Milhas e milhas de mares navegados e a companhia de uma tripulação de homens fétidos sem muito assunto. Seria preciso paciência, muita paciência para enfrentar aquele marasmo. Até havia alguns homens dos quais poderia se aproximar. Poderia conversar com Sancho de Tovar, mas ele era deveras rabugento. Tinha o Simão de Miranda que falava cuspindo e só falava de assuntos impertinentes. Também estavam embarcados Nicolau Coelho e Aires Correia – uma dupla inseparável e imiscível. Seria impossível virar um trio. O único que restava era Pedro Álvares Cabral, o fidalgo líder daquele navio. Impossível, Cabral nem lhe daria atenção até porque precisava estar atento às coordenadas náuticas. Foi então que Pero Vaz de Caminha decidiu narrar e descrever também cada detalhe do dia-a-dia dos homens daquela embarcação e não apenas de uma possível terra que talvez fosse descoberta.
Centenas de papiros, cinco penas e alguns vidrinhos de tinta preta na sua inseparável e surrada bolsa de couro. Aos poucos foi escrevendo cada detalhe que seus olhos de caçador lhe conferiam. O piso da embarcação era de madeira, uma madeira alinhada. 54 tábuas longínquas, ladeadas e presas por pregões de ferro nas pontas e pontos-médios. As tábuas eram cobertas por uma tinta marrom, avermelhando nas extremidades devido a pouca quantidade de tinta aplicada na superfície da madeira, talvez.
Enquanto não chegavam a nenhum destino de terras firmes, Caminha descreveu à risca cada detalhe. Descreveu tudo e todos, especialmente aqueles homens dos quais queria se aproximar a fim de construir um interlóquio amistoso para passar o tempo. Falou das meias repetidas e furadas de Simão de Miranda. Observou até cada coçada na linha abaixo da barriga que Sancho de Tovar dera a cada três minutos. Definira aquilo como nojento, mas uma ação entendível devido a falta de banho depois de dias e dias sem as partes serem visitadas por águas limpas.
De dias em dias esperava pelo anúncio de Cabral da chegada naquelas terras tão pretendidas. Sempre lembrara nessas horas de seu pai, o velho cavaleiro Vasco Fernandes, que seguidamente lhe falava que quando um homem tem um objetivo precisaria agüentar a ansiedade da espera para alcançar o resultado final de seu objetivo com êxito. Caminha não agüentava mais, nem suas escrituras lhe davam tesão como no começo. Mais de um mês e alguns dias em alto mar, sem ver muitas terras firmes e mais ainda: sem pisar em um chão firme, seguro.
Aos poucos, Caminha fora perdendo a vontade daquela missão perturbadora. Um teste de resistência e paciência para qualquer mortal. Outrora Caminha era um letrado em sossegadas terras portuguesas. Já houvera participado de outras missões, mas nenhuma tão longa e incerta quanto aquela. Um mês no meio de muitos homens? Lembrava de sua Catarina. Quanta saudade! Saudade da sua companhia, de sua doce voz que lhe dizia bom dia a cada amanhecer. Saudade do corpo pequenino de membros curtos, porém confortáveis, encaixantes ao seu corpo mediano de português. Tinha saudade dos pés quentes de Catarina. Adorava deitar e dormir agarradinho. Depois de alguns beijos e carícias, enroscava os seus grandes e gélidos pés aos sintéticos pés de Catarina. Uma delícia.
Mais dias e dias e nada de Cabral gritar alguma coisa lá da ponta do navio. As escrituras já eram menores e os textos não fluíam do mesmo jeito de que eram escritos no começo. Duas folhas talvez, praticamente nada comparadas às dúzias de que escrevera lá no início da missão em 8 de março de 1500 quando aqueles treze navios saíram do Rastelo.
Lá pelo dia 21 de abril as coisas já estavam voltando a aquecer. O tédio já estava passando por causa de grandes sombras escuras sem definição ao longe – finalmente algo de diferente para descrever em seus alfarrábios. Mais tarde, na manhã do dia seguinte, ainda com os olhos emplastados de remela e cambaleantes de sono, ouviu o fidalgo Cabral gritar lá na ponta do barco com as mãos para cima:
- Terra à viiiiiiiiiiiiiistaaaa! – com muitos e muitos i’s.
Caminha voltou correndo ao quarto para vestir suas calças por cima das calçolas de bainhas brancas. Pegou sua surrada maleta de couro e correu em direção a Cabral. Detalhou com afinco, com o máximo de detalhes as reações do comandante, dos homens do próprio barco e dos outros tantos que os seguiam em outras embarcações. Aos poucos foi narrando a costa brasileira, descrevendo as imponentes árvores verdes que beiravam o mar. Narrou até o que não esperava narrar: pessoas morenas com peles pintadas e com cabelos lisinhos; nuas em terras ainda desconhecidas.
Após avistar um grande monte, Pedro Álvares Cabral o batizou de Monte Pascoal e a princípio deu o nome de Ilha de Vera Cruz a nossa terra – mal sabia ele que não se tratava de uma ilha e sim de um continente. Depois do equívoco que o próprio Cabral havia se dado de conta, chamou de Terra de Santa Cruz a cidade que hoje é Porto Seguro, na Bahia. A terra era tomada de índios das nações Tupinambás e Tupiniquins. Os homens daquelas embarcações deliciaram-se em trocar espelhos por ouro e outras regalias por índias de pele morena cheias de curiosidades por aqueles portugueses bigodudos e fedidos.
Caminha se manteve ileso em relação ao povo indígena de Porto Seguro, especialmente, às índias. Procurou duas pedras, uma para sentar-se e outra para recostar suas escrituras. Ali ficou durante boas horas escrevendo e escrevendo. Ninguém sabia o que ele tanto escrevia. Ficara cercado por pequenos índios que com olhares curiosos e até de certa forma espantados miravam aquele gesto de molhar a pena no tinteiro e rabiscar no papel que Caminha fazia repetidamente. Sabiam lidar com tintas, mas não tão evoluídas quanto aquela da qual Caminha utilizava. Saiu dali depois de oito ou nove horas ininterruptas. Enrolou seus escritos, os guardou dentro da maleta de couro e não mostrou para mais ninguém. Nem para Cabral, o descobridor – ou melhor dizendo, o “achador”, até porque quem descobriu ou chegou primeiro foram os índios – contou. Somente dias depois todos souberam que os apontamentos daquelas horas literalmente perdidas tratava-se de uma carta para Dom Manuel sobre o descobrimento das novas terras.
Um cara letrado e dedicado no que fazia. Um homem fiel, isso decerto que era. Mesmo com tantas índias de mamas de fora e órgãos genitais quase expostos, manteve-se firme para com a tentação da carne e do instinto masculino. Era um homem forte, daqueles de não passar despercebido pelos outros, inclusive pelas índias. Não era de se jogar fora. Mas havia Catarina à sua espera e mais: a sua primeira filha ainda na barriga de Catarina, Izabel. O homem dos sonhos de toda mulher esse tal do Caminha!
Centenas de papiros, cinco penas e alguns vidrinhos de tinta preta na sua inseparável e surrada bolsa de couro. Aos poucos foi escrevendo cada detalhe que seus olhos de caçador lhe conferiam. O piso da embarcação era de madeira, uma madeira alinhada. 54 tábuas longínquas, ladeadas e presas por pregões de ferro nas pontas e pontos-médios. As tábuas eram cobertas por uma tinta marrom, avermelhando nas extremidades devido a pouca quantidade de tinta aplicada na superfície da madeira, talvez.
Enquanto não chegavam a nenhum destino de terras firmes, Caminha descreveu à risca cada detalhe. Descreveu tudo e todos, especialmente aqueles homens dos quais queria se aproximar a fim de construir um interlóquio amistoso para passar o tempo. Falou das meias repetidas e furadas de Simão de Miranda. Observou até cada coçada na linha abaixo da barriga que Sancho de Tovar dera a cada três minutos. Definira aquilo como nojento, mas uma ação entendível devido a falta de banho depois de dias e dias sem as partes serem visitadas por águas limpas.
De dias em dias esperava pelo anúncio de Cabral da chegada naquelas terras tão pretendidas. Sempre lembrara nessas horas de seu pai, o velho cavaleiro Vasco Fernandes, que seguidamente lhe falava que quando um homem tem um objetivo precisaria agüentar a ansiedade da espera para alcançar o resultado final de seu objetivo com êxito. Caminha não agüentava mais, nem suas escrituras lhe davam tesão como no começo. Mais de um mês e alguns dias em alto mar, sem ver muitas terras firmes e mais ainda: sem pisar em um chão firme, seguro.
Aos poucos, Caminha fora perdendo a vontade daquela missão perturbadora. Um teste de resistência e paciência para qualquer mortal. Outrora Caminha era um letrado em sossegadas terras portuguesas. Já houvera participado de outras missões, mas nenhuma tão longa e incerta quanto aquela. Um mês no meio de muitos homens? Lembrava de sua Catarina. Quanta saudade! Saudade da sua companhia, de sua doce voz que lhe dizia bom dia a cada amanhecer. Saudade do corpo pequenino de membros curtos, porém confortáveis, encaixantes ao seu corpo mediano de português. Tinha saudade dos pés quentes de Catarina. Adorava deitar e dormir agarradinho. Depois de alguns beijos e carícias, enroscava os seus grandes e gélidos pés aos sintéticos pés de Catarina. Uma delícia.
Mais dias e dias e nada de Cabral gritar alguma coisa lá da ponta do navio. As escrituras já eram menores e os textos não fluíam do mesmo jeito de que eram escritos no começo. Duas folhas talvez, praticamente nada comparadas às dúzias de que escrevera lá no início da missão em 8 de março de 1500 quando aqueles treze navios saíram do Rastelo.
Lá pelo dia 21 de abril as coisas já estavam voltando a aquecer. O tédio já estava passando por causa de grandes sombras escuras sem definição ao longe – finalmente algo de diferente para descrever em seus alfarrábios. Mais tarde, na manhã do dia seguinte, ainda com os olhos emplastados de remela e cambaleantes de sono, ouviu o fidalgo Cabral gritar lá na ponta do barco com as mãos para cima:
- Terra à viiiiiiiiiiiiiistaaaa! – com muitos e muitos i’s.
Caminha voltou correndo ao quarto para vestir suas calças por cima das calçolas de bainhas brancas. Pegou sua surrada maleta de couro e correu em direção a Cabral. Detalhou com afinco, com o máximo de detalhes as reações do comandante, dos homens do próprio barco e dos outros tantos que os seguiam em outras embarcações. Aos poucos foi narrando a costa brasileira, descrevendo as imponentes árvores verdes que beiravam o mar. Narrou até o que não esperava narrar: pessoas morenas com peles pintadas e com cabelos lisinhos; nuas em terras ainda desconhecidas.
Após avistar um grande monte, Pedro Álvares Cabral o batizou de Monte Pascoal e a princípio deu o nome de Ilha de Vera Cruz a nossa terra – mal sabia ele que não se tratava de uma ilha e sim de um continente. Depois do equívoco que o próprio Cabral havia se dado de conta, chamou de Terra de Santa Cruz a cidade que hoje é Porto Seguro, na Bahia. A terra era tomada de índios das nações Tupinambás e Tupiniquins. Os homens daquelas embarcações deliciaram-se em trocar espelhos por ouro e outras regalias por índias de pele morena cheias de curiosidades por aqueles portugueses bigodudos e fedidos.
Caminha se manteve ileso em relação ao povo indígena de Porto Seguro, especialmente, às índias. Procurou duas pedras, uma para sentar-se e outra para recostar suas escrituras. Ali ficou durante boas horas escrevendo e escrevendo. Ninguém sabia o que ele tanto escrevia. Ficara cercado por pequenos índios que com olhares curiosos e até de certa forma espantados miravam aquele gesto de molhar a pena no tinteiro e rabiscar no papel que Caminha fazia repetidamente. Sabiam lidar com tintas, mas não tão evoluídas quanto aquela da qual Caminha utilizava. Saiu dali depois de oito ou nove horas ininterruptas. Enrolou seus escritos, os guardou dentro da maleta de couro e não mostrou para mais ninguém. Nem para Cabral, o descobridor – ou melhor dizendo, o “achador”, até porque quem descobriu ou chegou primeiro foram os índios – contou. Somente dias depois todos souberam que os apontamentos daquelas horas literalmente perdidas tratava-se de uma carta para Dom Manuel sobre o descobrimento das novas terras.
Um cara letrado e dedicado no que fazia. Um homem fiel, isso decerto que era. Mesmo com tantas índias de mamas de fora e órgãos genitais quase expostos, manteve-se firme para com a tentação da carne e do instinto masculino. Era um homem forte, daqueles de não passar despercebido pelos outros, inclusive pelas índias. Não era de se jogar fora. Mas havia Catarina à sua espera e mais: a sua primeira filha ainda na barriga de Catarina, Izabel. O homem dos sonhos de toda mulher esse tal do Caminha!
Do restante da história você leitor, decerto, sabe como ela ocorrera, não preciso nem continuar falando que Cabral saiu do Brasil em 2 de maio de 1500 rumando para Índia. Mas agora pense comigo: para que tanta badalação com Cabral se a quase totalidade das coisas que sabemos da descoberta do Brasil foi originada mais pelos escritos de Pero Vaz de Caminha do que pelas coordenadas de Cabral? Isso sem levar em consideração os índios!
Como sempre, uns tomando a fama dos outros. Se isso aconteceu em 1500, imagine atualmente como isso funciona? Depois de 508 anos de muitas outras viagens e reais descobertas, a maior das viagens é ainda creditar uma descoberta a alguém que não descobriu propriamente uma terra, apenas chegou e dali sugou muitas de nossas riquezas para suas terras portuguesas. E vem cá: e os índios, onde entram nisso? Acho que foi por causa disso que Getúlio Vargas – tinha de ser gaúcho – acabou criando o Dia do Índio em 19 de abril de 1943, não por causa do congresso indigenista no México conforme a história conta e sim por pena de nossos indígenas. De Cabral, Caminha e sua patota a única coisa que realmente herdamos foi o português. De resto, somos índios, Tupinambás e Tupiniquins de origem e deveríamos ter muito orgulho disso.
Como sempre, uns tomando a fama dos outros. Se isso aconteceu em 1500, imagine atualmente como isso funciona? Depois de 508 anos de muitas outras viagens e reais descobertas, a maior das viagens é ainda creditar uma descoberta a alguém que não descobriu propriamente uma terra, apenas chegou e dali sugou muitas de nossas riquezas para suas terras portuguesas. E vem cá: e os índios, onde entram nisso? Acho que foi por causa disso que Getúlio Vargas – tinha de ser gaúcho – acabou criando o Dia do Índio em 19 de abril de 1943, não por causa do congresso indigenista no México conforme a história conta e sim por pena de nossos indígenas. De Cabral, Caminha e sua patota a única coisa que realmente herdamos foi o português. De resto, somos índios, Tupinambás e Tupiniquins de origem e deveríamos ter muito orgulho disso.
2 comentários:
Mto massa uma visão diferente dos fatos, narrando através de detalhes do cotidiano, um acontecimento histórico bem conhecido e polêmico ao mesmo tempo!
E por fim! Sim temos q ter e muito orgulho das nossas origens ...
beijos
talvez o cabral tenha tido merito porque sem ele, os portugueses nao teriam chegado aqui.
mas concordo com o fato de sabermos tudinho devido aos pergaminhos do caminha ^^
notei desenvolvimento positivo no teu texto desde o inicio do blog, principalmente nesse aí. yay! :)
bjs
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