gustavo, o Juliano e o Berê, apanhavam literalmente para passar a rebentação. Haviam pegado três ou quatro ondas completas – daquelas ondas surfáveis até a beira da praia.
- Mas cadê o Berê? – gritava gesticulando Gustavo para o resto dos amigos.
- Acho que ele ficou para trás! – falava Juliano, apontando para a beira da praia.
O Berê não estava na beira da praia. Não estava à esquerda e muito menos à direita. Na frente deles só haviam ondas, intermináveis e arrebatadoras ondas e o Tadeu e o Tiaguinho pegando as melhores ondas. O Berê não estava lá também. Um ar de preocupação total tomou a cabeça dos amigos, inclusive da dupla das ondas lá na frente. Juliano acenava com a prancha no ar, para que os amigos lá da frente percebessem a preocupação. E perceberam, vieram nas forças das ondas até o grupo da rebentação para saber o que fariam.
- O que houve, brow?
- Tiaguinho, o Berê sumiu! – disse o Juliano.
- Ele não foi comer um churras?
- Cara, ele não está lá e muito menos aqui perto da gente!
- Meu! Comecei a ir pela teoria da Talita... nada é perfeito! – falou o Tadeu.
- Fica quieto Tadeu, não pensa nisso porque senão acontece... Tiaguinho preocupado com a situação resolveu armar um plano:
- Vamos procurar, cada um rema para um lado e nos encontramos lá na beira da praia!
- Combinado – concordou Tadeu.
- Certo – falou Juliano.
- Fechado – apontou Tiagu.
Os amigos se dividiram nas direções cabíveis e foram enfrentar o mar à procura de soluções para o sumiço de Berê. Estavam preocupados, pois o Berê sempre estava lá na turma da frente, pegando as boas ondas e não enfrentando a rebentação. Definitivamente lá não era o lugar dele. Era como uma tartaruga marinha o Bernardo. Pulava em cima da prancha e saia nadando facilmente, passando pelas ondas como um rasgo na água. Era o mais corajoso do grupo, ao mesmo tempo o mais tímido com as garotas. Especialmente com Talita, a colega de colégio, de aulas de inglês e agora de faculdade.
Talvez não faria mais diferença o Berê ser tímido ou corajoso. E isso foi confirmado quando a Talita, lá na beira da praia acenou para o restante dos amigos surfistas na água que alguma coisa de estranho estava acontecendo. Alguém estava boiando lá no outro extremo da área em que todos estavam surfando sem fortes deslocações, apenas com pequenos movimentos por causa das ondas. Talita correra até lá para ver mais de perto aquela cena. Ao chegar ao local, a prancha de Berê boiando na beira da praia como um negativo sinal de que algo realmente ruim estivesse acontecendo.
Talita acenou para as amigas e os dois amigos que estavam preparando o churrasco. Todos foram correndo já imaginando o desespero da amiga que chorava compulsivamente. A Claudinha catou o celular e chamou ajuda, já que a operação golfinho já tivera acabado na semana anterior e ninguém estivera por perto para ajudar. Os amigos deslocaram-se em direção leste, remando em suas pranchas, para verificar o que havia acontecido com Berê. Infelizmente, a triste notícia estava sendo confirmada aos poucos, devagarzinho, a cada remada. Berê estava boiando de bruços, preso a uma rede de pesca. Uma rede de pesca!
O pior havia acontecido, infelizmente. Tiaguinho, Tadeu, Juliano e Gustavo olharam-se entre si e começaram a chorar. Abandonaram suas pranchas e tentaram retirar o amigo das redes. Pernas e tronco presos à rede. Berê estava desacordado, branco, gelado. Sem vida. A confirmação do pior estava decretada pelo Juliano, o médico da turma. Um dos melhores surfistas entre os amigos havia se enredado e perdido a vida numa rede de pesca.
Mais um caso de morte em redes de pesca foi confirmado no litoral sul do Rio Grande do Sul. Redes de pesca e nenhuma sinalização na orla da praia com placas indicativas da presença de redes no mar ou de uma área destinada à prática de esportes náuticos ou da pescaria. Um descaso dos pescadores e também dos órgãos responsáveis por essas marcações através de placas indicativas. Uma tarde perfeita quebrada pela pior notícia que os amigos poderiam ter. Aquele mar havia transformado a vida de todos na pior ressaca que atravessariam até o final de seus dias a partir da catástrofe da perda de Berê, um futuro engenheiro. Mais uma vida perdida pelo descaso a partir da necessidade do sustento de uns e também, agora, da necessidade de votos de outros. É hora de mudar e fazer diferente.
Cadeiras de praia, guarda-sol cravado na areia e cinco mulheres enfileiradas na areia bronzeando-se com aquele sol dilacerante. Alguns homens já na água, remando e enfrentando a forte ondulação de sul; outros na areia ainda alongando-se para adentrar o mar e ainda alguns que não surfavam, preparavam um churrasquinho à beira-mar bebericando umas cervejas ouvindo música e falando sobre futebol e daquelas beldades estiradas na areia. Uma maravilha dos céus, quiçá a visão mais linda do mundo. E somente eles poderiam assistir àquilo já que a praia estava deserta. Um prêmio dos céus!
Final de verão e praticamente ninguém na praia. O clima de outono ainda não chegara, mas era suficiente para as pessoas rumarem à cidade para retornarem às suas rotinas de trabalho. A praia era deles a não ser pelos pescadores que de quando em vez passavam em pequenas embarcações lá fora do canal, onde as ondas não lhes atacavam e a navegação era tranqüila. Bem diferente da tranqüilidade que deixaria de fazer parte daquela tribo de amigos do surf.
Puxa daqui, puxa de lá; rema forte, diminui e os amigos pegavam as melhores ondas daquele início de outono com clima de verão. O melhor swell daquela temporada, certamente. Ondas tubulares e cristalinas, ondas extintas na Praia do Cassino. Nem os locais da guarderia haviam presenciado aquelas ondas desde a sua criação. E nem poderia, já que o grupo de amigos pegara aquelas ondas para o lado do navio, bem próximo do navio encalhado. Um mar totalmente diferente daquele conhecido pelos surfistas locais que têm o pico do terminal como seu quintal de brinquedos.
O Tadeu surfava como nunca havia pegado aquelas ondas antes. O Tiaguinho estava nas nuvens com a euforia daquelas ondas fechadas, abertas. Havia de tudo naquela manhã. Todos sabiam que o mar pela manhã tinha a melhor ondulação, as melhores condições para o surf. Por isso, esbaldavam-se naquela manhã perfeita ou quase isso. Enquanto os dois remavam facilmente após a rebentação, o Gustavo, o Juliano e o Berê, apanhavam literalmente para passar a rebentação. Haviam pegado três ou quatro ondas completas – daquelas ondas surfáveis até a beira da praia.
- Mas cadê o Berê? – gritava gesticulando Gustavo para o resto dos amigos.
- Acho que ele ficou para trás! – falava Juliano, apontando para a beira da praia.
O Berê não estava na beira da praia. Não estava à esquerda e muito menos à direita. Na frente deles só haviam ondas, intermináveis e arrebatadoras ondas e o Tadeu e o Tiaguinho pegando as melhores ondas. O Berê não estava lá também. Um ar de preocupação total tomou a cabeça dos amigos, inclusive da dupla das ondas lá na frente. Juliano acenava com a prancha no ar, para que os amigos lá da frente percebessem a preocupação. E perceberam, vieram nas forças das ondas até o grupo da rebentação para saber o que fariam.
- O que houve, brow?
- Tiaguinho, o Berê sumiu! – disse o Juliano.
- Ele não foi comer um churras?
- Cara, ele não está lá e muito menos aqui perto da gente!
- Meu! Comecei a ir pela teoria da Talita... nada é perfeito! – falou o Tadeu.
- Fica quieto Tadeu, não pensa nisso porque senão acontece... Tiaguinho preocupado com a situação resolveu armar um plano:
- Vamos procurar, cada um rema para um lado e nos encontramos lá na beira da praia!
- Combinado – concordou Tadeu.
- Certo – falou Juliano.
- Fechado – apontou Tiagu.
Os amigos se dividiram nas direções cabíveis e foram enfrentar o mar à procura de soluções para o sumiço de Berê. Estavam preocupados, pois o Berê sempre estava lá na turma da frente, pegando as boas ondas e não enfrentando a rebentação. Definitivamente lá não era o lugar dele. Era como uma tartaruga marinha o Bernardo. Pulava em cima da prancha e saia nadando facilmente, passando pelas ondas como um rasgo na água. Era o mais corajoso do grupo, ao mesmo tempo o mais tímido com as garotas. Especialmente com Talita, a colega de colégio, de aulas de inglês e agora de faculdade.
Talvez não faria mais diferença o Berê ser tímido ou corajoso. E isso foi confirmado quando a Talita, lá na beira da praia acenou para o restante dos amigos surfistas na água que alguma coisa de estranho estava acontecendo. Alguém estava boiando lá no outro extremo da área em que todos estavam surfando sem fortes deslocações, apenas com pequenos movimentos por causa das ondas. Talita correra até lá para ver mais de perto aquela cena. Ao chegar ao local, a prancha de Berê boiando na beira da praia como um negativo sinal de que algo realmente ruim estivesse acontecendo.
Talita acenou para as amigas e os dois amigos que estavam preparando o churrasco. Todos foram correndo já imaginando o desespero da amiga que chorava compulsivamente. A Claudinha catou o celular e chamou ajuda, já que a operação golfinho já tivera acabado na semana anterior e ninguém estivera por perto para ajudar. Os amigos deslocaram-se em direção leste, remando em suas pranchas, para verificar o que havia acontecido com Berê. Infelizmente, a triste notícia estava sendo confirmada aos poucos, devagarzinho, a cada remada. Berê estava boiando de bruços, preso a uma rede de pesca. Uma rede de pesca!
O pior havia acontecido, infelizmente. Tiaguinho, Tadeu, Juliano e Gustavo olharam-se entre si e começaram a chorar. Abandonaram suas pranchas e tentaram retirar o amigo das redes. Pernas e tronco presos à rede. Berê estava desacordado, branco, gelado. Sem vida. A confirmação do pior estava decretada pelo Juliano, o médico da turma. Um dos melhores surfistas entre os amigos havia se enredado e perdido a vida numa rede de pesca.
Mais um caso de morte em redes de pesca foi confirmado no litoral sul do Rio Grande do Sul. Redes de pesca e nenhuma sinalização na orla da praia com placas indicativas da presença de redes no mar ou de uma área destinada à prática de esportes náuticos ou da pescaria. Um descaso dos pescadores e também dos órgãos responsáveis por essas marcações através de placas indicativas. Uma tarde perfeita quebrada pela pior notícia que os amigos poderiam ter. Aquele mar havia transformado a vida de todos na pior ressaca que atravessariam até o final de seus dias a partir da catástrofe da perda de Berê, um futuro engenheiro. Mais uma vida perdida pelo descaso a partir da necessidade do sustento de uns e também, agora, da necessidade de votos de outros. É hora de mudar e fazer diferente.
Por favor.
2 comentários:
Que triste isso...
Também acho um descaso redes de pesca e nenhuma sinalização... o mínimo que deve haver sao placas ou lugares apropriados para as redes.
E assim perdem-se vidas por um descaso.
E as coisas continuam como se nunca tivesse acontecido nada.
Lamentavel... nada mais a dizer.
beijao querido.
Putz, que merda heim...
até me arrepiei com esta historia :(
Mas isso, no nosso país é "normal", o descaso das pessoas é "normal", o não cumprimento de normas é "normal" e a falta de leis para determinados assuntos é "normal".
texto mto triste esse, prefiro os que terminem com a felicidade dos personagens, assim como na vida real, prefiro sempre " que o fim de um sofrimento seja curado com uma boa notícia" :D hehehe
" no final fica tudo bem..." como já dizia minha amiga ivete :)
bjooo
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